Leci Brandão reforça a importância da participação da mulher no samba
Ela analisou a importância das mulheres no samba e minimizou as críticas de políticos conservadores, como o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, à Mangueira: “O governo demonstra que muitas pessoas estão fora de prumo, pensando só em agressão, ofensa, ódio, homofobia, desrespeito às religiões, falta de amor ao próximo. Tudo de ruim foi reunido por essa gente que hoje está comandando o país”.
Brasil de Fato: O desfile da Mangueira foi muito impactante, e você foi uma das homenageadas. Qual a importância desse desfile, ao mostrar personagens importantes e muitas vezes esquecidos da nossa história?
Leci Brandão: Eu tenho dito sempre para as pessoas que a Mangueira pode contar sua história antes do Leandro Vieira e depois do Leandro Vieira. Ele é um carnavalesco extremamente inteligente e tem a perspicácia de conseguir que a escola de samba tenha o papel de fortalecer o povo, trazer consciência política. E a Mangueira, que é uma escola antiga, tradicionalíssima, que todo mundo gosta, pode perfeitamente nos ajudar a fazer uma reconstrução da história.
O enredo foi muito bem desenvolvido porque fala da história do Brasil, desde o “descobrimento” até os dias atuais. Eu me senti muito feliz e estou imensamente grata, porque estou na Mangueira desde 1972, como compositora, oficialmente. E jamais poderia supor que um dia teria a honra, não só de ter o nome no samba enredo, mas de representar Luísa Mahin [guerreira que fugiu do flagelo da escravidão e lutou em algumas das mais famosas revoltas abolicionistas do Brasil].
Você foi a primeira mulher reconhecida na ala de compositores da Mangueira. Como você encara a importância da sua imagem e a luta das mulheres para obter espaço e reconhecimento no samba?
Na minha época, a coisa era infinitamente mais difícil. Tínhamos Dona Ivone Lara no Império Serrano, desde os anos 60, e só. Então, causou espanto quando o Zé Branco, tesoureiro da ala de compositores [da Mangueira], me apresentou, porque já sabia que eu compunha sambas. Aí, me disseram: “Volta semana que vem, com uma carta, explicando os motivos, etc”.
Eu fiz a carta e falei para eles que iria aprender muito naquela universidade do samba. Então, disseram que eu ficaria como estagiária, fazendo sambas de terreiro, enfim, durante um ano, e que eu entraria oficialmente para a ala se eles avaliassem que eu tinha condições. Foi assim que eu entrei na Mangueira.
Claro que, depois, outras mulheres entraram em escolas de samba, como a Gisa Nogueira, irmã do João Nogueira, na Portela. Estou em São Paulo há alguns anos, e sei que há outras compositoras no Rio de Janeiro. Mas é um espaço muito tomado pelos homens.
Como você enxerga a situação da Vai-Vai, que trouxe um tema afro para a avenida, em São Paulo, e foi rebaixada?
A gente está tentando entender. Fui comentarista da Globo de 2002 a 2010 e acompanhava tudo que acontecia nas escolas, três meses antes dos desfiles. Ensaio técnico, quadra… conversava com cada um. Era um trabalho muito intenso. Agora, estou fora disso. Depois que entrei na Assembleia [Legislativa do Estado de São Paulo], não pude mais comentar o carnaval na Globo, mas acredito que fatos internos tenham contribuído para a Vai-Vai chegar em último lugar.
Ela não fez carnaval para chegar em último lugar. Não posso dizer que seria campeã, mas cair eu achei um pouco de exagero.
O carnaval da Mangueira repercutiu, além de outros temas importantes, o assassinato da Marielle Franco, e por isso foi criticado por setores conservadores – inclusive, o filho do presidente Jair Bolsonaro. Você percebe racismo e desrespeito à Marielle nesses comentários?
Esse povo aí (não gosto nem de falar o nome dessas pessoas), o que eles puderem fazer para tentar minar a cultura e a força popular, [eles vão fazer]. São coisas sempre absurdas. É um povo que só abre a boca para falar asneiras. Eu até evito comentar o que diz esse pessoal, porque dá muito “cartaz” para eles, e eles não merecem isso.
Hoje mesmo, fiz uma fala na Assembleia para saudar a Mangueira e agradecer as felicitações que tenho recebido, e também tive que me referir a um deputado do Rio de Janeiro, Rodrigo Amorim [PSL], que foi o cara que quebrou a placa de rua da Marielle. Ele disse que era mangueirense, mas não concordava com a letra. E eu respondi que a Mangueira não precisa de gente assim para torcer por ela – muito pelo contrário.
Você tem acompanhado o trabalho da nova geração do samba e o protagonismo que as mulheres têm assumido nesses movimentos?
Eu acho fantástico. Inclusive, várias delas já estiveram aqui no gabinete, e nós fizemos ações para garantir que elas possam fazer seu trabalho em praças, bairros, escolas…
Temos feito tudo o que podemos fazer, como parlamentar, para garantir que elas tenham o direito de fazer e mostrar seu trabalho. Porque grupos de mulheres [sambistas] já existem há muito tempo, mas a mídia não tem boa vontade, não dá oportunidade. E não falo só de TV, mas também de rádio.
Para mim, nada disso é novidade. Eu só espero que haja um olhar, por parte dos gestores de cultura, para que essas mulheres possam ser conhecidas e reconhecidas por seu trabalho. Mas falta boa vontade, porque quem manda nesses espaços, quem manda na mídia, são os homens também.
Por que há tanta resistência?
As famílias que gostam de samba, normalmente, são pessoas educadas por mulheres, mas infelizmente não seguem a cartilha de casa. Muitos preferem seguir essa moda babaca que está aí. O próprio governo demonstra que muitas pessoas estão fora de prumo, pensando só em agressão, ofensa, ódio, homofobia, desrespeito às religiões, falta de amor ao próximo.
Tudo de ruim foi reunido por essa gente que hoje está comandando o país.
Fonte: Brasil de Fato