Política de preços da Petrobras fomenta nova greve dos caminhoneiros
Em primeiro lugar, a vulnerabilidade do país gigantesco, que conta para a circulação de suas mercadorias apenas com um modal de transporte, o rodoviário. A elite dirigente do país não teve a capacidade de dotá-lo de grandes ferrovias e navegação de cabotagem, que garantiriam o escoamento dos produtos por variados meios. Ao contrário, o pouco que existia de estradas de ferro e de vias marítimas foi transformado em sucata, ou em algo residual.
Por isso, quando os caminhoneiros ameaçam fazer greve, todos ficam atônitos, porque o país pode parar. Daí o telefonema do Bolsonaro.
Em segundo lugar, o fato insólito de que toda, ou quase toda a “direitona” brasileira, políticos, burocratas, financistas, gente do capital, brasileiros e estrangeiros, líderes do conservadorismo, cerraram fileiras “em defesa” da Petrobras. O alarido era para que ela não tivesse prejuízos advindos da não aplicação da sua “nova política de preços”.
Essa tal “nova política de preços”, a Paridade de Preços Internacionais, a PPI, tem apenas dois anos e meio de existência, foi estabelecida em 14 de outubro de 2016, no governo do Temer, e foi a responsável pela greve dos caminhoneiros que paralisou o Brasil. A PPI é uma injusta dolarização dos preços dos combustíveis no Brasil, penaliza brutalmente nosso povo. Mas é o que o FMI quer, por isso foi implantada por seu ex-assessor, Pedro Parente, quando presidia a Petrobras no governo de Temer.
A “direitona” defende com unhas e dentes a PPI, para não “prejudicar” a Petrobras. Isto salienta outra questão: é que, dinheiro entrando para a Petrobras, vai para ela. A maioria do capital social da empresa é privado; a maior parte é estrangeiro, e predomina o capital americano.
A recente e mal sucedida “nova política de preços” da Petrobras avilta o consumidor brasileiro.
Pela PPI, são garantidos preços internacionais a todos os combustíveis vendidos no Brasil pela Petrobras, mesmo quando produzidos com petróleo brasileiro, transportados em nossos oleodutos e aqui refinados. Os preços nacionais, bem abaixo dos internacionais, são, ao final, arbitrariamente indexados, pela PPI, a dois fatores externos, as cotações do petróleo e do dólar. Aí os preços sobem bastante.
Essa política não reflete os interesses do Brasil. Ela foi responsável por uma greve que parou o país e que foi suspensa com paliativos e promessas. Ela precisa ser mudada, inclusive para que não venha nova greve dos caminhoneiros.
A mudança necessária deve ser feita sem penalizar a Petrobras, sem cortes de impostos que sacrificariam serviços à população, sem benefícios fiscais a setores favorecidos e sem subsídios que oneram o caixa da República.
Propostas de alteração dessa política nefasta tem aparecido, com naturais variações. Exponho a seguir a linha geral do ponto de vista que defendo, inspirado nos interesses brasileiros.
O objetivo é fazer com que o custo do petróleo extraído no Brasil, mais o custo do refino local, mais os impostos que lhes são cobrados aqui, formem o custo final do combustível no Brasil e seja vendido por esse preço aos brasileiros. Equiparar este custo nacional aos preços internacionais é dolarizá-lo, e é escorchar o povo brasileiro.
As contas são simples. O custo de extração do óleo do pré-sal no Brasil é de US$7/ barril, segundo a Petrobras (DCI 14/06/18). Somando-se outros custos, como depreciação de equipamentos, amortização de investimentos, etc., o custo total de produção do óleo do pré-sal chega a US$20 /barril.
A Petrobras informa que o preço mínimo do barril de petróleo que viabiliza um projeto no pré-sal (o “breakeven”, ou preço de equilíbrio), está “entre US$30 e US$40 o barril” (Valor, 31.10.2017). Para efeito de cálculo tomemos a média, US$35, que cobre com folga o preço de produção no pré-sal, US$20/barril, com 75% de lucro.
Se a esse preço de equilíbrio, US$35 /b, somarmos o preço do refino, que é US$3/b, concluiremos que o preço médio do derivado é de US$38 o barril. Computando as despesas administrativas, de transportes e similares poderemos chegar a US$45 o barril.
Este é que é o preço médio do derivado no Brasil, que deveria ser cobrado nas refinarias da Petrobras, e que já inclui lucro elevado para a estatal.
Em moeda nacional, com o câmbio dos últimos tempos (R$3,8 por dólar), este custo nacional médio se converteria em R$171/b, ou seja, R$1,06 por litro médio de derivado. Antes da greve dos caminhoneiros, as refinarias cobravam cerca de R$2,35/litro em média pelo derivado, 135% de lucro extra, na porta das refinarias. Um exagero.
Para chegar às bombas, o combustível tem que pagar os impostos, (Cide, Pis/Cofins, ICMS) e tem também que garantir o lucro da revenda. Aceita-se que tudo isto dá em média R$0,90/litro. O preço final médio dos combustíveis nas bombas ficaria, portanto, em torno de R$2,00/l, quem sabe R$2,5/l. Contudo, o diesel está ao redor de R$3,82/l, esteve em R$5,2/l há vinte dias. Um exagero acintoso.
Então, que se passa com nosso país? O Brasil tem o petróleo, o extrai, transporta-o em seus dutos, refina-o, cobra os impostos devidos e na hora de vender ao brasileiro usa o preço internacional, que é muito maior. Por que?
Argumenta-se com os interesses dos acionistas da Petrobras. Já vimos a força desmedida desses acionistas, desde que FHC vendeu ações da Petrobras na Bolsa de Nova York. Mas o acionista controlador é a União, que tem maioria do capital votante (se bem que pequena maioria!) e que também é o maior acionista individual.
O investidor de Nova York quando comprou ações da Petrobras sabia que teria que se ajustar aos interesses do acionista principal da empresa, que era a União brasileira. A estatal não pode apenas estar atrás de lucros extraordinários para esses acionistas, inclusive porque já remete cerca de 40% desses lucros ao exterior, aos EEUU. A estatal tem que olhar para a sociedade que a criou, a mantem e a controla.
*É engenheiro, ex-Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Membro da Comissão Política do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.