Afinal, não era prá menos! Ao longo de poucos dias, o capitão havia exonerado 3 generais que ele mesmo tinha nomeado para cargos estratégicos no primeiro escalão da Esplanada.

Foram afastados o Ministro da Secretaria de Governo General Carlos Alberto dos Santos Cruz, o Presidente da FUNAI General Franklimberg Freitas e o Presidente da Empresa de Correios General Juarez de Paula Cunha. Para cada ato de demissão foram apresentados argumentos relativos a algum tipo de incompatibilidade com a orientação geral emanada do Palácio do Planalto.

Santos Cruz não estaria disposto a atender às demandas do círculo mais próximo aos filhos de Bolsonaro e do autoproclamado guru Olavo de Carvalho. No caso da FUNAI, o problema estaria na pressão dos ruralistas, que não confiavam na disposição do general em atender às suas demandas nas disputas com as nações indígenas. O general Juarez teria sido demitido da ECT por suas declarações públicas contrárias à privatização da empresa pertencente à União.

No entanto, o que pouca gente imaginava é que o chefe do governo iria ampliar ainda mais o grau de descontentamento com relação ao seu modo de organizar a tropa e operar mudanças. Pois no sábado pela manhã, em um conversa rápida com jornalistas, ele praticamente demitiu o Presidente do BNDES, por meio de um recado ríspido direcionado a Joaquim Levy. A surpresa vem daqueles que avaliam as dificuldades enfrentadas pelo governo e da necessidade de ampliar o seu suporte político no seio dos representantes do sistema financeiro.

Tirar Levy para extinguir o BNDES

Mas não foi assim, não. Não teve muita conversa. Bolsonaro foi duro e direto, passando por cima da hierarquia, uma vez que Levy havia sido sugerido para o cargo por Paulo Guedes, seu superior na própria estrutura do Ministério da Economia. A desculpa esfarrapada para tal ato foi a nomeação por Levy de um ex-assessor da presidência do banco ainda na gestão do PT. Outros lembram ainda as dificuldades encontradas para abrir a tal da “caixa preta” dos empréstimos do banco, com a intenção explícita de promover uma devassa persecutória nas gestões anteriores.

Ora, essas razões não se sustentam de pé. O próprio Joaquim Levy, apesar de seu perfil conservador, é um oriundo das administrações petistas. Foi aproveitado lá trás ainda por Palocci, em 2003, que nomeou o antigo colaborador das gestões tucanas para o estratégico cargo da Secretaria do Tesouro Nacional. Antes de Levy ser nomeado por Dilma para o Ministério da Fazenda no estelionato eleitoral de 2015, o economista havia também ocupado cargos no FMI e no Banco Mundial representando o governo brasileiro. Nessas condições, fica difícil atribuir à nomeação de um assessor a razão para sua demissão.

Lembremos que Levy tem uma passagem muito fácil no interior do financismo, em razão da extensa ficha de bons serviços prestados à nata da elite. Essa identidade de interesses deu-se nos momentos em que o ocupante de cargos públicos formulava políticas governamentais que agradavam plenamente aos desejos da banca. Ou então em períodos que o próprio Levy atuava como dirigente do capital privado. Aliás, foi na condição de indicado pelo Bradesco que ele chegou ao Ministério no segundo mandato de Dilma.

Assim, imagina-se que demitir Levy é comprar dificuldades – ao menos momentâneas – com o povo da finança. Por que haveria Bolsonaro avançado esse sinal, em momento tão crucial para o avanço da proposta da Reforma da Previdência no interior da Câmara dos Deputados? É bem provável que o enredo teatral todo tenha sido articulado com o próprio Paulo Guedes, que também passou a apresentar nos últimos tempos algum desconforto com Levy no comando do BNDES.

BNDES atuante incomoda a banca privada

Uma das dificuldades refere-se à exigência de que ele promovesse a devolução para os cofres do Tesouro Nacional de valores próximos a R$ 130 bilhões. Essa é a soma que o governo federal havia transferido ao banco, para que o mesmo pudesse desenvolver suas atividades de financiamento do desenvolvimento e de empréstimos de longo prazo a juros subsidiados. Assim, não faz sentido essa devolução que impacta de forma perigosa e negativa o patrimônio do BNDES.

A bem da verdade, essa estratégia não faz “sentido” para aqueles que consideramos essencial que o Estado brasileiro conte com uma agência robusta para dar conta das tarefas de fomento do desenvolvimento. O problema é que Paulo Guedes tem uma visão totalmente oposta. Para o monetarista conservador, que nunca havia ocupado um cargo público até então, a principal tarefa é aquela associada à demolição. Ele não se cansa de deixar isso clara quando fala em privatizar todas as empresas estatais ou quando remete ao projeto de eliminação do modelo de previdência social pública.

Ocorre que pouca gente atentou para uma declaração sua a respeito do próprio BNDES. Não nos esqueçamos jamais de que Guedes é oriundo do sistema financeiro, onde passou boa parte de sua vida profissional. Assim, além do viés “natural” do rentismo parasitário, ele vê nos bancos públicos um enorme obstáculo à ampliação dos negócios e das margens de lucro do capital financeiro privado. A presença de instituições como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia ou Banco do Nordeste dificultam a ação dos bancos privados. Para essa gente, não basta colocar na administração dessas empresas gestores que raciocinam com a cabeça do banco privado. Não! É precisa transformá-las de forma mais efetiva, por meio da privatização.

No entanto, há uma instituição meio “diferentona” nesse meio. O BNDES não pode ser privatizado. Não há interesse para tanto. O sonho de consumo da banca privada é ficar com a gestão dos enormes fundos públicos operados pelo banco. E Paulo Guedes não esconde sua verdadeira intenção. Em março a Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizou um evento chamado “A nova economia liberal”. Foi o espaço para que os principais responsáveis pela área econômica transmitissem a opinião do superministro a respeito de temas essenciais.

Coube a Roberto Castello Branco, nomeado para a Petrobrás, oferecer as pistas para o futuro de algumas dessas instituições públicas: 

(…) “Como liberais, somos contrários a empresas estatais. Com exceção do Banco Central, bancos públicos deveriam ser privatizados e o BNDES extinto. A Petrobras também deveria ser privatizada”. (…) (gn)

O executivo financeiro no comando da maior empresa pública brasileira não poderia ser mais claro. A proposta é eliminar o BNDES. E para tanto é necessário ter em seu comando alguém que seja mais do que um financista respeitado como Levy. É preciso ter ali um comparsa para o crime de lesa pátria que se pretende levar a cabo. Afinal, um BNDES atuante incomoda o sistema bancário privado. E isso ocorreu em passado recente, com um maior protagonismo do banco na concessão de crédito.

O quadro abaixo exibe os desembolsos anuais efetuados pelo banco em seus empréstimos e financiamentos.

BNDES: Desembolsos anuais em R$ bilhões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A escalada do volume de recursos alocados tem início no governo Lula, saindo de R$ 34 bilhões em 2003 para atingir R$ 168 bi em 2010. A partir de 2015, justamente com o austericídio iniciado por Levy, os montantes anuais começam a baixar de forma abrupta. Afinal, a intenção última e declarada é mesmo que o BNDES seja extinto.

Essa estratégia de liquidação do banco ganha um novo impulso na forma do Substitutivo do Relator da PEC 06 na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Pois ali, o deputado tucano de São Paulo, Samuel Moreira, introduz um perigoso jabuti completamente estranho à matéria previdenciária. Ele retira do art. 239 da Constituição federal a destinação ao BNDES de 40% do montante arrecadado pelo PIS e PASEP. Em nome de uma suposta ajuda demagógica ao Regime Geral da Previdência Social, o dispositivo elimina a fonte dos recursos a serem financiados pelo banco público. Em outras palavras, está li assinada sentença de morte da instituição criada por Getúlio Vargas em 1952.

A sociedade brasileira precisa se mobilizar de forma ampla e urgente para evitar mais essa intenção demolidora. Afinal, não existe caminho possível para o desenvolvimento social e econômico de nosso País sem que o setor público ofereça recursos para o financiamento de projetos delongo prazo. Essa é a missão precípua do BNDES.

*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.