Renato Rabelo: a construção partidária atual
“Vive-se hoje a etapa do sistema do capitalismo financeirizado – sob a égide do capital a juros, do capita fictício e do rentismo.
A financeirização impõe de forma sistêmica a subordinação do Estado, inclusive do seu orçamento e da sua dívida, aos desígnios da exclusiva valorização do capital (Como, por exemplo, a imposição de um Superávit primário, e do novo papel dos Bancos Centrais na atualidade, sistema previdenciário de capitalização privada).
Como uma síntese, podemos dizer: As tecnologias da Quarta Revolução Industrial (QRI) não são neutras, mas estão sendo utilizadas para impulsionar a dinâmica do capitalismo financeirizado.
– A Sociedade Capitalista Atual: Financeirização QRI = Capital valorizado/ Trabalho desvalorizado:
Os bem-sucedidos são os detentores da riqueza financeira que acumula valor, produto do aumento da produtividade (“tempo livre”), sob a forma de capital fictício, que cresce com o lucro fictício – os possuidores de Títulos, os quais permitem direitos sobre a riqueza e a renda (D = D’).
Os mais fracos, por outro lado, vão sendo “liberados” do trabalho – sofrem ameaças permanentes de desemprego, da crescente precariedade das novas ocupações, da queda do salário real, do aumento exponencial da desigualdade e da exclusão social.
Esse exército de desprovidos pode se transformar numa grande ameaça, com o descarte desses excluídos, ditos indesejáveis – já na atualidade provocando o encarceramento em massa nos EUA — e o movimento dos Coletes Amarelos na França, entre outros exemplos.
No Brasil, com o estabelecimento do governo Bolsonaro estamos sob a vigência de uma situação fundante, caracterizada por um autoritarismo visceral, um ímpeto de aplicação do ultraliberalismo, que se apresenta como uma ortodoxia superada; e o neocolonialismo, ou seja, uma política de capitulação, diante dos EUA e de grandes potências capitalistas.
O Governo de Jair Bolsonaro sacrifica e ameaça a democracia – e a própria destruição das instituições democráticas vigentes. Seu governo promove o anti-desenvolvimento nacional – com a estagnação econômica, a recessão do investimento e a aceleração da desindustrialização.
Sobre as relações de trabalho, o que vemos no Brasil é um cenário de precarização laboral crescente, com um regime de trabalho intermitente, sem vínculo formal com as empresas, com perda completa de direitos e a vigência de um desemprego estrutural. Daí a aprovação da Reforma Trabalhista no Brasil, que vai em direção a esta nova forma de relação capital/trabalho.
O governo já anunciou que pretende implantar uma Carteira profissional Verde/Amarela, a oficialização do trabalho precarizado e terceirizado. O Brasil pela primeira vez entra na lista dos dez piores países do mundo para os trabalhadores.
O que já vem acontecendo em forma crescente é a substituição do trabalho pela automação. Atualmente, no Brasil, mais de 70% do trabalho vem da área de serviços e precisamente aí é que as funções laborais desaparecerão, porquanto podem ser totalmente automatizadas. E assim vários tipos de trabalho e profissões vão adotando a automação total ou parcial.
– O Impacto na Construção do Partido da classe trabalhadora, sua organização, mobilização e formação:
Em resumo, o perfil da sociedade capitalista em curso pode ser determinada: 1) Pelos detentores da riqueza financeira e seus monopólios associados; 2) Por uma elite de trabalhadores altamente qualificados; 3) E por uma vasta maioria de descartáveis – processo de condições de trabalho cada vez mais precarizadas, em que setores crescentes de trabalhadores não são absorvidos pelo sistema, os ditos indesejáveis. As consequências desses fenômenos são basicamente os seguintes:
A) Em primeiro lugar, o impacto sobre as forças da esquerda — sobretudo os partidos comunistas e do trabalho – que têm sua base social definida predominantemente na classe trabalhadora. Em tal situação do capitalismo financeirizado e da nova morfologia do trabalho vivo, traz consequência sobre o sentido de classe entre os trabalhadores – por seu perfil e variação de forma e lugar de trabalho – conforma uma nova subjetividade, que requer renovada formação de consciência de classe, de uma identidade de classe, com um ALVO COMUM.
B) Em segundo, o impacto do avanço da tecnologia digital informacional que produz consequências revolucionárias na comunicação e na informação, instrumentos essenciais para o Partido – como informar, como estabelecer formas de mobilizar e organizar massivamente, como lutar. Enfim, essas inovações revolucionam a própria funcionalidade do Partido e da sua linha de massas e a sua metodologia em vários aspectos.
Desta forma, passamos a viver a nova realidade da sociedade organizada em redes sociais. E muito mais, surge o período conceituado como“pós-verdade”, onde avultam as fake News (notícias falsas), novas mídias baseadas na robótica da informação, que atingem um estágio categórico no qual falsas notícias, não são marginais, mas “estruturaram opiniões sobre todos os temas” (Manuela D’Ávila).
– Diante do capitalismo financeirizado e da quarta Era Tecnológica, se coloca a ALTERNATIVA — político-econômica e social – e para a classe trabalhadora, há sim ESPAÇO para a organização dos trabalhadores, do seu Partido e da sua representação sindical:
É uma exigência histórica — não podemos perder de vista — que a evolução técnica-cientifica contemporânea deve estar voltada para a construção de uma sociedade que assegure a emancipação social, o desenvolvimento econômico e a prosperidade nacional, o avanço civilizacional e a paz entre os povos e países: Este é um poder estatal democrático-popular, conduzido pelos que trabalham e seus aliados.
Há um elemento comum contemporâneo no mundo ocidental – na União Europeia, nos EUA, e em grande parte no Continente Americano – onde assistimos a um empobrecimento generalizado de camadas populares e camadas médias, com perda de status social. Desde o começo da crise econômica verificou-se o enriquecimento de poucos, com uma concentração sempre maior de riqueza. Enquanto setores excluídos se consideram “traídos” com o neoliberalismo globalizado.
Esse fenômeno abre caminho para grupos neofascistas e xenófobos que ganham grande parte do consenso eleitoral, nas grandes periferias urbanas, nas áreas da crise pós-industrial, entre as massas populares e os trabalhadores. Exemplos: as esquerdas não ganham credibilidade maior, apesar de tentativas de avanço de setores da esquerda trabalhista, como no Reino Unido (com Jeremy Corbin), e da “esquerda liberal” nos EUA, (Bernie Sanders), a Socialdemocracia, na Espanha, o presidente recém eleito, López Obrador, no México, além do crescimento promissor dos comunistas (PTB) na Bélgica, nas últimas eleições legislativas deste ano.
Para as esquerdas — e os comunistas especificamente — o elo débil está relacionado com a sua capacidade de ligação com a vasta maioria de descartáveis e empobrecidos e como atrair os chamados trabalhadores digitais. Na União Europeia os primeiros têm sido conquistados em grande número pela extrema-direita.
No Brasil, a ligação com as massas trabalhadoras e populares nas periferias dos grandes centros urbanos e regiões pós-industriais, antes com uma presença saliente e organizada da esquerda, por meio do Partido, da organização sindical e social tem refluído sobremodo; hoje, esses espaços são ocupados de forma crescente e organizada pelas igrejas neopentecostais, milícias armadas e o crime organizado.
Os evangélicos neopentecostais já somam 35% da população (número ainda impreciso), possuem uma ramificação de igrejas com larga influência com sistemas de comunicação e de pequenas igrejas, com credos personalizados de lideranças religiosas que abrem novos cultos.
As milícias armadas, com gente originária das polícias, articuladas com grupos de políticos corruptos, procuram ter o monopólio do achaque, da intimidação, que crescem e detêm mais força no atual governo.
O crime organizado, tendo à frente chefes com influência nas instituições, que diante da expansão da crise social, se apoiam nas camadas pobres da população, nas periferias dos grandes centros urbanos e recrutam a população jovem para formarem uma organização clandestina, sistêmica, para expansão do narcotráfico.
Hoje é marcante a recusa da política, emanada por poderes dominantes, limitando-se a alimentar a desconfiança na política e nos partidos; a luta contra a corrupção [Os fins justificam todos os meios no sistema acusatório – Partido da Lava Jato] como a causa única de todos os males sociais, que mina a perspectiva e a esperança, sendo este o caldo de cultura para o crescimento dos grupos de ultradireita.
Na etapa do capitalismo financeirizado e da QRI a seu serviço, na luta transformadora para abrir caminho à novo modo de produção e novas relações de produção — a questão da alternativa está diante de uma encruzilhada: continuidade do capitalismo financeirizado, sob hegemonia do capital financeiro, ou sua suplantação por uma nova formação econômico-social, tendo à frente as forças políticas do trabalho.
Objetivos para as forças anticapitalistas, anticapital-financeirizado:
A) No centro do sistema internacional, a bandeira central é a luta anticapitalista, por uma transição socialista;
B) Na periferia, o objetivo principal é a luta por um projeto nacional de desenvolvimento, contra hegemonia do capital financeiro e a conquista de um regime democrático-popular;
C) As revoluções democrático-populares remanescentes (Como as da China, Vietnam, Cuba) portadoras de nova formação econômica social, distinta do “modelo” excepcional da União Soviética, que ocupam hoje o lugar na atual transição socialista. E a Coreia Popular que ainda vive uma situação específica de Estado de Guerra com os EUA, onde estes mantêm tropas de ocupação ao sul do Paralelo 38 na península coreana, ainda sem o desfecho da proclamação de um Acordo de Paz.
– A Construção do PCdoB na contemporaneidade do capital financeirizado e da Quarta Revolução Industrial:
É atual o Programa do PCdoB de 2009 – que propõe e defende um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, soberano, democrático e popular, caminho estratégico no Brasil para a transição ao socialismo. A persistência e o desenvolvimento de uma alternativa programática, que aponte o caminho e o rumo revolucionário é imprescindível para ampliar o horizonte da luta, para não se perder no imediatismo e no recôndito das batalhas e, saber, distinguir assim, o inimigo principal da classe trabalhadora e os seus aliados fundamentais e temporários.
A RESISTÊNCIA nas condições do governo de extrema-direita de Bolsonaro:
– Lutar pela construção de uma Frente Ampla, tendo como centro de gravidade a questão democrática, a premissa da soberania, o desenvolvimento econômico e o progresso social – o governo Bolsonaro é expressão da própria crise. A emergência da luta democrática se impõe em face do intuito aparente do grupo Bolsonaro de instar a preparação de um golpe de Estado, tendo como centro de seu alvo de ataques as forças políticas de esquerda, sobretudo o PT/Lula – aqui alimentando uma frente política ampla, que impeça a liberdade de Lula e o crescimento da oposição.
Contudo reduz seu verdadeiro pacto político à sua base de apoio mais estremada, a qual é estimulada a centrar seu ataque no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, óbices a um regime ditatorial. Há demonstrações nesse sentido nas últimas manifestações prós Bolsonaro e Moro. O modo encontrado pelo governo, é que o próprio governo continua bancando a retórica anti–establishment, apoiando-se em torno de 30% do eleitorado, como base do seu poder.
Desde já, devemos lutar:
– Pela urgência de uma decisiva retomada do crescimento econômico com a organização de:
Corajoso programa de investimento público contra cíclico, principalmente na infraestrutura,
Necessária reativação do consumo de massa, elevação da renda das famílias,
Estímulos ao investimento privado; saindo assim do círculo teimoso e vicioso da estagnação, que atinge uma situação catastrófica de enorme desemprego e elevada capacidade ociosa levando a economia a um atoleiro sem fim.
– Pela Valorização do Trabalho: A consigna de maior alcance é a luta sistêmica (com o aumento da automação) pela Redução da Jornada Trabalho; desde agora o embate contra o desemprego, por melhores condições de trabalho, trabalho permanente e garantia dos direitos trabalhistas;
– Por uma Educação pública e de qualidade é fator detonador de lutas que congregam forte anseio popular, amplificador da frente política mais extensa, meio estrutural que garante o objetivo desenvolvimentista desde agora e, sobretudo, a prazos mais longos;
– Por um Financiamento da Seguridade Social: Saúde, Previdência, Assistência Social, luta primordial no plano social que responde ao mais amplo interesse da sociedade, sobretudo nas condições de um capitalismo fianceirizado e de moderna tecnologia de quarta geração a seu serviço, que resulta num sistema de desvalorização do trabalho e formação de camadas crescentes de descartáveis;
– Pela oferta de moradias populares e acesso à terra para quem queira nela trabalhar e sistema de crédito que permitam a viabilidade dessas conquistas democráticas populares nos centros urbanos e nas áreas agrícolas.
Em relação à construção específica do PCdoB:
– A luta por estabelecer o lugar político do PCdoB em que se possa distinguir e ampliar sua base eleitoral no contexto atual está relacionada com a aplicação do Programa do Partido e suas bandeiras mais atuais, que possam ser expressas conforme os anseios das massas e sejam por elas assimiladas. Mas o sucesso dessa política vai depender da nossa capacidade de viver com as massas, nos lugares de trabalho, moradia, estudo e relações sociais setoriais e se dedicar a atrair lideranças para as fileiras partidária que exprimam os interesses da comunidade e sirvam ao povo. A projeção de lideranças vinculadas as camadas populares, as camadas médias e aos vários setores sociais é a forma mais eficaz a fim de estreitar a ligação com o povo, alcançar bases organizadas e poder mobilizá-lo. Ter em conta os inúmeros exemplos positivos do Partido e de outras organizações. E o movimento de massas é o meio mais destacado para o recrutamento de filiados ao partido.
– Saber dominar os meios digitais de comunicação e informação e contar com as redes sociais em proveito da organização do Partido e da ligação com as massas; isso se torna num trunfo inequívoco na época de rápido avanço da tecnologia informacional. Tudo isso não dispensa o contacto, a vivência e as reuniões presenciais, mas ao contrário é preciso reforçá-los. Em consequência disso a metodologia de funcionalidade partidária e dos seus meios de comunicação, informação e formação sofrem uma transformação disruptiva. Pode-se afirmar que o mister da política, toda práxis no campo da política é impactada por grandes mudanças advindas da era da Informática, da INTERNET, que rapidamente está em todas as coisas.
— Estruturar vias de ligação do Partido com as massas trabalhadoras e seus aliados, com a atualização da linha de massas, tendo como centro uma comunicação acessível, convivência permanente, distinção de lideranças locais, regionais nacionais; assume importante lugar o papel específico das mulheres e da juventude na relação de trabalho, nos lugares de convivência social, na luta de resistência. O PCdoB acumula rica experiência na aproximação e formação de importantes lideranças de jovens, principalmente entre os estudantes, e de mulheres em vários setores de atividade.
— Os jovens saídos dos Cursos Técnicos Profissionalizantes e dos Cursos Superiores de Tecnologia vão se tornar os “proletários digitais”, os trabalhadores das “fabricas inteligentes”. As indústrias do conhecimento e as indústrias atuais, em geral, têm um contingente majoritário de jovens. É aí onde devemos ampliar e consolidar um trabalho sistêmico entre esses jovens trabalhadores, desde sua trajetória nas escolas. As tentativas havidas até agora ainda não vingaram em vias de resultado de maior monta.
— Promover a Luta de ideias: sobretudo na atual encruzilhada histórica, é inadiável a luta e o trabalho por reavivar a perspectiva, atualizar a alternativa programática e desenvolver temas de fronteira que embasem o pensamento político, elevem a formulação teórica e ideológica, possa contribuir na formação da Direção e de uma forte coluna de quadros que sustente o Partido em qualquer circunstância, prepare ampla militância para a luta crescente e potencialize a influência partidária nas camadas sociais fundamentais a nossa luta e em toda sociedade.
— Devemos manter a nossa estrutura de formação e estudo em vários níveis da Escola João Amazonas, da edição e lançamentos de livros, da continuidade da Revista Princípios, do Portal da FMG, do Centro de Documentação e Memória e da existência e atividade das secções da FMG em 12 Estados, mesmo durante o período especial em que vivemos. Além disso a FMG estabeleceu um plano de Colóquios, para o debate entre os quadros e convidados acerca de temas fundamentais para definição de nossos paradigmas, visando a questão das grandes transformações sociais na contemporaneidade, e temas candentes para calçar a luta política e ideológica. E o trabalho necessário dos Cursos a Distância, das grandes obras teóricas, de antemão já começando com o curso, que deverá ficar pronto em setembro, das obras fundamentais de Karl Marx, sobre o sistema capitalista.
Desde o ano passado que a Fundação Mauricio Grabois realiza uma parceria com outras Fundações de partidos, elaborando documentos e manifestos conjuntos. Atualmente realiza um trabalho constituído por SETE Fundações efetivas e uma como observadora, cuja agenda principal é a Edição do Portal Memorial da Democracia – memorialdademocracia.com.br – para o acompanhamento crítico de todas as medidas do governo Bolsonaro, e apresentação de saídas, numa parceria com vários setores da sociedade”.