O presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, coordenou o colóquio, questionando se a crise deflagrada em 2007 foi superada, considerando que há uma hipertrofia financeira do capitalismo com enormes recursos capitais fora do setor produtivo, em pleno avanço da quarta revolução tecnológica.

Outra indagação feita pelo dirigente é se, efetivamente, há uma tendência de queda da taxa média de lucros, algo que costuma demarcar os momentos de crise do capitalismo, segundo Marx. Com o endividamento crescente das empresas, governos e famílias observado, há risco de recessão pela frente, considerando o crescimento contido das economias nacionais? Renato pontua, portanto, os temas estruturais que marcam a crise capitalista na atualidade, sinalizando para o impasse que se mantém.

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Ciclos longos de expansão e retração

 

Nilson Araújo fez a primeira palestra sobre as crises do capitalismo (Cezar Xavier)

Nilson Araújo deu início ao debate coloquial apresentando uma palestra com as categorias teóricas que marcam seu estudo sobre os ciclos de crise do capitalismo no mundo. Leia a íntegra abaixo:

Começo respondendo à questão central colocada pelo Renato, sobre a superação da crise. A minha interpretação, e vou tentar defender isso, é que ela não foi superada ainda.

A crise teria sido deflagrada em 2007 pela implosão da chamada bolha hipotecária imobiliária dos EUA. Durante um tempo razoável, tinha-se os bancos refinanciando os imóveis, as residências das famílias a uma taxa de juros baixa. A taxa começou aumentar e os proprietários dos imóveis que tinham entregue em garantia as hipotecas não conseguiram seguir pagando. Ao não seguir pagando, implodiu a bolha, porque os bancos começaram a retomar os imóveis. Ao tentar vendê-los, não conseguiram, e, a partir daí, deflagrou o processo.

O “maldito estado” salva os bancos

Esta é apenas a maneira como começou, o que não significa que esta seja a causa básica da crise. As crises do capitalismo normalmente começam pela esfera financeira. Em 1929, a Grande Depressão começou pela implosão da Bolsa de Nova York. Em 2008, a Bolsa principal caiu 35% e generalizou para o resto do mundo, com média de queda de 42%. Portanto, a primeira manifestação se dá na esfera financeira, como foi a quebra do banco Lehman Brothers, depois impactando na esfera real, com redução da atividade econômica e crescimento do desemprego, de 4,5% para mais de 10%, em pouco tempo.

Qual foi a reação dos governos? Durante muito tempo, foi apregoado pela ideologia neoliberal, mundo afora, que o Estado tinha que sair da economia, pois a atrapalhava. No entanto, esse estado que fora demonizado, foi utilizado largamente para enfrentar a crise. Entre as primeiras decisões, se comprometeram US$ 7 trilhões de dólares dos EUA, Europa e Japão, para injetar na economia e tirá-la da crise. Em torno de dez por cento do PIB mundial! O estado é chamado para socorrer o mercado, os monopólios, da sua própria ação danosa.

Nova recessão às portas

Além desse derrame de recursos, os EUA adotaram o mecanismo de “quantitative easing”, que é o relaxamento monetário, ou a emissão de moeda à vontade. Este mecanismo foi usado desde 2008 até 2015, injetando na economia US$ 4,5 tri. Foi nesse período, em 2010, que começaram a cantar em prosa e verso que já tínhamos saído da crise. Mal começaram a alardear isso, em 2012, desaba a Europa. Para socorrer os bancos que haviam quebrado por terem comprado os derivativos das hipotecas dos EUA, os governos europeus converteram a dívida privada dos bancos em dívida pública dos governos, e começaram a quebrar. A partir de 2014, começa a eclodir as crises na periferia, com Venezuela, Argentina, Brasil, e demais países, à exceção da Bolívia que seguiu crescendo. Desta forma, a crise se generalizou por todo o conjunto do mundo capitalista.

Quais as perspectivas? Os EUA têm crescido de 2010 pra cá, a 2% ao ano, o Japão a 1,5% e a Europa a 1%. Quadro que, por um lado, é muito baixo e pode ser considerado de estagnação, por outro, pode ser considerado altamente volátil, pois ora cresce um pouco mais, ora chega a 0%. O que se discute em termos de economia mundial não é se vai haver uma nova recessão. A desaceleração da economia está mais ou menos pacificada entre os especialistas. A questão é quando vai ser. Os organismo multilaterais do tipo FMI, Banco Mundial, OMC e OCDE, já perceberam os primeiros sinais dessa desaceleração no final do ano passado, com turbulências nas bolsas.

Mas há dois elementos importantes que ajudam a entender porque vai haver uma nova recessão. A massa de recursos que está fora da esfera produtiva voltou ao patamar de 2007. O Banco de Compensações Internacionais (BIS), o banco dos bancos centrais, calcula que os US$ 596 trilhões (nove vezes o PIB mundial) que estavam exclusivamente na esfera financeira em 2007, voltaram ao mesmo patamar dez anos depois, com a mesma desregulação financeira daquele período.

Houve ameaças durante muito tempo de que haveria uma regulação financeira, com taxação da movimentação de capitais, taxação de grandes fundos etc. mas não foi feito nada disso, seguindo a desregulação financeira como estava antes. Este dado revela que, a qualquer momento, a bolha especulativa pode estourar de novo.

O segundo dado é o enorme endividamento. A dívida pública e privada no mundo, hoje, é de US$ 245 trilhões. Desde a crise, ela foi crescendo em velocidade cada vez maior. Isso significa mais de três vezes o PIB mundial. Só a dívida das empresas dobrou sua participação no PIB. Uma coisa é ter sua dívida à taxa de juros perto de 0%, como foi esse endividamento recente. Como administrar essa dívida a uma taxa de juros crescentes? Há inclusive uma corrente de economistas que acredita que o próximo estouro vai ocorrer pela dívida das empresas, em vez da dívida das famílias que deflagrou a crise de 2007. Portanto, a perspectiva é de um novo estouro, não se sabe quando.

Crise deflagrada em 1971, não em 2007

Por mais que tenha conexão com a economia real, tudo que falei até agora está na superfície, na aparência da economia. Para entender esse processo, é preciso buscar a essência dos fenômenos econômicos. Eu parto da interpretação de que essa crise iniciada em 2007, na verdade, é o desdobramento de uma crise mais geral, de longa duração, prolongada, iniciada no começo dos anos 1970.

Para interpretar essa crise mais antiga, eu lido com duas categorias. Uma que é a categoria de onda larga ou ciclo longo, que normalmente é atribuída ao economista russo Nikolai Kondratiev, quando na verdade o autor desta teoria foi Alexander Parvus, no final do século XIX e início do século XX. Ele é citado largamente por uma pessoa que mereceu o respeito dos marxistas durante muito tempo, mas depois Lênin até escreveu um célebre livro sobre “o renegado Kautsky”. Karl Kautsky era um dos que mais difundiu essa teoria do Parvus, além disso, ele tinha o defeito de ser amigo do Trotsky. Mas, a Cesar o que é de Cesar, foi ele que elaborou, não foi o Kondratiev, além de ter feito uma teoria mais precisa, que lida com um conjunto de fenômenos econômicos, sociais e políticos,  para poder entender os ciclos longos.

Esta é uma categoria com que trabalho e a outra é padrão de reprodução do capital, que ajudei a elaborar junto com Ruy Mauro Marini, que se refere a forma como o capital se reproduz em determinado tempo e determinado espaço. O capital tem sua lei de funcionamento, e em cada lugar e cada época essa lei se reproduz de maneira específica. E eu trabalho com a ideia de que houve padrão de reprodução do capital no capitalismo mundial no pós-guerra, que corresponde também a uma onda larga de pós-guerra.

Eu trabalho também com a ideia de que existem quatro ondas largas. Uma que vai de 1770-1840, que corresponde à Primeira Revolução Industrial, que se deu basicamente na Inglaterra. A segunda de 1840-1890, quando se generalizou a Revolução Industrial para mais seis países, basicamente os EUA, França, Alemanha, parcialmente a Rússia, o Japão e a Itália. E quando também ocorreu a Primeira Grande Depressão a partir de 1870, embora só se fale em grande depressão em 1930. A terceira onda larga vai de 1890 até a Grande Crise que vai de 1914 a 1945, que é o momento em que se consolida o imperialismo e, ao mesmo tempo, tem a primeira grande crise do sistema imperialista, com duas guerras e uma grande depressão no meio.

A partir de 1945, temos a quarta onda larga, que ocorre no pós-guerra com a consolidação da hegemonia dos EUA. Essa onda larga que teve o momento de apogeu e expansão num período que vai do imediato pós-guerra até o final dos anos 1960. Há uma divergência entre os economistas se o declínio dessa onda larga começou no final dos anos 1960 com algumas recessões localizadas ou se começou em 1971 em que os primeiros sintomas mais evidentes foram a suspensão da paridade e da livre conversibilidade do dólar. Eu trabalho com essa segunda hipótese.

Todas as ondas largas anteriores, duraram em torno de 40 a 50 anos: 20 a 25 anos de expansão e 20 a 25 anos de declínio. Essa última começou seu declínio em 1971, e a minha interpretação é de que ela persiste até hoje. O que levou a essa crise iniciado lá em 1971?

Derrotados na guerra, Japão e Alemanha derrubam EUA

Karl Marx trabalhava com três contradições que levavam às crises do capitalismo. Uma era a tendência à queda da taxa de lucros, outra era o subconsumo das massas e a terceira eram as desproporções dos setores da produção. Ele trabalhava com essas três variáveis para explicar a crise, sendo que a contradição principal se manifestava na queda da taxa de lucro. Ele já havia começado a elaborar a ideia, que foi depois desenvolvida melhor por Lênin, que é a ideia do desenvolvimento desigual, elaborada no livro Imperialismo, etapa superior do capitalismo.

Para explicar a crise deflagrada nos EUA, que generalizou mundo afora depois, vou trabalhar basicamente com duas categorias: a queda na taxa de lucro e o desenvolvimento desigual. A partir da segunda etapa dos anos 1960, a taxa de lucro começou a cair nos EUA e nos países centrais do capitalismo, em geral.

O primeiro elemento de fundo dessa queda é que foi incorporado ao processo produtivo uma série de tecnologias que haviam sido descobertas durante a guerra, algumas para fins militares e depois incorporadas na indústria civil, e houve um processo muito intenso de substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto. Essa substituição do trabalho pelas máquinas foi o determinante fundamental de que, mesmo que tenha aumentado o excedente e a mais valia, o conjunto do capital investido em meios de produção e capital investido em salários cresceu mais rapidamente, o que levou a taxa de lucro cair.

Tem dois outros fatores que fortaleceram essa tendência. De um lado, no final dos anos 1960 e início dos 1970, os países da periferia conseguiram recuperar, em grande medida, o preço das matérias primas. Aproveitaram que a crise estava se manifestando, no conflito entre as grandes potências, se organizaram e criaram a OPEP e conseguiram alterar o preço das matérias primas e isso automaticamente pressionou o custo nos países centrais para cima.

Por outro lado, os salários. Nos anos 1960, havia chegado nas economias centrais a uma situação de quase pleno emprego, com taxas de desemprego muito baixas. Isso aumentou enormemente o poder de mobilização dos trabalhadores. A gente sempre fala de 1968 como estudantil. Foi puxado pelos estudantes, mas os trabalhadores do mundo inteiro tiveram um papel importante, e travaram lutas importantes naquele ano, na França e nos EUA, principalmente. Melhorou os salários, diminuiu a taxa de exploração da força de trabalho e foi mais um elemento que ajudou na queda da taxa de lucro. Quando a taxa de lucro cai, a tendência é que os investimentos retraiam e a economia entra em crise.

O segundo elemento presente nessa crise é o desenvolvimento desigual. Os EUA que já eram a maior economia do planeta antes da Primeira Guerra, – embora a Inglaterra fosse hegemônica -, emergem do pós-guerra, em 1945, como potência hegemônica. Claro que o Japão e a Alemanha tiveram sua produtividade crescente, mais que a dos EUA. Para se ter uma ideia, entre 1970 e 1976, a produtividade do trabalho no Japão cresceu 350%, a da Alemanha 149% e a dos EUA 57%. O crescimento da produtividade significa barateamento do preço da mercadoria, por isso Japão e Alemanha passam a vender mercadorias dentro dos EUA, e mundialmente, a preços menores que os produtos norte-americanos.

O aumento da produtividade do trabalho naqueles países se deu porque o parque industrial da Alemanha e do Japão haviam sido destruídos durante a guerra, o que levou à implantação de um parque industrial com tecnologias totalmente novas e avançadas, enquanto os EUA tiveram seu parque industrial preservado e ampliado durante a guerra. Para implantar novas tecnologias, os EUA precisavam abrir mão do que já tinham, o que fizeram parcialmente, enviando equipamentos atrasados para a América Latina, e o Brasil, em particular. Mas não na velocidade que pudesse competir com a substituição tecnológica que estava ocorrendo no Japão e na Alemanha.

O resultado disso foi que os EUA passaram a ter déficit em sua balança comercial. Passaram a importar mais do que exportavam. Para resolver isso, os EUA emitiam dólares. Mas o que Japão e Alemanha faziam com esse superávit era que trocavam esses dólares que recebiam dos EUA por ouro. Assim, as reservas cambiais, – o Tesouro dos EUA -, foi secando.

O déficit trigêmeo dos EUA

Em 1971, as reservas americanas eram tão baixas, que o presidente Richard Nixon tomou a decisão de suspender a paridade do dólar com o ouro. Para retomar as reservas, passaram a tomar emprestado dos próprios Japão e Alemanha. Já nos meados dos anos 1980, a dívida externa dos EUA era a maior do mundo. Até então, uma grande potência nunca tinha sido o maior devedor.

O primeiro grande enfrentamento dessa crise foi feito com o reaganomics, a política econômica de Ronald Reagan. Fez isso injetando dinheiro na economia, de um lado aumentando o gasto público, basicamente militar, que passou a crescer em termos reais 8% ao ano. E por outro lado, diminuindo os impostos dos mais ricos e das grandes empresas, dessa forma, aumentando o dinheiro em circulação. O resultado disso foi gerar um déficit público, um segundo endividamento, agora interno. Isso, de alguma maneira, melhorou a economia, mas, ao final do governo Reagan, a economia já havia entrado em recessão novamente.

Mas Reagan não fez só isso. Além dessas medidas fiscais, junto com Margaret Thatcher, na Inglaterra, jogou pesado contra os direitos trabalhistas para arrochar os salários. Com isso, enfrentou a crise jogando o peso nas costas dos trabalhadores norte-americanos, baixando salários. Aí está a origem do terceiro déficit: o endividamento das famílias. Economistas convencionais dizem que houve uma “farra de consumo”, com as famílias gastando demais. Na verdade, o que ocorreu foi um arrocho salarial, com as famílias que tinham poupança, até então, anulando a poupança e passando a ter déficit no seu orçamento, o que levou-as a começarem a refinanciar suas casas a uma taxa de juros baixa.

Considerando que as famílias estavam deficitárias, porque os bancos emprestavam dinheiro? Por um lado, porque tinham os imóveis como garantia, e por outro, porque, em cima das hipotecas, emitiam derivativos que vendiam para outros bancos. No limite, tomavam os imóveis das famílias, como passaram, efetivamente, a tomar. Com isso, gerou-se um terceiro déficit a partir da política de Reagan de arrocho salarial. Eu tenho chamado isso de “déficits trigêmeos”: déficit público, déficit externo e déficit das famílias. Assim, na tentativa de tirar os EUA da crise, Reagan criou um déficit público maior e um endividamento das famílias.

Consenso de Washington e vulnerabilidade neoliberal

Houve uma outra tentativa que foi através da imposição ao mundo, da chamada ideologia neoliberal. Em contraponto com o keynesianismo, a ideologia neoliberal já vinha da década de 1940, tendo como formuladores dessa concepção econômica Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek e Milton Friedman. Não tinha sido posta em prática ainda, mas começa a se generalizar depois do Consenso de Washington, em 1989. No fundamental, a meu ver, o Consenso de Washington tinha como objetivo a abertura das demais economias a produtos e capitais dos EUA, sob a suposta ideia do liberalismo comercial.

Isso aconteceu, com a expansão comercial dos EUA, na década de 1990, mas gerou uma situação mais complicada que a anterior. Além de não sair da crise, os EUA tornaram a economia mundial mais vulnerável com a desregulamentação financeira e comercial. Na década de 1990, as crises sempre começaram em algum canto do planeta e se generalizavam pelo resto do mundo.

A terceira tentativa de enfrentamento do endividamento norte-americano foi com a implantação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que não passou de tentativa, já que foi barrada pelo Mercosul, liderado por Lula, Kirchner e Chávez. Portanto, essa ideia de anexação da América Latina pelos EUA, não ocorreu naquela época, forçando os EUA a optar por acordos bilaterais. Assim, as várias tentativas de sair da crise não deram certo.

A alta taxa de lucro especulativa

Há vários autores que acreditam que os anos 1990 deram início a uma nova onda larga. Eu defendo que permanece a mesma onda larga em declínio. Uma questão chave desse processo é, exatamente, a financeirização da economia. Parcelas ponderáveis do valor gerado em vez de ir para a esfera produtiva foi para a esfera financeira, alavancada pela dívida dos EUA.

Aqui, surge a primeira questão de por que não saiu da crise até agora. Tem uma massa de recursos financeiros gigantesca investida nos derivativos, perto de US$ 600 trilhões. Tem uma massa gigantesca de trabalhadores fora do mercado de trabalho. São 140 milhões de trabalhadores abertamente desempregados, segundo a OIT. Mas tem o subemprego que atinge uma quantidade muitas vezes maior, calcula-se em dois bilhões de pessoas vivendo de trabalho informal.

Então, se tem uma massa grande financeira e uma massa grande de trabalhadores fora da economia produtiva, qualquer economia minimamente racional pegaria este recurso, contrataria força de trabalho e colocaria para produzir. Porque isso não ocorre? Em primeiro lugar, a taxa de lucro caiu violentamente em meados dos anos 1960 até os anos 1980, depois deu uma ligeira melhora e voltou a cair de novo. Está um pouco acima do que estava na década de 1980, a taxa mundial e dos países desenvolvidos, mas bem abaixo do que estava na década de 1960.

Boa parte dessa medida da taxa de lucro é fictícia. Porque está sendo medido o lucro obtido pelo chamado capital fictício e capital a juros, que boa parte é fictício. Basta ter uma crise que desaba e perde valor. Então, a taxa de lucro segue baixa e, em vez de investir na esfera produtiva, fica na esfera financeira.

Mas tem uma outra questão. Suponhamos que, mesmo assim, o capital fosse para a esfera produtiva e começasse a produzir. Para quem vender? Ora, desde Reagan, com mais clareza agora com o desmonte do well-fare state (estado de bem estar social), tem ocorrido uma redução violenta dos direitos dos trabalhadores e do poder de compra. Então, o mercado mundial está restrito a populações de outros planetas… Assim, este é um segundo elemento do por que o sistema econômico não se alavanca de novo.

Revolução tecnológica e energética

Outra questão importante é a tecnológica. Para poder iniciar uma nova onda larga, normalmente inicia com tecnologia avançada, com uma nova revolução tecnológica. Eu tenho trabalhado com a ideia de que só se completa, só se realiza, só se consolida uma revolução tecnológica, quando se realiza, simultaneamente, como fundamento, uma revolução energética.

Na primeira revolução industrial tecnológica, resolveu a questão da máquina a vapor tendo como matéria-prima o carvão. A segunda teve a eletricidade e o motor a explosão, tendo como matéria-prima energética, o petróleo. Eu acho que, até agora, não ocorreu uma revolução energética para garantir a consolidação da terceira revolução tecnológica científico-técnica. Avançou bastante a informática, a robotização, a tecnologia da informação que são elementos básicos da chamada terceira revolução científico-técnico. No entanto, eu acho que não universalizou.

Só se pode falar em primeira revolução industrial quando se universalizou. E foi fácil universalizar, porque a máquina a vapor qualquer um podia construir. Só se pode falar em segunda revolução industrial, quando se universalizou a eletricidade, que era fácil, porque bastava ter um motor em cada cidade que garantia energia pra cidade inteira. A terceira revolução tecnológica não está inteiramente consolidada. E não está, a meu ver, porque não resolveu a questão energética.

O que está sendo chamado de quarta revolução tecnológica, ou indústria 4.0, que implica em internet das coisas, inteligência artificial, que tem o 5G como um dos elementos fundamentais, eu não chamaria de quarta revolução tecnológica. Quem primeiro usou esse termo indústria 4.0 foram os alemães, que depois passou a se desenvolver na China. Por um lado, porque não completou a implementação. Por outro lado, porque eu acho que são elementos presentes na terceira revolução, que tem como base a informática. É um aprofundamento da informática, mas não é uma coisa nova.

E além disso, ainda não resolveu a questão energética. A questão energética só resolve de maneira profunda com a fusão nuclear. Em termos energéticos, estamos literalmente na idade da pedra. Ainda temos muita máquina a vapor que usa carvão mineral e o que usa petróleo, também é pedra. Pra resolver esse problema, eu acho que a energia nuclear é a solução. Mas tem a questão problemática dos riscos, dos rejeitos, a matéria-prima que não é abundante.

Na fusão, a matéria-prima não tem limites. É água e ar, hidrogênio, que está bastante avançado o estudo da domesticação da energia de fusão de hidrogênio na China e na Rússia. Se resolvermos essa questão energética, teremos completado a terceira revolução científico-técnico. Com um problema importante para o capitalismo, porque teremos substituído violentamente o trabalho pelas máquinas. Isso significaria a redução relativa de geração de excedentes. A redução de excedentes pode jogar a taxa de lucro mais pra baixo ainda.

Soluções estruturais, era de revoluções

Portanto, trata-se de um crise de natureza estrutural. Para solucionar crises estruturais tem que ter soluções de natureza estruturais. Entre 1914 e 1945 se enfrentou a crise com transformações profundas no mundo. Com uma parte do mundo se apartando do capitalismo e partido para o socialismo. A parte do mundo que era colônia deixou de ser colônia. Na Europa, para poder manter seu domínio, teve que ceder às conquistas dos trabalhadores implantando o well-fare state. Então, houve transformações profundas. Nesta crise 1971 pra cá, não houve transformações profundas. A cada medida que se toma se agrava ainda mais a situação, ao invés de superar.

Geralmente, são nessas crises que ocorrem as revoluções. Por isso, que eu considero a teoria de Parvus boa. Em momentos de normalidade não ocorre transformações profundas, ninguém vai lutar pra transformar uma situação que vai bem. Em crises cíclicas quando o período é curto, a tendência é que não haja grandes transformações. Mas em crises estruturais é que abre espaço para transformações profundas, inclusive para revoluções.

Ocorre nas crises estruturais, aquilo que Marx dizia que as forças produtivas se desenvolvia tanto que superavam a situação de produção estabelecida e abre-se uma época revolucionária da qual o ser humano toma consciência e resolve. O enfrentamento do ponto de vista macro é fazer a transformação revolucionária.

Se não ocorre um processo revolucionário, pode haver retrocesso profundo. Como ocorre com a emergência da ultradireita no mundo. A ultradireita é alimentada por quem manda no mundo, por isso temos que eleger a oligarquia bélico-financeira dos EUA como nosso principal inimigo. Temos que jogar para isolá-los.

Partido Comunista da China

É aqui que cabe colocar a questão da China. Eu havia colocando na questão do desenvolvimento desigual que o Japão e a Alemanha tinham se desenvolvido tanto, que, por consequência, tinham ocupado um espaço que antes era dominado pelos EUA. No período recente, o desenvolvimento desigual tem se manifestado muito mais, de um lado os EUA, por outro lado a China. Se antes era o Japão e a Alemanha, agora o contendor é a China. Os EUA estão declinando em termos relativos e a China está se expandindo.

Os EUA declinam porque a força que prepondera no domínio econômico e político, que é a oligarquia bélico-financeira, não tem compromisso com o desenvolvimento produtivo. Por mais que tenha ações que desenvolvam as forças produtivos, no fundamental, o programa é para favorecer o rentista da indústria bélico-financeiro. Na China, ocorre o contrário, a força social que comando o país, através do Partido Comunista, tem compromisso com o desenvolvimento das forças produtivas. E usa o estado nacional como instrumento para desenvolver as forças produtivas. Assim como os EUA usam o estado nacional para favorecer rentistas e belicistas.

Acredito que a China está desenvolvendo uma espécie de NEP (Nova Política Econômica) tardia e ampliada, que recorreu, pra isso, a vários mecanismos de mercado. E há quem dia, que o desenvolvimento da China, que vem crescendo a 9,5% a 10% ao ano desde 1980, se deve aos mecanismos mercantis. Acho que não, senão o resto do mundo sob mecanismos de mercado também estaria se desenvolvendo. Os mecanismos mercantis, lá, são auxiliares. O que predomina é a ação do estado sobre a economia. A ação do estado alavanca a economia e permite que a economia siga se desenvolvendo para enfrentar as crises.

Qual a natureza da economia chinesa? Capitalismo puro não é, senão não estaria se desenvolvendo da maneira que tem se desenvolvido. Eu não gosto da terminologia “socialismo de mercado”, porque, por mais que determinada etapa do socialismo pode recorrer ao mercado, sobretudo na fase inicial, mas recorre no sentido de ser socialismo de mercado. Recorre ao mercado que já havia antes, ou que você recria em determinada circunstância para implantar uma espécie de NEP. Pra mim, ou é socialismo, que tem mercado, ou transitou para o capitalismo de estado. Eu não tenho segurança de qual das duas categorias, pois preciso estudar melhor a situação da China. O que tenho segurança de dizer é que o que tem alavancado o crescimento chinês tem sido o papel do estado.

Brasil ultraliberal

Gostaria de concluir mencionando o acordo bilateral Mercosul-UEE, que tem sido festejado como a liberalização do comércio, que vai ser bom para o Mercosul e para os produtores agrícolas do Mercosul. A minha interpretação é que essa é uma retomada dos termos da Alca. A essência é a mesma. A forma de proteção que a Europa usa não é basicamente tarifária. As tarifas são baixas, por exemplo, os 4% sobre a exportação industrial do Mercosul para lá e 11% sobre exportações agrícolas. Abrir mão das tarifas é muito tranquilo, porque a proteção que eles usam sobre produtos agrícolas é claro: subsídios, cotas, medidas sanitárias. Portanto, não estão abrindo o mercado agrícola e o mercado industrial que abrem, nossa indústria não tem a menor condição de competir com os produtos europeus, principalmente da Alemanha.

Estão fazendo aquilo que a Inglaterra fez na década de 1840, ao praticar o livre comércio. Ela só fez isso porque ninguém conseguia competir com ela. A Inglaterra era a oficina do mundo e podia abrir seu mercado que indústria nenhuma conseguia entrar lá, apenas matérias-primas, que era o que queriam. Por mais que a Europa não seja uma grande oficina do mundo, tecnologicamente está muito mais avançada que o Mercosul em termos industriais.

Então, do ponto de vista industrial, por mais que tenham zerado as tarifas, não teremos acesso ao mercado industrial europeu. Em relação ao comércio de matérias primas e alimentos, eles vão seguir com as medidas protecionistas não tarifárias, por mais que diminuindo. Portanto, eu digo que implementar esse acordo significa completar o processo de desindustrialização do Brasil.

Nós tivemos uma indústria de transformação que já foi de quase um terço do PIB do Brasil, na década de 1980, e atualmente está em torno de 10%. A seguir esse acordo, é destruir o que restou e instituir a terceira colonização do Mercosul. O que foi feito com a Europa, a depender da turma do Bolsonaro, já teria feito com os EUA. Mas como as negociações emperraram naquela época da Alca, e não estavam avançadas, acabaram fazendo com a Europa. Mas produz o efeito quase que semelhante ao acordo com os EUA.

E por fim, o impacto da crise na nossa região. Uma economia dependente, normalmente começa sua crise pela sua relação com o mundo. O Celso Furtado já dizia isso. Sempre que inicia uma crise nos países da periferia, ela iniciou fora, na economia mundial, e é internalizada através das contas externas. Então, as crises que temos tido dos anos 1970 pra cá, têm a ver com a crise mundial, que rebatem internamente de várias formas. Rebatem pela deterioração dos termos de intercâmbio, ou seja, você tem que vender cada vez mais pra comprar cada vez menos, aumenta a remessa de juros e a remessa de lucros que ocorre nos momentos de crise mundial. Com isso você drena pra fora uma parte ponderável do valor que você podia reinvestir internamente.

Mas não basta esta afirmação geral. A crise vai ser mais ou menos internalizada, mais ou menos profunda a depender da forma como reagem os governantes, os governos e as forças sociais daquele país. Por exemplo, em 1930, Getúlio Vargas não reagiu internalizando a crise, ao contrário, ele reagiu enfrentando a crise com protecionismo, com medidas para garantir a industrialização do país, com moratória da dívida externa. Ele enfrentou a crise e transformou a economia do país.

Como reagiu Geysel no segundo PND? Montou um programa de substituição de importações de setores chave da economia, como máquinas, equipamentos, insumos básicos, navios, aviões, computadores, etc. Então, ele enfrentou a crise! Tanto é que a crise começou no mundo na década de 1970, generalizando pela América Latina, mas o Brasil continuou crescendo. Só começou a estourar de 1981 pra frente. Portanto, a crise internaliza num país como o nosso, a depender de como enfrentamos a crise.

No momento atual, a alternativa é isolar e barrar o bolsonarismo. E pra isso é preciso formar uma frente ampla, a mais ampla possível a partir da questão democrática que é central. Mas, estrategicamente, o mais importante é ter uma alternativa para o país, que implica em ter um programa nacional de desenvolvimento. O Partido já tem a elaboração lá de 2009, nós que vimos do Partido Pátria Livre temos nossas elaborações também, que temos cada vez mais que aprofundar. Eu trabalho com a ideia de que o momento em que o Brasil mais se desenvolveu vai de 1930 a 1980, em que boa parte dele predominou o nacional-desenvolvimentismo. É o processo de desenvolvimento sob o controle das forças nacionais voltado para o mercado interno alavancado pelos salários e pelo estado nacional. No fundamental, foi isto que deflagrou e consolidou o processo de industrialização do país, e garantiu o crescimento do país.

Eu acho que temos que retomar, ainda que não seja com as mesmas medidas da época. A interpretação que eu tenho é que este processo teria se completado com as reformas de base de João Goulart que foram detidas pelo processo ditatorial. Tem uma referência ali, pra estudar; ver exatamente daquelas contribuições o que podemos incorporar hoje e levar em consideração a realidade para elaborar esse problema.

Ao mesmo tempo que temos que organizar uma frente ampla para enfrentar esse grupo protofascista que está no poder, ao mesmo tempo temos que ir elaborando, ir divulgando, difundindo, propagandeando uma alternativa. Sem um programa claro não pode ser alternativa. Nós vamos ter eleição para presidente da República, daqui a pouco, e é importante que nós tenhamos um programa que possa nortear este processo.

Continua…