Neste sábado (16), ocorreu mais uma webconferência do ciclo “Diálogos, Vida e Democracia”, em que o Observatório da Democracia propôs o debate sobre “Pandemia, Crise e pacto federativo”, reunindo governadores do campo progressista.

Sob coordenação de Manoel Dias, presidente da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, o debate contou ainda com o apoio das fundações Perseu Abramo, Lauro Campos/Marielle Franco, Maurício Grabois, Claudio Campos, João Mangabeira, Astrojildo Pereira e Ordem Social. Os convidados foram Flavio Dino (PCdoB), governador do Maranhão; Rui Costa (PT), governador da Bahia; Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo e Hélder Barbalho (MDB), governador do Pará.

O próxima debate será na segunda-feira (18), repetindo o tema “Coronavírus, isolamento social e saúde pública”, sob o ponto de vista feminino. Nessa edição, que será coordenada pela coordenadora do Setorial Nacional de Saúde do PT, Eliane Cruz, farão parte da mesa a médica sanitarista e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ), Lígia Bahia; a professora de Epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, Glória Teixeira; a professora titular de economia da PUC-SP e ex-presidente da ABrES, Rosa Maria Marques, e a vice-presidente de Atenção Coletiva, Ambulatorial e da Família da Prefeitura de Niterói, Maria Célia Vasconcellos.

Os governadores apontaram principalmente a falta de coordenação central do combate à pandemia de covid-19, devido à discordância do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a premissa do isolamento social. Para além disso, eles relatam a dificuldade de diálogo entre governadores e governo central, o que debilita o pacto federativo, já que a União tem o compromisso constitucional de controlar a dinâmica financeira da Federação. Segundo os governadores, não fosse o Congresso Nacional e o Poder Judiciário, não seria possível manter condições mínimas de combate à pandemia.

A preocupação dos governadores é que o modo como o governo federal atrapalha o processo de redução do contágio viral, a tendência é que a crise econômica e política tende a se prorrogar indefinidamente. Segundo observam na experiência internacional, os países que melhor aplicaram mais cedo o isolamento rigoroso da população, foram os que saíram primeiro da inércia econômica.

O tema da ruptura democrática que paira sobre o país também foi uma ideia força do debate, na medida em que ela se revela no confronto entre a Presidência da República e governadores, tentando causar conflito entre estes e a opinião pública. Felizmente, as pesquisas demonstram apoio da população aos governadores, enquanto a popularidade de Bolsonaro cai vertiginosamente.

 

Leia abaixo as principais ideias discutidas no debate, em que os governadores falaram de suas dificuldades, perspectivas e capacidade de unidade e intervenção para mudar o clima de confronto político no país:

Manoel Dias (PDT), presidente da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini

 

Este é um momento difícil em que governadores são os principais protagonistas, que tomam as medidas para conter o contágio viral, com a ausência total do Governo Federal, não só, mas trabalhando contra medidas recomendadas em todo o mundo. O presidente ameaça até um rede de televisão e rádio para isso.

Não me surpreendo com a atuação do presidente porque ele já explicitava o que pretendia desde sua atuação parlamentar. Era um desastre anunciado e veio para apostar nisso. Não vai apresentar proposta nenhuma, apenas confrontar os governadores, culpando-os pela pandemia. Não adianta esperar por um governo que não quer e não vai fazer.

Esta crise afeta o pacto federativo, porque deveria ser a soma de todas as instâncias em torno de um objetivo único contra a pandemia.

Quais medidas além do isolamento social para voltar a crescer e desenvolver o país? Esta é uma pergunta que eu gostaria que todos respondessem.

O Maranhão sofre as consequências históricas da dominação de uma oligarquia que dividiu o Estado. A quarentena cansa e o pai de família sai pra garantir o sustento da casa, até porque o chefe da nação o induz a isso. Sei que o senhor está fazendo das tripas coração para diminuir o impacto da epidemia. Felizmente temos um Congresso que está cumprindo sua responsabilidade. Imagina se não tivéssemos o Congresso Nacional para fazer o enfrentamento, chamar ao respeito à Constituição e o Supremo Tribunal Federal ter agido de maneira corajosa e patriótica. O Maranhão é um dos estados que mais tem sofrido. Acredita que essa separação total e rigorosa vai conseguir melhorar isso?

As distâncias no Pará são fenomenais e um governador sozinho não poderá cuidar da população. O Pará terá mais dificuldades que outros, mas a juventude do seu governador vai ser capaz de superá-las.

Acho que Bolsonaro não conseguirá seu intento, porque os governadores cresceram muito e o povo percebe o esforço de vocês. Na semana seguinte à decretação da calamidade pública, colocaram nos cofres dos bancos R$ 1,3 trilhões, mas não conseguem depositar R$ 600 reais para o povo. Essa gente não sabia que havia 90 milhões de miseráveis, excluídos e trabalhadores informais. O Brasil não tem como não ter uma política de renda familiar que atenda a esses 40 milhões de brasileiros. O Brasil tem condições, é riquíssimo, tem reservas cambiais, pode criar uma política que proteja essa população. Isso ajudaria no isolamento social.

Economia é consumo e precisa ter consumidores para crescer. A Bahia tem uma importância vital para o Nordeste. Tem contado com apoio do governo federal?

O campo da esquerda precisa estar unido, porque Bolsonaro será descartado em 2022. Mas o sistema financeiro já está preparando outro como ele e a oposição vai dividida de novo rumo à eleição. Precisamos preservar a democracia para poder divergir. Não acredito que Bolsonaro tenha o apoio dos militares para uma ruptura democrática. Já pensou uma ruptura democrática num momento como esse? É impraticável, a não ser por um maluco desse.

Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo

 

Nenhum de nós imaginávamos que íamos passar por algo assim. Uma realidade inesperada de crise, de incertezas muito fortes, em que temos que administrar dia após dia, em que temos que replanejar completamente nosso trabalho. No Espirito Santo estamos anunciando cortes de despesas, temos que remanejar todo o orçamento (total de R$ 20 bi e R$ 15,5 bi) e vamos perder no mínimo R$ 13,4 de receita. Exige reprogramação completa de nossas ações, custeio, investimento, renegociação de contratos. Tivemos que mudar tudo que fazíamos.

Estamos observando o que outros países estão fazendo, inclusive os EUA, em que Donald Trump age exatamente como o nosso presidente, Jair Bolsonaro. E estamos vendo que não existe nenhuma coordenação nacional. A saída do ministro Nelson Teich, ontem, mostra que, em um mês, com a mudança de dois ministros da Saúde, mostra que o país está totalmente à deriva. Isto dificulta imensamente nosso trabalho, sem ter uma orientação nacional e um trabalho conjunto.

Não é só a falta de união, mas o enfrentamento diário ao presidente Jair Bolsonaro, que tem o enfrentamento como prática constante, com os governadores em especial. Nunca imaginei que haveria um enfrentamento à vida. Achei que isso fosse algo que fosse nos unir. Temos que ficar lutando contra os robôs e militância orgânica que nos ataca. Além de cuidar dessa crise, temos que cuidar desse ataque sofrido e da dúvida que o cidadão tem na hora que ouve o governador e ouve o presidente da República, o que nos deixa uma tarefa mais desafiadora.

Por outro lado, a política dos governadores ganhou muito peso. Estamos enfrentando uma pandemia que não é de curto prazo, mas até encontrarmos uma vacina para o nosso braço que não virá este ano. Temos que conviver com práticas e um protocolo que a gente não adotava antes.

Estamos nos preparando desde final de janeiro, com abertura de 408 leitos de UTI exclusivos para a epidemia, com parcerias com o setor filantrópico e o setor privado, para estarmos um passo a frente. Mas não tem sido fácil, pois a necessidade de internação é muito grande e a dificuldade do isolamento social é enorme. Os problemas no sistema de saúde não chegaram ao Espírito Santo, mas eu digo que esta é uma pandemia que não depende de governo, mas das pessoas. Vejo pessoas que defendem radicalização no fechamento do comércio, etc, mas no final de semana vai para a praia, a casa de campo e festas com amigos.

Também tomamos medidas de crédito ao microempreendedor, e estamos reforçando os recursos para o fundo de assistência social dos municípios para que o prefeito possa comprar cestas básicas e dar uma atenção especial a quem precisa.

Abrir leito de UTI salva vidas, mas não todas. Estamos vendo quantas pessoas morrem, mesmo com leito de UTI. Então, o que salva mesmo é o isolamento, é o uso de máscara, a prevenção e o controle da velocidade do contágio.

Quem tem poder para enfrentar uma crise mundial são os governos centrais. É o que estão fazendo estadistas por todo o mundo. Aqui, nós temos até algumas atitudes, mas são ações descoordenadas. Quem tem poder de emitir títulos e de imprimir moeda e aumentar seu déficit é a União. Se eu acabar com o dinheiro do estado, paro de pagar meus compromissos. Não tenho como trazer dinheiro do futuro para o presente.

O governo central precisa criar uma política mais agressiva e permanente para essa população vulnerável, do que temos hoje. Não sabemos a dimensão do que vamos enfrentar pela frente, o agravamento da desigualdade e miséria que vamos viver. Nós, governadores, podemos até nos unir para fazer isso, mas não temos os instrumentos financeiros. Temos política de renda complementar ao bolsa família, mas não podemos fazer o que gostaríamos para todos que precisam. O que nos salva é o Congresso Nacional que tem contribuído colocando o governo federal para fazer isso.

Precisamos ter uma política industrial mais agressiva. O país que não tem uma política industrial adequada perde a sua soberania. Nossa dependência da China ou da Europa nos fez, literalmente ficar a ver navios, tendo que nos arriscar em operações comerciais nem sempre seguras, por desespero. Essa crise expõe mazelas que não são de hoje.

Esse momento revela a necessidade de mudanças de práticas do governo central, mas eu não vejo como isso possa acontecer. Meu desespero é a incerteza de que passo político o país dará, pois estamos vivendo muita precariedade, instabilidade na condução política.

Poderíamos ir juntos nessa condução única e deixar a disputa política para a hora certa, que é a eleição de 2022. Nossa prioridade, hoje, é salvar vidas e proteger os mais vulneráveis.

Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão

 

Há uma atitude de sabotagem, objetivamente, liderada pelo próprio Bolsonaro. Isso faz com que os esforços se percam, e, paradoxalmente, Bolsonaro é quem mais empurra a economia brasileira a realizar mais gastos, por impedir a adoção de medidas preventivas recomendadas internacionalmente. Poderia ter menos uso de leitos hospitalares e menos gastos se houvesse prevenção.

Há uma lição importante para hoje e para o futuro, sobre a dependência do Brasil de outros mercados de insumos do complexo de saúde e tecnologias simples, como respiradores. Uma lição importante e temática urgente para garantir o abastecimento pleno desses insumos para o mercado brasileiro.

Segundo, as desigualdades sociais e regionais históricas do nosso estado, por isso a premência do auxilio emergencial. Em relação a isso, a necessidade do pagamento ser feito com velocidade, com menos burocracia e dignidade, sem promover essas aglomerações desordenadas por negligência do governo federal. Depois a importância de prorrogarmos o prazo do auxílio emergencial. A derrubada do veto inconstitucional e anti-isonômico, pelo Congresso, que estendeu a renda básica para outras categorias.

A agenda econômica não pertence ao Bolsonaro. Temos que abraçá-la. Esta é a artimanha para dizer que a esquerda quer o caos econômico e social, como se o campo democrático não fôssemos nós que tivéssemos os verdadeiros compromissos com os segmentos populares que menos têm. Aí, abrangidos pela legião de pequenos e microempresários que precisam do apoio estatal. O crédito privado não chega nem às grandes empresas, por isso a importância dos bancos públicos.

O Bolsonaro tenta desmobilizar qualquer força de moderação de sua vocação despótica. Uma das forças de contenção dos seus impulsos autoritários é a existência de governadores que defendem a Federação e a democracia. Por isso ele tenta destruir esses governadores por ataques constantes e medidas antipatrióticas como retardar a sanção de projetos de lei, não de socorro a governadores e prefeitos, mas sim de apoio aos serviços essenciais mantidos por estados e municípios.

Então, a agenda federativa está, hoje, vinculada à agenda democrática. Porque o objetivo de Bolsonaro é quebrar todos os seguimentos que resistem à vocação autoritária que lamentavelmente ele encarna. Ele identifica isso nos governadores de modo pluripartidário e multi-ideológico, desde o governador de São Paulo até nós. Se Bolsonaro puder, fechará as instâncias democráticas, intervirá nos estados, fechará o Congresso e o Supremo. Não creio que conseguirá, mas seria ingenuidade e metafísica não considerarmos que é isso que ele quer. O sonho de Bolsonaro é o pesadelo do Brasil, antinomicamente.

Lembrando Hobsbawm, que dizia que o século XX começou depois da Primeira Guerra Mundial, creio que, o século XXI será visto como aquele que começou com a pandemia. Pela bifurcação que temos à frente: civilização ou barbárie. União ou dissolução. Não há possibilidade de sairmos desse emaranhado sem lembrar dos paradigmas.

Quando falamos da primazia da vida sobre bens materiais, estamos falando de um modelo, de um ideário, de um conjunto de proposições acerca do mundo em que queremos viver. Isto está em disputa agora. Falou-se dessas teses genocidas de que não importa quantas pessoas serão mortas, como se cada vida não fosse sagrada em si, portanto inegociável.

Podemos ter uma saída civilizacional para o Brasil, em que se articulem amplas forças, – tenho chamado de Frente do Bom Senso -, portanto pluripartidária e multi-ideológica. Preservar a democracia como um valor e premissa para que possamos disputar destinos e projetos econômicos. Mas, infelizmente, podemos ter outro cenário, de caos social, de anomia, de desespero. Este cenário de caos é desejado pelo fascismo brasileiro, pois se nutrem, historicamente, disto. Os autoritarismos de direita florescem no terreno do pânico e do medo.

Temos que cuidar dos nossos deveres primaziais, como abrir leitos hospitalares, cuidar das medidas preventivas, defender a saúde da população, mas ao mesmo tempo olhar o futuro. Acho que a perspectiva democrática deve presidir as nossas abordagens para o cenário pós-pandemia. Isto está vinculado intrinsecamente a uma reorganização da economia brasileira em bases mais solidárias. Dizer não ao salve-se quem puder.

Imagine que, sendo uma pandemia nacional, os governadores e prefeitos deixassem tudo a cargo do Governo Federal e não fizessem nada. Basta inverter o argumento, para entender que, assim como os leitos hospitalares são atribuições nossas, a questão econômica é do Governo Federal, como determina a Constituição.

Creio que deveremos perseverar na prevenção. Essa experiência do lockdown na ilha de São Luís, que será finalizada amanhã, no domingo, será exitosa e os indicadores sanitários das próximas semanas devem indicar esse acerto.

Sobretudo, devemos manter esse clima de unidade e entendimento o mais amplo possível. Minha mãe dizia que “dois não brigam onde um não quer”. Estamos há meses dizendo a Bolsonaro que queremos conversar, mas ele insiste que não quer.

Eu disse ao Caiado [Ronaldo Caiado, governador de Goiás] para levar o Bolsonaro para tomar um banho no Rio Araguaia. Quem sabe ele não volta outro. Seria bom para o Brasil e seria, sobretudo, bom para ele, que deve ser uma pessoa profundamente infeliz, cercado de tanta paranoia e perseguição, um semeador de ódio contra tudo e contra todos. Ele brigou com a Alemanha, com a Noruega, com a Argentina, com os ministros dele, com Sergio Moro, com esse que mal entrou, brigou com o saudoso Bebianno, com Mandetta, briga com todos os governadores. Eu disse a Caiado que sou cristão e acredito na regeneração de todos. Caiado ficou de ver se conseguia esse milagre.

A essas alturas eu tenho que acreditar que alguma coisa vai acontecer. Estamos exaustos física e psicologicamente. Precisamos nos realimentar de energia cívica reciprocamente, para que não sucumbamos a tantas dificuldades.

Hélder Barbalho (MDB), governador do Pará

 

O Pará agrega em seu território Portugal, Espanha e França, juntos. Embora seja menor que o Amazonas, tem apenas 25% da população concentrada na Grande Belém, enquanto, lá, 70% estão na Grande Manaus.

No Marajó, é necessário uma estratégia de saúde e logística muito peculiar, pois os rios são as ruas. Já temos um hospital de campanha na região ocidental da ilha e precisamos montar outro na região oriental. Temos helicóptero UTI para facilitar o deslocamento.

Entregamos quatro hospitais de campanha e estamos iniciando um segundo em Belém. Só na capital, estamos indo para 660 leitos, sem contar com as unidades fixas. Além disso, temos estratégia de hospital de campanha em Marabá (sudeste), Santarém (oeste), Redenção (extremo sul), Altamira (região do Xingu).

Temos pautado nossas decisões no conhecimento científico, medicina e no valor à vida. As medidas de isolamento social são determinantes para que a intensividade do contágio possa ser minimamente espaçada para não colapsar os sistemas público e privado de saúde, cujo maior desafio é a região metropolitana de Belém.

Reforçamos as medidas de isolamento, levando em conta dificuldades próprias de cada região. Nossa opção é pela vida, mas não podemos dar vazão e fortalecimento a essa polêmica que me parece absolutamente inadequada, de que vida e economia são antagônicas, de que para poupar vidas tem que acabar com a economia e que para salvar a economia precisa sacrificar a vida.

Estou torcendo para que nos unamos contra um único adversário que é o coronavírus. Causa-me preocupação quando vejo se perder energia com discussões ideológicas e políticas, com tentativa de desconstruir a ciência e o conhecimento, para alicerçar um discurso que possa contraditar aqueles que valorizam a vida.

Espero que, o quanto antes, e com o menor trauma possível, o Brasil reencontre o curso da normalidade da vida das pessoas. Temos que ser gratos com aqueles que estão se esforçando ficando em casa e ser solidários com aqueles que estão com suas atividades econômicas prejudicadas. Mas temos que fazer uma opção. A vida só tem uma. A economia, com todos os percalços, é possível uma segunda oportunidade.

Que a democracia desse país seja fortalecida como alicerce institucional que regule as convivências dos diferentes.

Precisamos construir uma solução em que o governo federal, com o Congresso Nacional e o poder judiciário criem condições para enfrentar a excepcionalidade sanitária e econômica do momento. Uma solução à altura do momento.

O auxilio emergencial é muito importante, mas precisa ser desburocratizado. O governo do Pará conseguiu na Justiça que não tivesse que fazer validação do CPF para diminuir as filas. Lamentavelmente, a AGU recorreu e conseguiu no STJ a suspensão dessa medida, voltando esta obrigatoriedade.

Eu gostaria que o governo federal garantisse de suas reservas de cerca de um trilhão de reais, que o isolamento social estivesse atrelado a essa renda, para essas atividades econômicas e para a sociedade, pessoa física e jurídica, com um olhar especial para o trabalhador informal e para a pequeno empreendedor individual. O governo federal tem que ter essa visão, que possa atender 60 milhões de brasileiros que estão desalentados.

No Pará, fizemos o Fundo Esperança, em que R$ 200 milhões de recursos próprios estão sendo aplicados para micro e pequenos empreendedores e trabalhadores informais, com 0,2% de juros, três meses de carência e três anos de amortização. Além disso, estamos garantindo uma renda para 541 mil alunos da rede estadual, R$ 80 por aluno, para garantir a alimentação.

Acho que não devemos desistir dessa convocação nacional, imaginar que as dificuldades e diferenças sejam capazes de tirar nossas forças. Acho que devemos, com apoio da Justiça e do Legislativo, buscar o diálogo com o Governo Federal, com aqueles que sejam capazes de dialogar, para que a sociedade compreenda o momento que estamos passando. Mostrar para a sociedade que todos aqueles que fizeram o sacrifício do isolamento inicial estão sendo capazes de retomar a atividade mais precocemente, do que aqueles que insistiram em descontruir a ciência e a medicina.

Eu tenho dito insistentemente que o único adversário do Brasil, neste momento, deve ser o coronavírus. Qualquer outra disputa ou diferença nos toma energia num momento em que temos irmãos que estão perdendo a vida. No Pará, hoje, chegamos a 1200 irmãos que perderam a vida.

Rui Costa (PT), governador da Bahia

 

O Brasil que já vinha com baixa credibilidade internacional, desde o impeachment da presidenta Dilma, chegou ao subsolo. A imagem do Brasil está no chão e isso tem um impacto gigantesco não só nesse momento, mas terá um forte impacto quando todos estivermos empenhados na retomada da economia, dos negócios e do desenvolvimento. Fruto de sucessivos comportamentos internos de desprezo à ciência, à democracia, e às relações internacionais. Um ano e meio de governo e muitas grandes nações foram atacadas pelo atual governo, seja China, França, Argentina, entre outros em vários momentos. Agora, a OMS sofre ataque do governo brasileiro questionando capacitação de seus membros e orientações.

Além da perplexidade, causa-nos inveja outros países e seus líderes buscando unir o país, colocando divergências políticas de lado, para enfrentar uma tempestade global de impacto gigantesco na economia. Para dimensionar o tamanho dessa crise, basta ver que o maior pedido de seguro desemprego nos EUA foi de 5 milhões e agora são 35 milhões de americanos buscando esse direito. Sete vezes mais que o maior índice que houvera.

Não é fácil enfrentar uma pandemia dessa sem uma coordenação nacional, sem unidade de orientação para a população. O presidente dá demonstrações explícitas de rompimento com a orientação de isolamento social, indo a aglomerações, abraçando pessoas, colocando em dúvida a existência do vírus e sua gravidade.

Algo me chamou a atenção esta semana, quando vi um vídeo de uma senhora saindo do hospital e repetindo várias vezes que o vírus existe, como vi em outros relatos. Esse testemunho é um reflexo da dúvida que está na cabeça das pessoas pela sistemática posição do presidente da República.

Ainda temos que lidar com esses ataques de robôs, uma verdadeira milícia digital, e prepostos de ódio, raiva e amargura que eu nunca tinha visto antes, nesses 57 anos de vida. Essa semana, o presidente não só incentiva como propõe que os comerciantes e empresários se organizem para enfrentar, coagir e constranger os governadores. Então, não é fácil salvar vidas humanas nessas condições.

Já temos uma federação que guarda pouco sentido desse nome, uma vez que temos mais de 70% dos recursos tributados concentrados na União, restando para mais de cinco mil municípios e 27 estados dividir 30% do bolo tributário. Isso mostra a fragilidade da nossa federação e a escassez de recursos que prefeitos e governadores dispõem para combater essa pandemia.

Na Bahia, adotamos medidas progressivas, conforme o avanço do contágio e a situação da região do estado. Cada cidade que apresenta contágio passa a ter interrupção de seu transporte intermunicipal para conter a comunicação com outras regiões. Com isso, conseguimos evitar a contaminação na maior parte das cidades. A Bahia tem 417 cidades, das quais 200 têm casos confirmados, mas só 140 têm casos ativos, de contágio nos últimos 14 dias.

Temos nos alinhado e não confrontado os municípios para tomada de decisões. Nossa projeção é chegar a 1.300 leitos de UTI. Temos 362 pacientes na UTI, esperamos a chegada de respiradores nos próximos dias. Hoje, seis municípios baianos reúnem mais de 90% dos casos totais, portanto, com foco e restrições maiores nesses locais.

Não sou otimista com o futuro de curto prazo do Brasil. A saída do segundo ministro da Saúde em um mês é um indicativo disso. Se fosse por outros motivos, não seria tão relevante, mas saíram porque, médicos que são, não quiseram aceitar o receituário de alguém que não entende de saúde. Não aceitaram receitar um medicamento, não aceitaram dar determinadas recomendações médicas, vindas de alguém que não é médico. Preferiram ficar com a ciência do que ficar com a bravata.

Em que país do mundo, o presidente da República está obrigando o seu ministro da Saúde a receitar um remédio, passar uma receita pela televisão, a desautorizar o ministro ao decidir medidas sanitárias sem o ministro estar sabendo? É vexatório e escandaloso isso.

Enquanto isso, o Congresso une todas as forças políticas para votar pacotes de apoio à federação e o Senado se reúne de sábado para domingo para votar uma medida emergencial para socorrer estados e municípios. Passado isso, o presidente coloca o projeto na gaveta e diz que os vetos, quem vão definir são os governadores, após a reunião. Como se as relações fossem pessoais, como se ele estivesse ajudando um governador específico. Estamos falando de estruturar entes federados, salvar vidas humanas e colocar a máquina para funcionar.

Quem de nós não gostaria de estar com suas atividades normais, com o comércio aberto e os alunos nas salas de aula, sendo aplaudido pelos comerciantes. Nós não temos alternativa.

Tem o caso de um prefeito que se sentia confortável com o nível de contágio em sua cidade, e, pressionado pelos comerciantes, pediu para abrir a economia local. Apesar dos meus alertas sobre uma possível explosão de casos em duas semanas, ele reabriu a economia e ligou apenas dez dias depois, durante seu primeiro óbito, desesperado com a explosão de casos. Duas horas depois, já tinha mais dois óbitos.

Se algum de nós tivesse essa postura de desapego e respeito pela vida humana que alguns têm, mas, para nós, com formação cristã de sentir a dor do outro é difícil. Ouvi de empresários: qual o problema de morrer mil, dez mil, cem mil? É fácil quando se fala da morte dos outros. Minha mãe dizia: trate os outros da forma que você gostaria de ser tratado.

Infelizmente, temos um presidente que conduz o país de forma irresponsável. Nós, aqui, construímos nossa vida com trabalho, oferecendo o que tinha de melhor a serviço do povo. Hoje quem conduz o país, ao longo da sua atuação, não se constituiu pelo trabalho e construção de algo positivo. Por isso, eu não tinha expectativa positiva, mas confesso que não tinha a dimensão do desastre na condução do Brasil.

Além de não ajudar, a atuação do presidente da República tem atrapalhado muito a ação de governadores e prefeitos. Isso só faz piorar e retardar uma eventual retomada. Olhando para outras nações, quem conseguiu retomar mais rapidamente não foi quem ficou indeciso se devia fechar ou não, indeciso entre a vida e a economia. É o caso de países asiáticos que já estão retomando suas atividades.

Essa guerra vai agravando e prolongando a crise. Não conseguimos dar uma pancada na curva de crescimento porque fica essa guerra de versões, essa hesitação e dúvida.

Graças a Deus, a aprovação aos governadores tem referendado e servido de estímulo para manter essa política em favor da vida.

Ele acredita que, com as medidas em favor da vida, seja possível retomar a credibilidade do Brasil com investimentos internacionais e parcerias público-privadas que alavanquem o emprego e a infraestrutura de saneamento das cidades.

Desde 2018, temos essa congregação de governadores do Nordeste que tem sido muito positiva, mesmo com as divergências e posições diferentes. Mas há essa posição a favor da federação, da democracia e do compartilhamento de decisões do poder nacional com os entes federados. Mesmo sendo pessimista, nisso eu aposto muito, pois pode ajudar muito o Brasil na retomada econômica pós-pandemia. Os governadores podem ajudar no Congresso as medidas de reabilitação econômica. Também concordo que precisamos de um projeto de renda mínima que seja mais amplo que um Bolsa Família.

Mais do que ter uma candidatura única num primeiro turno, acredito que precisamos unificar nossa leitura sobre o mundo e esse modelo capitalista e a exclusão dos trabalhadores do mercado de trabalho, mesmo em países ricos. Um modelo concentrador financeiro, associado a um avanço espetacular e rápido da tecnologia, excluiu milhões de pessoas, inclusive jovens de boa formação e qualificação, do mercado de trabalho. Foi isso que estimulou esses piores sentimentos humanos de pregar o ódio, o racismo, o machismo, a xenofobia e notícias falsas.

Precisamos pavimentar a unidade dos homens e mulheres que querem um modelo civilizatório diferente desse. Se conseguirmos construir essa unidade de ideias, mesmo que tenhamos mais de uma candidatura de esquerda, fica mais fácil conseguir a unidade no segundo turno. Agora, se começarmos a nos atacar antes da eleição, a população não entende. Uma coisa é defender pontos específicos, o detalhe do plano econômico e do programa social, outra coisa é fazer ataques frontais a lideranças ou partidos no nosso espectro político. Na minha opinião, só estamos ajudando essa visão fascista.

Temos que buscar um outro marco civilizatório para o país. Se não for isso, todos perdem, empresários, políticos de todos os espectros e o povo brasileiro. Chega a ser desumano, você está sentindo a dor do outro, abre o celular e é só ataque, difamação, mentira, ódio, patrocinado economicamente por uma rede de ódio.

Eu aposto muito, no pós-pandemia, numa reafirmação do pacto federativo a partir da convivência e união dos governadores e o diálogo mais franco e direto com os prefeitos.