Nesta sexta-feira (22), o Observatório da Democracia promoveu, por videoconferência, a mesa Congresso, Momento e Opções Políticas, que faz parte do Ciclo Diálogos, Vida e Democracia. Esta edição só com líderes de partidos na Câmara dos Deputados, foi coordenada pela deputada federal Perpétua Almeida(PCdoB-AC). A mesa virtual contou com os deputados federais: Alessandro Molon (PSB-RJ), Ênio Verri (PT-PR), Wolney Queiroz (PDT-PE), Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Joenia Wapichana (Rede-RR).

O objetivo do encontro foi compreender o estado atual do legislativo no combate a pandemia do coronavírus e à crise política e econômica que assola o Brasil. Foi uma oportunidade de acompanhar um debate pluripartidário sobre os embates que acontecem hoje naquela Casa Legislativa.

Como a tônica do debate foi o papel do Poder Legislativo na defesa da saúde dos brasileiros, diante da pandemia e da omissão do Poder Executivo, discutiram-se as medidas tomadas pelo Congresso que impedem que o país entre em convulsão social diante da necessidade de quarentena, quando o governo federal não toma a iniciativa. Diante disso, o líder do PDT, Wolney Queiroz, explicou a síntese da estratégia que o campo progressista precisa assumir: “Não podemos deixar que Bolsonaro se aproprie do tema da economia”.

Perpétua, por sua vez, destacou as medidas econômicas que o Congresso forçou Bolsonaro a sancionar para garantir a sanidade financeira da população diante da quarentena forçada. Ela lembrou a PEC Emergencial de apoio a estados e municípios, que Bolsonaro adia a sanção para fazer os governadores ajoelharam. A líder do PCdoB também lembrou que o auxílio emergencial proposta pelo presidente era de R$ 200 e que foi uma luta muito forte dos deputados para aumentar para R$ 600, com possibilidade de chegar a R$ 1200.

“O Congresso assume o protagonismo, junto com o STF, diante do vácuo do Governo Federal”, declarou ela. Na opinião da deputada, o governo Bolsonaro aposta no caos. “Ele quer, de fato, que alguns passem fome. Ele quer ver convulsão social para que lhe reste agir”, disse ela, sobre a tendência autoritária do presidente. Ela ainda acrescentou que essas tendências se expressam na nota do general Heleno, que mostra que Bolsonaro quer dirigir o país sozinho, sem as instituições. Na nota, ele ameaça o STF, caso Bolsonaro seja obrigado a entregar o celular à Justiça, diante de investigações sobre interferência do presidente na Polícia Federal.

Verri diz que, com o Governo Federal paralisado por estar sendo dirigido por um “presidente inapto e inepto”, o Legislativo está assumindo um papel histórico elogiável. “Há um número alto de projetos muito bons de assistência social e estruturantes, que mostra que o Congresso está cumprindo um papel muito além do que cumpria antes, imposto pela incapacidade do governo Bolsonaro de atender as demandas da população”.

O petista também enfatizou a unidade da Oposição ao dizer que as divergências foram colocadas em lado em momentos como esse. No caso do auxilio emergencial, ele diz que o mérito da esquerda foi conseguir o apoio popular e da imprensa para trazer mais parlamentares para a proposta. “O Congresso é reflexo da pressão social”, afirmou.

Dentro da lógica de que Bolsonaro tem preocupações econômicas que nada têm a ver com o emprego e a renda da maioria da população, ele lembrou que a Medida Provisória da Carteira Verde Amarela, foi uma pressão da elite se aproveitando da crise sanitária para aumentar seus lucros, sob o argumento de que aquilo geraria mais empregos. “Enquanto alguns choram, outros vendem lenço.”

Ele mencionou  uma série de medidas que são impostas como emergenciais quando nada têm a ver com a pandemia. Todas visam a quebrar paradigmas consagrados que dificilmente poderiam ser aprovadas diante do debate com a sociedade. Mas no escuro da madrugada, deputados oportunistas tentam colocar em votação.

A elite impõe tais medidas, porque a sociedade está fragilizada, com o olhar voltado para outro tipo de enfrentamento social e a elite consolidada num grande bloco. Ele observou a importância da pressão internacional e da militância sem terra, da Amazônia, e ambiental, para evitar a MP da grilagem, que abria caminho para mais desmatamentos. “A pressão forçou lideres do agronegócio a praticamente pedir desculpas”.

Verri defende que a renda cidadã de R$ 600 tenha garantida a permanência, “como qualquer outro país civilizado”, mas Guedes diz que só se for R$ 200. “Ora, ele não fala isso para os grandes grupos financeiros, mas quando fala aos pobres, a conversa é outra”, diz ele, mencionando a ajuda bilionária a bancos no início da pandemia.

Para o líder do PSB, vivemos uma “tempestade perfeita”, em que tudo está dando errado ao mesmo tempo. Com a curva de mortes acelerada, uma em cada quatro mortes por covid-19 no mundo foi no Brasil, país que tem o maior número de enfermeiros mortos, também. Para ele, o presidente “obtuso, irresponsável, incompetente”, só pensa na reeleição. Deste modo, a visão econômica dele é pautada pela ausência de um plano governamental de longo prazo, e pelo desprezo pelas vidas que estão se perdendo na pandemia. “Só se preocupa com os números da economia, que podem determinar se ele está com menos chance de se reeleger. (…) É o famoso governo do E daí?!”, analisou.

Bolsonaro olha para 2022, mas, de acordo com Molon, o campo progressista não pode fazer o mesmo deixando de fazer o que o povo precisa, neste momento. Ele também destacou a unidade partidária em defesa de projetos que defendem o povo da doença e da omissão de Bolsonaro.

“Bolsonaro não entende que, quanto melhor enfrentarmos essa pandemia, mais rápido para sair dela e nos recuperarmos economicamente. Ele sabota o isolamento social e nós insistimos para mantê-lo até que a epidemia arrefeça e as vidas sejam protegidas da contaminação. Ele defende o retorno de todos ao trabalho forçando-os a ficar sem recursos para sobrevivência. Por isso, todos os partidos se uniram num pedido de impeachment. Cada partido decidiu por essa medida num momento diferente, mas estamos todos unidos, nesse momento”. Molon repete aqui o argumento de que Bolsonaro não pode sequestrar pela retórica a preocupação com o emprego das pessoas, diante de suas atitudes e ações deliberadas para gerar mais calamidade social e prolongar a recessão econômica. “Para nós, a economia tem que estar a serviço da vida”, sintetizou.

Para o líder do PDT, Bolsonaro e Guedes dão evidências explícitas de que não estão preocupados com a economia pública, mas privada. “Eles estão jogando Banco Imobiliário, um jogo em que ignoram as vidas. Estão preocupados em sinalizar para o mercado e o sistema financeiro com a ‘regra de ouro’”, disse, referindo-se à postura fiscalista de mostrar que o país é capaz de pagar suas contas e dívidas, às custas da vida das pessoas e da estabilidade social.

A líder do PSol também observa o modo como a elite se uniu em torno do Governo Bolsonaro com interesses econômicos claros. “Em 2019, já estava claro para nós a divisão burguesa sobre um setor que queria avançar pelas liberdades democráticas, e um outro polo burguês que apoia as reformas ultraliberais do Paulo Guedes, mas não está unido na agenda reacionária”, observa.

De acordo com ela, foi assim, que houve um avanço da agenda econômica que massacrou nosso povo pela reforma da previdência e da reforma trabalhista, com arrocho salarial, flexibilização de direitos. “Antes da pandemia, já havia uma retração da atividade econômica, com os ricos ficando mais ricos e mais gente na pobreza”, disse ela, sobre os resultados das reformas impostas.

Com a “insanidade” de Bolsonaro optar por dirigir a extrema direita, em vez de lutar contra a doença, junta-se o conjunto da agenda ultraliberal que Paulo Guedes quer manter mesmo sob pandemia. “Tenho dito que o Paulo Guedes sequer quer salvar o capitalismo, porque a agenda dele é escandalosamente falida. O Estado não entra mesmo diante dos trabalhadores sem salários, das pequenas empresas falindo, do aumento do desemprego”, criticou Fernanda.

Existe ainda, de acordo com ela, uma divisão burguesa daqueles que querem que o estado entre com uma agenda keynesiana. “Claro que vão querer que a gente pague a conta depois, com nova reforma da previdência, reforma trabalhista, nova rodada de privatizações”.

Para ela, o que devemos defender é a vida das pessoas e que o povo não pague a conta desta crise, por meio da aprovação da taxação de grandes fortunas, ampliação da contribuição social sobre o lucro líquido, ampliação da renda básica emergencial. “Precisamos garantir a queda do teto de gastos para depois da pandemia”, antecipou-se, referindo-se a uma medida fundamental para a esquerda.

Havia um setor da imprensa, segundo Fernanda, que achava que era possível haver um duplo poder entre o Ministério da Saúde e governadores e prefeitos. “Como se, num país como o Brasil, o presidente pudesse ser tratado como um bibelô. O Bolsonaro não é um bibelô, ele é um elefante numa loja de cristais. Ele estimula a crise, o obscurantismo, a escolha entre morrer de covid-19 ou morrer de fome, chantagear governadores e prefeitos e proteger criminosos, que são ele e seus filhos”.

Voltando ao tema da economia, ela diz que não se fez nenhuma política de guerra, como fila única, reconversão industrial, produção em larga escala de equipamentos de proteção individual neste governo. Medidas que demonstrariam, estas sim, alguma preocupação com a economia.

Joênia vem de uma semana intensa de muita luta e vitórias para os povos indígenas. “Os povos indígenas nunca têm um dia de sossego. Todo dia tem uma novidade, um retrocesso”, lamentou ela.

Mas ela disse que nenhum indígena se surpreende com esse “desgoverno”. Ele fez a campanha dizendo que ia abrir terras indígenas para mineração, excluindo povos indígenas de qualquer garantia.

O primeiro ato foi editar uma MP que tirava a Funai da Justiça e colocava a competência de demarcação nas mãos de ruralistas. Afastando qualquer possibilidade de defesa, enfraquecendo órgãos de fiscalização, e não reconhecendo qualquer direito, aumentando desmatamento e grilagem. “O plano de crueldades foi se tornando realidade.”

Nesse momento de pandemia, a líder da Rede acreditava que haveria mais proteção aos indígenas por conta da redução do fluxo econômico. “Pelo contrário, há muito incentivo de invasão a terras indígenas. Mais de vinte mil garimpeiros que não querem saber de pandemia, mas de recursos naturais”.

Impeachment à vista

Verri explicou que o impeachment depende de pressão popular, seja nas pesquisas ou nas redes sociais. Bolsonaro tem 25% de aprovação, que é muito pouco, e segue declinando, mas isto representa 50 milhões de brasileiros. “Para a população mais pobre, os R$ 600 que nós conseguimos aprovar contra a vontade dele, deram uma sobrevida a Bolsonaro, pois acreditam que é mérito do governo. A medida que ele derrube esse auxilio emergencial, pode mudar a aprovação do governo. Outra pesquisa mostra que conforme a pessoa tem um familiar atingido pela covid-19, ela muda de opinião. Infelizmente, é isto que indica que a pressão pelo impeachment será maior”, ponderou.

O líder petista explicou que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sendo um liberal democrata, não vai colocar o impeachment para votação se não tiver votos suficientes para isso. “Hoje não há votos suficiente, mas não porque o centrão foi para o apoio ao governo. O centrão tinha ministros no Governo Dilma, e, numa noite, deixaram de ser ministros para votar pelo impeachment dela. O centrão vai conforme a marcha dos fatos”, afirmou.

Ele relatou que o PT apresentou a PEC 37 que garante nova eleição em caso de aprovação do impeachment. “Primeiro temos que tirar o Bolsonaro, pois isto é urgente. Se pudermos, precisamos tirar o governo e finalmente chamar uma nova eleição”.

Molon disse que o campo progressista está com a população, que, pouco a pouco, vai percebendo que foi enganada “por alguém que dizia combater a corrupção e que usa o governo e interfere na Polícia Federal para proteger a corrupção praticada por um de seus filhos”.

Pode não haver apoio suficiente para o impeachment na Câmara dos Deputados, mas, na sociedade, “o apoio ao governo está desmilinguindo”. “Era 40%, caiu para 36% e agora é 25% e vai continuar caindo, conforme as pessoas percebam que se morre por causa de Bolsonaro”, garante ele.

Segundo Molon, a experiência histórica mostra que o impeachment é mais provável quando falta muito tempo pra terminar o governo. “Também não há qualquer sinalização de mudança de atitude de Bolsonaro que possa refluir a perda de apoio”.

Ele admite que a figura do vice-presidente Hamilton Mourão não traz nenhuma tranquilidade, diante do artigo “muito ruim” publicado com ameaças às instituições. O artigo na imprensa assume uma postura autoritária diante de instituições como a imprensa.

“A PEC 37 é muito boa porque acaba com a conspiração dos vices, que parece que virou mania aqui no país. Permitir que Bolsonaro continue fazendo o que faz, nos tornaria cúmplices dos crimes dele”, disse o deputado do PSB, elogiando a iniciativa do PT.

O deputado Queiróz mencionou a leitura recente do livro Como as Democracias Morrem?”, de Steven Levitsky Daniel Ziblatt, que analisam as razões pelas quais países perderam suas conquistas democráticas. Embora estejam estudando o processo norte-americano com a eleição de Donald Trump, o líder do PDT fica impressionado como o texto dialoga com a realidade brasileira sob Bolsonaro.

Ele menciona os quatro sinais de ameaça à democracia: falta de compromisso com as regras do jogo (questionar o resultado dos pleitos); negar a legitimidade dos oponentes taxando-os de antipatrióticos, criminosos, subversivos; tolerância com e estímulo à violência como precursora da ruptura democrática; intolerância à critica usando o poder para punir e perseguir adversários durante o governo.

Para ele, todos estes sinais estão presentes aqui e os parlamentares estão “diante do portão que impede a chegada dessa ditadura”. “O Congresso tem que ser o cão de guarda da democracia, não o cachorrinho de estimação. Temos essa dupla responsabilidade por zelar pelos valores democráticos, que têm sido constantemente aviltados e desrespeitados”, defendeu.

Ele salientou que impeachment não é remédio pra governo ruim, citando o presidente de seu partido, Ciro Gomes. Para governo ruim o remédio é a eleição. “Mas impeachment é para governo que comete crime de responsabilidade. Não pedimos impeachment porque não gostamos do governo Bolsonaro, mas são vários os crimes de responsabilidade”, afirmou.

Ele defende uma frente ampla em que todos que queiram lutar pela democracia estejam juntos, “do MBL ao PSTU”. “Estamos vivendo uma quadra histórica que vai escrever nossos nomes para o bem ou para o mal”, alertou.

Para a líder do PSol, para além da covid-19, derrotar Bolsonaro seria uma “medida sanitária”, referindo-se a tudo que ele faz para dificultar o achatamento da curva da epidemia, além de ir a manifestações antidemocráticas, onde as pessoas expostas estão se contaminando.

“Nosso partido entrou com o pedido de impeachment, mesmo antes da pandemia, porque queríamos colocar o tema no horizonte. Sabíamos que não havia correlação de forças, mas sabíamos também, que a situação só ia se agravar”, explicou.

Ela avalia que há 34 bons instrumentos de impeachment por crime de responsabilidade. “A nossa contradição é não poder chamar manifestações de rua com a dimensão que poderiam ter”, lamentou.

“A história mostra que a extrema direita nunca cai de podre, ela precisa ser derrotada. Temos nossas diferenças programáticas, mas precisamos buscar sempre a unidade de ação para derrotar o autoritarismo e o obscurantismo”, defendeu Fernanda.

O centrão, na opinião dela, é a expressão da velha política, “do toma lá, dá cá”, também são deputados muito voláteis e sujeitos a pressão e deixar o governo sozinho. Frente ampla ou de esquerda? “Contra Bolsonaro, não dá pra ser sectário. Temos que estar todos juntos em defesa da Constituição e das liberdades democráticas”, admitiu.

Joênia disse que a Rede não apenas fez o pedido de impeachment do presidente, como de ministros como Ricardo Salles (Meio Ambiente). Liderando por Marina Silva, o tema do meio ambiente é basilar para a Rede, que também é caro ao governo Bolsonaro. “É um conjunto de retrocessos pra todo lado”.

Ela acredita que foi a união do campo progressista que fez a diferença na defesa da população indígena. “Os povos indígenas mostram que a resistência, união e coletividade, além de dizer o que é importante para as novas gerações, que nos faz ainda estarmos aqui depois de quinhentos anos”.

Para Joênia, os brasileiros não podem banalizar atos de irresponsabilidade e incompetência da administração do país, além de ilegalidades, como se fossem naturais. “Temos que convocar o general Heleno para se explicar pela ameaça à democracia”.

 

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