Cid Benjamin vê cenário de ameaças à democracia como o imponderável
O Observatório da Democracia realizou nesta segunda-feira (01), por meio de videoconferência, mais uma edição do Ciclo de Debates Diálogos, Vida e Democracia. A mesa trouxe como tema “Democracia, Sociedade Civil e Estado Democrático”. O tema central da webconferência mediada por Luzia Ferreira, que é diretora da Fundação Astrojildo Pereira e presidenta do Cidadania em BH, buscou analisar as atuais e constantes ameaças às instituições que sustentam a democracia brasileira.
Benjamin considera que não dá pra ter um debate genérico sobre democracia e liberdade de expressão sem ir ao concreto, que é o momento que estamos vivendo no Brasil. “Não é um momento qualquer. Temos a pandemia, em que o Brasil arrisca ser o triste líder mundial, e temos o duplo desafio de evitar a contaminação e tratar os doentes.”
Como dirigente da ABI, diz que defende uma fila única do sistema de saúde para o combate à doença. “Não tem cabimento que o SUS não tenha equipamentos e CTIs suficientes, quando do lado tem hospitais ociosos, e a Constituição consagra o direito à vida”. Também se indignou com os obstáculos criados para pagamento do auxilio emergencial a empregos atingidos pela pandemia, por parecerem dificuldades propositais. As pequenas e médias empresas também não conseguem acessar crédito, enquanto os bancos recebem “escandalosos” R$ 1 trilhão.
Mas no que se refere à garantia da democracia, ele crava a percepção de que Bolsonaro só não implantará uma ditadura se não houver condições. “Este é seu projeto. Portanto, a garantia da democracia implica afastar o Bolsonaro”, defende.
Benjamin não gosto da forma impeachment para afastar um presidente, ao por nas mãos do parlamento a responsabilidade de afastar um presidente legitimamente eleito. “E isto tem sido usado tanto, que vários prefeitos têm que pagar mensalão a vereadores pra não sofrerem afastamento”, denuncia.
Ele citou o caso do Rio de Janeiro, em que acredita ter o pior prefeito da história, o Marcelo Crivella (Republicanos), que, em determinado momento, até sua base, abriu processo de impeachment “a partir de umas reivindicações nada republicanas”. Ele atendeu às reivindicações que não se sabe quais eram, e o pedido de afastamento foi engavetado.
No caso em questão, ele propõe que seria muito melhor se houvesse anulação das eleições e realização de novo pleito. Como isso implica mudança constitucional, não é pra já, portanto, seria muito melhor um referendo revogatório em que os mesmos que o elegeram poderiam retirá-lo. Estas são as alternativas que o jornalista considera menos danosas para o país no caso de Bolsonaro.
Benjamin considera que a democracia está sempre em questão, mesmo em países de regimes capitalistas avançados ou que passaram por revoluções anticapitalistas. Na Suécia, onde foi exilado, o poder econômico pesa muito na eleição, e em Cuba, onde morou, ele não defende o regime de partido único. “Todos os países de partido único têm esse regime político premidos pelas circunstâncias. Mas isto não pode se tornar um modelo, pois a democracia fica prejudicada”, ponderou.
Ele considera que a liberdade de expressão implica o acesso democrático à mídia eletrônica, que, em todo o mundo, tem que ser regulada pelo estado. No caso do Brasil, há uma absoluta disparidade que poderia ter avançado nos momentos de governos progressistas, o que não ocorreu.
Como profissional do jornalismo por décadas, ele observa que as “fake news”, sem esse nome, já existiam com um alcance menor. Sempre se usou a mentira em processos eleitorais, observa ele. Já no universo da internet, não tem como correr atrás depois que a notícia se disseminou entre milhões. Ele cita o caso da reportagem de O Globo, que publicou a manchete: “Garotinho usou avião de traficante”. “Quem lesse a matéria veria que um avião apreendido por investigação do tráfico de drogas foi cedido a uma empresa qualquer para não se deteriorar. O governador apenas alugou este avião, como uma aeronave qualquer”, relatou. O efeito de uma manchete como essa é tal qual uma fake news de Whatsapp.
Benjamin não consegue ser tão otimista quanto às Forças Armadas. Ele ressalta que não estigmatiza os militares. por todo o histórico familiar que tem, e deseja que elas sejam respeitadas por serem uma instituição nacional importante. “Mas tem que se dar ao respeito também. Não podem sustentar um governo de milicianos. Ao fazer isso, estão se desmoralizando. É ruim para elas e para o país a quem interessa ter Forças Armadas respeitadas, coesas e que respeitem as leis. Que a população tenha orgulho delas”, declarou.
Para ele, esse caminho que os militares estão aceitando, de fortalecimento de milícias e grupos armados ligados ao banditismo, interagindo com o governo federal e a família do presidente, é uma complicação. “Elas deveriam refletir mais sobre o dano que estão causando a sua própria imagem”, pondera.
Benjamim acredita que os fatos dos últimos dias, sinalizando rupturas institucionais, não devem ficar sem definição. Ou Bolsonaro avança em seus intentos, ou avançam as instituições democráticas. “Eu tenho dúvida se o Bolsonaro chega ao final como presidente. Ou cai ou vira ditador.”
O jornalista pinta um quadro sinistro a partir de suas observações, ao dizer que o Brasil vai entrar na casa das centenas de milhares de mortos pela pandemia e uma taxa de desemprego “como nunca se viu no país”. O que pesaria mais? Os mortos que serão colocados na conta de Bolsonaro, pela “condução criminosa” da pandemia, ou o desemprego, que o presidente vai colocar na conta dos governadores e prefeitos por quererem fazer a quarentena. “Não me arrisco a cravar um resultado, mas desejo ardentemente que Bolsonaro seja responsabilizado pela pandemia, pela crise e pela ameaça à democracia”, concluiu.
O debate contou ainda com a participação do ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, da advogada, doutora em Direito, professora da UFRJ e membro da ABJD, Carol Proner, e do ex-ministro do STJ e do TSE, Gilson Dipp.