A pandemia é um laboratório de experimentações contra o trabalhador
Nesta terça-feira (9), foi transmitida ao vivo a conferência O Mundo do Trabalho e a Pandemia, como parte do ciclo Diálogos, Vida e Democracia, promovido pelo Observatório da Democracia. Sob a coordenação de Francisvaldo Souza, presidente da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco (FLC-MF do PSol), o evento ainda tem a participação de outras sete fundações partidárias Maurício Grabois (PCdoB), Perseu Abramo (PT), Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (PDT), João Mangabeira (PSB), Ordem Social (PROS), Claudio Campos (PPL) e Astrojildo Pereira (PPS).
O sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes, defendeu que a pandemia é do capital e não da natureza, portanto, não é uma “causalidade biológica, estranha e externa”. Para ele, a pandemia deixou a nu o capitalismo no cenário global, assim como aqui no Brasil tudo se amplifica.
Ele observou que até as primeiras semanas de maio, nos EUA havia 33 milhões de trabalhadores pedindo seguro desemprego. No Brasil, ele se indagou como o país pode oferecer um mínimo de dignidade aos seus trabalhadores com 40% deles na informalidade. “Isso medindo esse primeiro trimestre. A hora que formos medir o segundo trimestre, com o aprofundamento e o que vem pela frente no cenário brasileiro, vamos ter saudade dos 40% de informalidade com desemprego mais aberto, desemprego oculto, subemprego, subutilização, etc.”, previu.
De acordo com Antunes, estamos num cenário político destroçado em que vivemos uma “contrarrevolução preventiva de amplitude global”. “E a taça da tragédia mais ampliada é nossa. Se não bastasse Trump e uma miríade de aberrações assemelhadas, nós temos aqui um caso ainda mais grave. E não por incompetência. Bolsonaro mostrou muita competência em toda a sua ação política. É um governo de tipo lumpen, que combina traços neofascistas com neoliberalismo primitivo e predatório”, definiu ele, com suas imagens e expressões originais.
No momento, conforme ele percebe, o capital está fazendo experimentações do trabalho. “A pandemia está sendo um espetacular laboratório do capital, das corporações, das empresas, dos empresários, da classe que detém o controle da riqueza. Esta experimentação sinaliza no período imediato pós-pandêmico, a devastação do trabalho”, diz ele, em tom apocalíptico.
Para ele, a lógica desse sistema de metabolismo social só pode crescer destruindo a natureza, o trabalho e a humanidade, por meio das guerras e da degradação completa do ambiente, por exemplo. “A devastação do trabalho não é um fenômeno só brasileiro, pois o mundo do trabalho é desigual e combinado, com dimensões diferenciadas e similares. Não foi por acaso que a contrarreforma do Temer (Brasil) foi paralela a do Macri (Argentina) e do Macron (França)”, compara ele, salientando que a forma pela qual a resistência dos trabalhadores se dá, faz a diferença.
Ele destaca uma hegemonia mundial do capital financeiro, “que é o mais predatório e destrutivo de todos, por ser o capital parasitário”. Em sua leitura, o capital financeiro não é apenas “dinheiro gerando mais dinheiro”, mas detém o controle do mundo do capital, incluindo a produção. “A lógica do capital financeiro é a devastação do trabalho, que se resumo a custo. Mas a tragédia e contradição do capital é que ele não pode eliminar o trabalho, como estamos vendo na pandemia”, diz Antunes.
Durante um bom tempo, menciona o sociólogo, era moda dizer que o trabalho não tinha mais nenhum sentido, relevância e que o capitalismo não precisava mais de trabalho. “Na Europa isso era tão difundido quanto grotesco. Você vai para a China, a Índia, países asiáticos, africanos e latino-americanos, e percebe o absurdo disso”. Mas ele também nota que esta foi uma ideia tão cultuada que teve impacto em partidos de esquerda, não só internacionais, quanto entre os brasileiros. “A ideia de que a classe trabalhadora não tem mais a importância que tinha”, completou.
Para ele, é fundamental entender qual é a classe trabalhadora do nosso tempo, qual sua morfologia. Um traço importante, conforme analisa, é a expansão de um novo proletariado de serviços, que começou com telemarketing, indústria de fast food, hotelaria, turismo e encontrou seu “tipo ideal” no trabalho uberizado. “Assim como se falava em walmartização para se referir ao trabalho degradado, a partir da experiência do supermercado americano, com sua força de trabalho imigrante superexplorada, hoje, em qualquer lugar do mundo que você falar de trabalho uberizado, ele vai ser compreendido”, compara.
Ele define a uberização como o trabalho feito, o máximo possível, dentro da informalidade ou ilegalidade legalizada. “A sagacidade da contrarreforma trabalhista de Michel Temer foi a de formalizar o informal e legalizar o ilegal. Ele formalizou e legalizou aquilo que era inaceitável, arrebentando a CLT e criando o trabalho intermitente e flexível”, criticou.
Essas empresas da era uberizada combinam o capital financeiro, a pragmática neoliberal e o avanço técnico-informacional-digital, que foi decisivo. “Combinando tudo isso, criou um monstrengo, uma classe trabalhadora que se converte em prestador de serviço que combina informalização com informatização no mundo aparentemente neutro dos aplicativos, que são controlados por CEOs de grandes corporações, na verdade”.
Ele nota que a chamada Indústria 4.0 e o trabalho uberizado sinalizam a informalização de todas as categorias de trabalho, como professores, médicos, eletricistas, motoristas, entregadores, empregadas domésticas, etc. “Não é a toa que vemos durante a pandemia, revoltas de entregadores de comida se espalhando pra todo lado. Esse novo proletariado percebe o vilipêndio da exploração que estão sofrendo”, disse o sociólogo, referindo-se a recentes manifestações de jovens entregadores de aplicativo.
“Os partidos de esquerda, movimentos sociais e sindicatos vão ter que reinventar um novo modo de vida, ou, numa live daqui a quatro anos, vamos estar falando de 80% de trabalhadores na informalidade”. Ele acredita que o sindicalismo pode aprender algo com os movimentos sociais, assim como se impôs nos anos 1970 influenciando os movimentos sociais.
Para ele, os movimentos sociais podem mostrar quais são as questões vitais do nosso tempo. “Se não existe empresa informal, não pode existir trabalho informal”, sugere Antunes, como uma campanha que deve ser adotada. Em sua opinião, a esquerda precisa pensar um novo mundo que se contraponha à distopia neoliberal e bolsonarista.
De acordo com o sociólogo, mesmo a luta por renda mínima é um grande problema para uma população que vai se informalizar generalizadamente. “Nós professores seremos chamados por delivery como já ocorre o governo do Estado, quando falta alguém”, disse. “Quanto foi que o governo destinou para os bancos? Um trilhão e duzentos milhões”.
Antunes ainda falou de como a sociedade se dividiu em trabalho essencial, com centenas de milhões trabalhando o dobro, e trabalho não essencial com outras centenas de milhões que não trabalham ou podem fazer isso no conforte de casa, recebendo comida e serviços. Para ele, é preciso olhar para essa discrepância. “O trabalho precisa ser voltado para atividades centrais, com todos trabalhando para ter menos jornada de trabalho e se perguntar ‘produzir o que para quem?'”
Neste sábado, 13/06, às 14h30 continuam as conferências do Ciclo Diálogos, Vida e Democracia, com a mesa Centrais Sindicais e a Crise Brasileira, A mesa será coordenada por Nilson Araújo, da Fundação Claudio Campos e participam o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo, o presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antônio Neto, o secretário-geral da Intersindical Central da Classe Trabalhadora, Edson Carneiro Índio, o presidente da Nova Central José Calixto Ramos, o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, o vice-presidente da União Geral dosTrabalhadores (UGT) Davi Zaia, a secretária-geral da CONTAG, Thaísa da Silva, o presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Ubiraci Dantas Oliveira e o vice-presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas.