Central nesta coletânea é a densa síntese filosófica elaborada por Stefano Azzarà, Domenico Losurdo 1941-2018, in memoriam, em que são salientadas as grandes linhas de força de um pensamento que manteve unidas “a filosofia e a política numa época que voltou as costas à revolução”. Dela constam ainda o texto dos professores Diego Pautasso, Marcelo Fernandes e Gaio Doria, Marxismo e a questão nacional: Losurdo e a dialética nacional-internacional, bem como, completando-a, dois importantes artigos do próprio Losurdo já publicados na revista Princípios: Marx, Cristóvão Colombo e a revolução de outubro – materialismo histórico e análise das revoluções e Gramsci e a Rússia soviética: o materialismo histórico e a crítica do populismo.

Esta homenagem que a Fundação Maurício Grabois e a Editora Anita Garibaldi prestam a Losurdo pretende manter presente e permanente, junto ao leitor brasileiro, sua inestimável contribuição para a compreensão das lutas revolucionárias do século XX, para a crítica desmistificadora do liberal-imperialismo ocidental, e para a formulação do programa revolucionário do marxismo, articulando as lutas anticoloniais e as lutas anticapitalistas em nossa época. São excepcionais as qualidades intelectuais que conferiram, à sua obra, impacto internacional: acuidade na percepção dos temas decisivos, clareza analítica na discussão dos conceitos, exposição impecável do “desenvolvimento mais coerente possível das determinações inscritas no objeto” (a expressão é de Stefano Azzarà).

A importância política da obra de Losurdo se deve também em boa medida à firmeza de caráter com que enfrentou as ideias dominantes em nosso tempo histórico. No início dos anos 1990, quando, perante o desmanche da União Soviética, renegados e desertores abriam grandes claros na esquerda mundial alegando o “fracasso” do marxismo, ele foi um dos muito poucos a marchar com coragem contra a corrente, tomando a defesa do legado histórico da Revolução de Outubro. Nessa defesa, como na desmistificação do substrato racista e supremacista dos principais teóricos liberais, ele fez valer a força polêmica da dialética, pondo em evidência as contradições que decorriam não só dos enunciados teóricos, mas também do próprio vocabulário da ideologia imperialista. 

Grande e fiel amigo do Brasil e dos comunistas brasileiros, Losurdo nos visitou muitas vezes, a partir de meados dos anos 1990 até o final de sua vida. Em várias das múltiplas atividades de que participou, lançou e comentou as traduções em português de alguns de seus livros mais importantes. Em todas, ele combinou rigor teórico e maestria crítico-pedagógica para defender e ilustrar a causa da construção histórica da ideia de uma humanidade efetivamente universal. Sempre atento aos combates da esquerda, ele expressou reiteradamente sua simpatia pelos governos socialmente progressistas de Lula e Dilma, bem como sua preocupação com os rumos que o Brasil país tomava após o golpe de 2016. 

Os editores

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Domenico Losurdo (1941-2018) foi professor de História da Filosofia na Universidade de Urbino e também de organizações como o Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für Dialektisches Denken e a Associazione Marx-XXIesimo Secolo, e se consagrou como um dos mais fecundos pensadores da atualidade. Tem dezenas de livros, artigos e entrevistas publicados em português, sendo alguns dos principais: A hipocondria da antipolítica – história e atualidade na análise de Hegel (2014) e Nietzsche, o rebelde aristocrata – Biografia intelectual e balanço crítico (2009), pela Editora Revan; O marxismo ocidental – como nasceu, como morreu e como pode renascer (2018) e Hegel e a liberdade dos modernos (2019), pela Boitempo Editorial; Democracia ou bonapartismo – Triunfo e decadência do sufrágio universal, pela Editora Unesp; Liberalismo. Entre civilização e barbárie” (2006), O pecado original do século XX (2013), Marx e o balanço histórico do século XX (2015), A esquerda ausente – crise, sociedade do espetáculo, guerra, pela Editora Anita Garibaldi e Fundação Maurício Grabois.