Crítico, o texto “Áridos trajetos: Celso Furtado, a Sudene e a ‘nacionalização’ do Nordeste 1960-1990”,* do pernambucano André Martins fotografa com nitidez os labirintos que remeteram o compromissado Furtado às formulações do GTDN (Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste) e da criação da SUDENE, certamente o empreendimento institucional mais importante de toda a história da região. Não só, a SUDENE modificou a trajetória das relações capitalistas no país, notadamente por redefinir a ampliação dos horizontes da industrialização nacional.

Da saída de Celso Furtado da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), ao vislumbre e decepção contemporânea com a permanência reprodução das (diversas) desigualdades nordestinas por ele, o consistente artigo de Martins é contribuição relevante para descortino da crônica problemática do desenvolvimento brasileiro e seu subdesenvolvimento. Reafirma e reacende aqui a relevância da luta titânica de Celso Furtado para remover o Brasil do atraso e do sofrimento de seu povo. 

*Artigo publicado originariamente em “Celso Furtado: os combates de um economista”, Fundação Perseu Abramo/Expressão Popular, 2020.

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Áridos trajetos: Celso Furtado, a Sudene e a “nacionalização” do Nordeste entre 1960 e 1990

André Luiz de Miranda Martins[1]

Propõe-se no presente artigo uma discussão das condições em que surgiu o Nordeste como realidade histórico-conceitual (como “região-problema”, destinatária de políticas públicas específicas); e das condições históricas em que se deu a capitulação/ “nacionalização” da política de desenvolvimento econômico regional entre as décadas de 1960 e de 1990. Em ambos processos está o pensamento de Celso Furtado, em suas diferentes nuances, a partir das quais se pode entender as nuances do desenvolvimentismo no Brasil na segunda metade do século XX.

O Nordeste do Brasil como periferia e “problema”

Na interpretação do Brasil elaborada por Celso Furtado está sempre presente um esforço de entendimento da paradoxal pobreza nordestina diante de tanta riqueza potencial. Tem-se aqui importante chave interpretativa da obra de Furtado. Em seus primeiros escritos histórico-econômicos, dos anos 1940, o Nordeste é tanto o centro da economia colonial quanto o retrato dos atavismos coloniais. Nestes escritos, a elucidação das questões do atraso técnico, do patriarcalismo e da monocultura pavimentaria o caminho para uma acurada descrição dos impactos sociais do “longo ciclo de agonia do açúcar” (Furtado, 2001). Preocupava ao jovem Furtado historiador, antes de tudo, um Nordeste constrangido pelo desenvolvimento nacional. O Brasil, surgido do Nordeste, parecia voltar-se súbita e tensamente contra ele. 

Com a grande seca de 1958-1959, o inteirar-se do fenômeno das estiagens como um condicionamento físico-geográfico, que evidenciava as carências econômicas regionais, claramente expressas que estavam em desníveis consideráveis de renda, tornava, pois, premente a adoção de solução alternativa àquela hidráulica (açudagem), correntemente adotada. Não bastavam as estiagens prolongadas, e os expressivos movimentos migratórios que deflagravam: em 1951 e em 1952, com a divulgação das contas nacionais e regionais do Brasil, as desigualdades de renda inter-regionais teriam sua magnitude precisamente mensurada: taxas médias anuais de crescimento industrial de 7,9% em São Paulo e de 5,4% no resto do país, com São Paulo concentrando entre 50% e 70% do valor adicionado pelas indústrias produtoras de bens de produção (Cano, 2002).

Muito embora fossem esses três fatores os que verdadeiramente incendiariam os debates sobre a “região-problema”, em meados dos anos 1950, é fato que já havia mais de um decênio que a percepção institucional dos problemas estruturais do Nordeste não se mantinha petrificada, como as relações de produção que ali, em boa parte de seu território, grassavam. Prova disso seria o estabelecimento da Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco (Chesf), em 1945, e a criação da Comissão do Vale do São Francisco, em 1948. Ambas pareciam materializar a percepção de que a irrigação era uma necessidade regional premente. 

Passava-se da ênfase na açudagem, que, de todo modo, havia deixado algum capital físico disponível como legado de quase meio século, para a ênfase nas potencialidades da irrigação, que possibilitaria o incremento da produtividade dos capitais porventura investidos na região. Subjazia a tais mudanças institucionais o reconhecimento de que pouco se havia logrado quanto ao fortalecimento da economia da região pelo recurso às obras “contra” as secas, empreendidas pelo governo federal. 

A ênfase na irrigação, ao que tudo indicava, impunha novas concepções, que pareciam transferir o problema para uma esfera de consideração, diga-se, técnica. Outra via pela qual se materializariam essas novas concepções seria o Banco do Nordeste do Brasil (BNB). Criado por indicação do banqueiro paulista Horácio Lafer, à época Ministro da Fazenda, o BNB surgiria como banco de investimento e desenvolvimento, instrumento financeiro voltado especialmente para a expansão do cultivo do algodão arbóreo, “mocó”, esse velho conhecido de oligarcas e sertanejos.

A partir da segunda metade dos anos 1950, com o apoio financeiro do BNB, bem como com a Petrobrás e a Chesf em operação – tendo promovido, entre 1955 e 1959, um aumento da oferta de energia elétrica de 145% nos mercados por ela servidos – algo novo, pelo menos em termos da infraestrutura disponível, parecia estar em curso no Nordeste dos coronéis e dos açudes. Pelo menos em termos da infraestrutura… porquanto a velha política, ou a velha economia política, sem querer forçar os termos, não tardaria em dar as suas cartas outra vez. O BNB, ante a expansão industrial centro-sulina, surge ungido pela oligarquia pecuária-algodoeira e pela já estabelecida burguesia industrial do Centro-Sul. Mais uma vez a ação do Estado reforçava os esquemas tradicionais de acumulação das frações mercantil e agroindustrial da classes dominantes, notadamente as indústrias de beneficiamento de algodão e de produção de óleos vegetais.

Já a Comissão do Vale do São Francisco funcionaria, logo de sua implantação, sob a mesma lógica do atendimento primordial das necessidades “hidráulicas” da oligarquia ligada ao complexo algodão-pecuária-lavouras alimentares, instalada no Vale do S. Francisco. E, na medida em que contemplava os interesses da classe proprietária dessa sub-região nordestina, ampliando o perímetro do industrialismo da seca, sua atuação acirraria as disputas inter-regionais pelas ajudas federais, carimbadas para as mesmas soluções hidráulicas de outrora. 

Ou seja, antes de lindamente situar-se no âmbito de uma suposta nova esfera de consideração técnica, eram essencialmente não-transformacionais das relações sociais de produção predominantes na região. O Estado ali atuava – ao azeitar os eixos do mandonismo pré-capitalista – pela reprodução das elites locais o paliativo de uma ocupação temporária nas frentes de trabalho armadas nos períodos de estiagem mais prolongada. Eficaz paliativo, as frentes de trabalho atravessarão a história econômica do Nordeste no século XX como uma verdadeira política de combate ao desemprego em massa no curto prazo.

É certo que a produção técnica e científica sobre o Nordeste e seus problemas avançara substancialmente. Já se sabia que tais problemas não eram tão-somente devidos a um fenômeno natural, pelo que também a sua resolução exigia medidas para além das ditas hídricas – ainda que políticas de proteção hídrica continuassem sendo necessárias, conquanto não se esgotassem no atendimento emergencial e dessem azo ao assistencialismo de sempre. Na década de 1950, essa produção técnico-científica avançaria consideravelmente com a criação, pelo BNB de um escritório de estudos técnicos sobre a economia nordestina (Etene). Aprofundar-se-ia, assim, a compreensão sistêmica dessa economia regional, bem como se formaria toda uma geração de economistas dotados de conhecimento mais específico sobre a região.

Ao final dessa mesma década, já estando o debate intelectual fortemente suscetível ao nacional-desenvolvimentismo cepalino, por um lado, e, por outro, ante a incontornável seca de 1958 – que desnudaria de vez as disparidades regionais – e a ameaça à pax agrarie representada pelas Ligas Camponesas de Pernambuco e Paraíba, o Nordeste converter-se-ia de vez em “Região-problema”; problema de cunho político e em âmbito nacional. O Nordeste, parteiro do Brasil, volta-se contra a nação, trombando com o bossanovismo tecnocrático modernizante do Centro-Sul. Os problemas daqui serão os problemas de lá.

Entra em cena Celso Furtado, então diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) para o Nordeste, onde seria alocado em seu retorno ao país, após período de serviços prestados à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Sob sua coordenação, durante a presidência de Juscelino Kubitscheck, aprofunda-se ainda mais o conhecimento técnico do “sistema nordestino”. Instituem-se a Operação Nordeste, o Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (Codeno) e o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN). Do trabalho deste surgiria o famoso Relatório do GTDN, intitulado Uma política de desenvolvimento para o Nordeste

Se merecer credibilidade certa constatação, segundo a qual até meados do século XX o Estado era tudo, ou quase tudo, para um nordestino, fosse ele coronel, usineiro ou homem do povo, é de se crer que o Estado, assim, como a sua Paraíba do Norte de origem, não tenha saído da cabeça de Celso Furtado. E que a inteligibilidade daquela necessidade de ação estatal esteja presente no conjunto de sua produção sobre o Nordeste, da qual destacamos Formação econômica do Brasil e A operação Nordeste, de 1959 (e também o relatório do GTDN, que, ainda que não assinado por Furtado, por se tratar de um documento oficial, é clara expressão de suas ideias). 

O primeiro trabalho é certamente o mais importante estudo sobre a história econômica brasileira, em que Furtado dá a qualidade teórico-econômico de suas concepções estadocêntricas, de uma autonomia do gasto estatal; N’ A operação Nordeste o Nordeste é demarcado como problema técnico e político, cuja resolução requer intervenção estatal: “região-problema”.

Nessa demarcação, o atraso nordestino, sua “fratura estrutural”, constatava-se na esterilização dos ganhos com a exportação de bens primários e pelas compras de bens industrializados no “Centro-Sul”, nos marcos de uma política cambial desfavorável aos estados do Nordeste. Atraso reforçado pela concentração da propriedade fundiária, fiel da monocultura açucareira nas zonas úmidas e do complexo algodão-pecuária nas sub-regiões secas, e pela industrialização ausente, ou pela ausência de “um centro autônomo de expansão manufatureira”.

Se a monocultura açucareira, nas zonas úmidas, impedia a diversificação agrícola, encarecendo a reprodução da força de trabalho (pela dificuldade de incrementar a oferta de alimentos), o complexo algodão-pecuária sobrevivia à base da manutenção de relações de trabalho e de propriedade arcaicas e de seu forte traço econômico autárquico.

Esse tipo de formação social, em que as atividades comerciais se reduzem a um mínimo, contrasta com a empresa agrícola agro-mercantil de que se originou. Esse contraste, entretanto, é mais aparente que real, porquanto numa e noutra se manifesta o mesmo perfil de estratificação social e extrema concentração da riqueza, da renda e do poder. Assim, se nas zonas pecuárias o estilo de vida do trabalhador ou ‘morador’ se assemelha ao das economias de subsistência, não se pode dizer o mesmo da forma de viver do proprietário das terras, o qual se apropria da reduzida renda monetizada e mantém-se em contato com o exterior. Do ponto de vista da classe dirigente, o grande domínio do hinterland pecuário continua a ser uma atividade mercantil, ainda que empobrecida pelo declínio dos mercados que absorviam sua produção comercial. Toda vez que se reavivem esses mercados, o coeficiente de comercialização e monetização das atividades do hinterland pecuário se elevará. (Furtado, 1972. p. 96-97).

Em vasto trecho do Nordeste – parte do agrestino e totalmente o sertanejo –, esse Nordeste da pecuária e do algodão, quando sobrevinham as “crises de produção” que as estiagens periódicas evidenciavam, seu peso era sentido em larga medida pelo trabalhador rural pobre e sem-terra – para quem as crises se expressavas em fomes periódicas:

Posto que sem mão-de-obra não havia algodão, o problema que se colocava ao senhor de terra engajado na produção algodoeira era escolher entre a aceitar o risco de ter de despender recursos para evitar a fome e/ou dispersão de sua mão-de-obra em caso de seca, ou adequar essa produção ao nível da colheita de alimentos nos anos secos. É fácil compreender que haja prevalecido a tendência para aceitar os riscos envolvidos pelo aumento da produção agrícola comercializada (…). Daí que se haja formado uma estrutura produtiva que submeteria a região à ameaça de fomes periódicas. Foram essas calamidades (…) que transformaram a seca em escândalo nacional, trouxeram o governo para o centro da arena e o tornaram fator decisivo na evolução subsequente do quadro regional. (Furtado, 1989, p. 21. Itálico no original)

Assim, as crises findavam equacionadas pela intervenção governamental, através de obras “contra” as secas: organização de frentes de trabalho, e/ou pela migração forçada, tantas vezes para fora da região.

Em A Fantasia Desfeita, de fins dos anos 1980, Furtado revisita aquele que foi um convite à ação voltada ao desenvolvimento das forças produtivas no âmbito de uma economia regional retardatária: 

Com frequência, o desenvolvimento somente é factível mediante a diversificação da própria produção interna, ou seja, pela industrialização. Estima-se que [na segunda metade dos anos 1950] 30% da força de trabalho humana do Nordeste se encontra desempregada, ou subempregada, situação que se agrava dia a dia. A política de industrialização visaria o “triplo objetivo de dar emprego a essa massa de subempregados, de criar uma classe dirigente nova imbuída do espírito de desenvolvimento e de fixar na região os capitais formados em outras atividades econômicas que atualmente tendem a migrar”. (Furtado, 1989, p. 54-55)

Uma industrialização que se espera promotora do desenvolvimento, mas impedida de ser autônoma terá de ser, assim, uma industrialização planejada, incentivada. E a medida da urgência seria a manutenção das desigualdades regionais, o acirramento de antagonismos. Não cuidar do equacionamento da “questão regional” nordestina equivalia, assim, a descuidar da segurança nacional, a acenar para o esfacelamento da federação. Para além de um encaminhamento técnico da “questão”, há um encaminhamento político a ser providenciado. 

As coisas na sua devida ordem: o planejamento econômico voltado ao desenvolvimento regional seria a diretriz técnica de uma cooperação política horizontal, com os governadores dos estados da região à frente das deliberações. É patente, em Furtado, o seu entendimento da política como pairando acima das querelas partidárias. E dos técnicos como verdadeiras entidades delas apartadas. Donde o seu alerta, segundo o qual o desenvolvimento econômico deve ser, sempre, desenvolvimento político-econômico, mas “economistas e outros técnicos têm fracassado na política porque tentaram transformar-se em políticos de partido. Deve-se ser político, mas não de partido. A batalha política deve tomar impulsão em termos da fortaleza do técnico” (apud Mallorquín, 2000, p.88).

Dos ares do mundo à recolocada aridez da terra modernizada

O início do interregno autoritário leva Furtado aos “ares do mundo”. Entre outros temas, sobre os quais se debruçaria ao longo dos quase vinte anos de um afastamento forçado da vida pública brasileira, nosso autor passa à reinterpretação do modelo brasileiro sob uma nova dependência, voltando-se ao Nordeste apenas no início dos anos 1980. Outrora subsistema econômico, agora o Nordeste já se apresenta integrado ao capitalismo excludente implantado no território nacional. Um Nordeste parcialmente industrializado, modernizado por “nacionalizado”, com a discussão das potencialidades nacionais, na antevéspera da redemocratização, trazendo novas interrogantes à problemática nordestina – sendo a mais importante delas: em que falhou a política de desenvolvimento regional?

Com efeito, se se logrou, pela via da Sudene, transformar o Nordeste do Brasil, a viabilização histórica do projeto originalmente encampado por essa instituição tomou rumo distinto. As propostas reformistas para o setor primário (abarcando a irrigação e o equacionamento do problema fundiário) entraram em flagrante rota de colisão com os interesses do bloco agrário da própria região e foram bombardeadas tão logo vieram a público. 

Na verdade, certas propostas no campo agrário fracassaram antes mesmo de 1964, ou antes mesmo de implementadas. A melhoria técnica da agricultura canavieira, por exemplo, aparentemente voltada aos interesses dos usineiros, passaria por percalços impeditivos a partir de 1962, quando, devido à crise política entre EUA e Cuba, os preços do açúcar sofrem brusco aumento e qualquer alteração nos esquemas lucrativos na zona da mata nordestina passa a ser fortemente rechaçada. O recrudescimento dos usineiros, em seus ataques às propostas sudenistas diversificação produtiva, ganharia as páginas do Diário de Pernambuco sob a forma da conversão em Celso Furtado no comunista que ele nunca foi. 

O caso do semiárido nordestino é emblemático no que respeita à inviabilidade historicamente colocada de algumas propostas reformistas. Ali não se levou adiante qualquer intento de reforma fundiária, pelo que as relações de produção seguiram preponderantemente pré-capitalistas. Todos os programas implementados entre as décadas padeceram desse mal de origem, – insistiu-se, por exemplo, em “fixar o homem à terra”, via programas os mais diversos, mesmo com as restrições ambientais dessa sub-região, o que, sem dúvida, interessava às elites, desejosas de seguir contando com força de trabalho das mais acessíveis. Por outro lado, os impactos sociais das secas se perpetuavam; amenizar esses impactos, por sua vez, tornar-se-ia tarefa delegada à Sudene, o que institucionalizaria de novo as obras contras secas.

A industrialização induzida na região Nordeste foi a linha de ação político-institucional que mais e melhores resultados obteve, e também o projeto de desenvolvimento regional ao qual relacionar-se-á mais recorrentemente a instituição mesma da Sudene. Contudo, não resultaria das recomendações originais do GTDN; ou seja, não seria implementado na região um “centro autônomo de expansão manufatureira”. E terá sido a forma mesma arquitetada de financiamento do desenvolvimento regional – a atração de investimentos privados com base em incentivos fiscais e cambiais, à qual se associaria a formação de capital fixo pelo setor público – a responsável pelos rumos tão distintos que trilharia esse projeto industrializante.

O fato de não se ter promovido uma industrialização autônoma mas se ter mantido o regime de incentivos fiscais destinados a seu financiamento talvez seja revelador das limitações do relatório-diagnóstico-plano de ação do GTDN quanto à inteligibilidade do estágio de acumulação industrial no Brasil no início dos anos 1960, bem como do papel desempenhado pelo Estado em tal estágio. Nessa linha de avaliação crítica, é conhecida a interpretação de Wilson Cano, que destaca a influência da concepção cepalina de perdas-e-ganhos na proposta industrializante do GTDN, que, quando transposta para dentro das fronteiras nacionais implicava considerar como “centro” e “periferia” diferentes regiões da nação, conforme o nível de crescimento/ desenvolvimento alcançado por cada uma. 

Resultaria que a industrialização à GTDN (a efetivamente implementada) tinha de compensar financeiramente, com incentivos fiscais – e também cambiais e financeiros – a inexistência de fronteiras regionais limitadas por barreiras tarifárias e não tarifárias[2]. Subjazia a questão da concentração automática de capital, através da concorrência capitalista, em um espaço econômico nacional unificado, “em que os interesses privados de maior porte não são efetivamente regionais. Há, em síntese, a concentração em um centro dominante, que imprime os rumos decisivos do processo de acumulação de capital à escala nacional” (Cano, op. cit., p. 132).

Desde os anos 1930 já não pareciam haver condições histórico-concretas para a criação do propalado “centro autônomo de expansão manufatureira” no Nordeste, e a experiência nordestina de desenvolvimento regional pela via da industrialização sujeitar-se-ia às determinações desse processo oligopólico:  será complementar à do Centro-Sul. Também dessa região virá parte relevante dos capitais atraídos pelo regime de incentivos estabelecido; outra parte importante virá do exterior, em consequência da quebra de restrições ao benefício pelo capital estrangeiro. 

A afluência desses capitais, concretizada na instalação de empresas ou seja, de propriedade de capital externo ao Nordeste, capitais aos quais se soma o investido por empresas da região, faria o índice de investimentos industriais (medido pelos projetos aprovados) ascender de 100 para 559 entre 1960 e 1968. Já a razão investimento industrial/ valor da transformação industrial passou, entre 1959 e 1958, de 8,1% para 31,5% – um coeficiente altíssimo desde qualquer perspectiva, cuja obtenção se tornou possível graças à importação de capitais. Uma forma de financiamento dessa transferência de capitais que se mostrava “intrinsecamente concentracionista; quem tem uma maior massa de lucros tributável deduziria mais. Esse mecanismo beneficiará, sobretudo, os grandes grupos nacionais e internacionais” (Oliveira, 2003, p. 45).  Não vingaria o ideal de empresário schumpeteriano-nordestino de Furtado… E estava em curso uma industrialização efetivamente distante da projeção de autonomia, e que ademais reproduzia, no plano regional, a oligopolização em processo na economia nacional.

Adentra-se a década de 1970 com esses mecanismos de incentivo proporcionando à economia nordestina crescimento a ritmo acelerado: entre 1960 e 1978, 7 e 8% de crescimento anual global e do produto industrial, respectivamente. A expansão regional do setor terciário, no mesmo interregno, faria quadruplicar a geração de renda nesse setor (idem ant, p.19). O aprofundamento da integração regional efetivamente transformou a economia nordestina, cujas taxas médias de formação bruta de capital fixo real seriam, nos subperíodos de 1965-1970, 1970-1980 e 1980-1990, de 14,6, 10,2 e 1,6%, respectivamente (contra os índices brasileiros de 10,2 e -2,6% em 1970-1980 e 1980-1990), com que a nova configuração dessa economia regional seria determinada pela atividade industrial (Sudene, 2000).

Essa determinação se estenderá ao mercado de trabalho – com suas repercussões nas posições de classe – considerado aqui pela influência que exerce, via incrementos de renda, na estrutura econômica. Em um caso como o nordestino, essa ressalva é da maior importância quando se trata de analisar a expansão do emprego urbano, porquanto não se pode simplesmente atribuí-la a um momento de dinamismo da economia urbana em si mesma, e portanto aos fatores atrativos de deslocamentos de força de trabalho para a indústria e para os serviços urbanos. São tão recorrentes as circunstâncias que põem a migração como uma necessidade!

Embora a dinâmica da expansão do emprego urbano estivesse situada na atividade industrial, talvez tenha sido essa a que deu a menor contribuição relativa ao acréscimo/ geração de empregos nas cidades do Nordeste. Ali, a razão emprego urbano no setor secundário/ emprego urbano foi, em 1950, em 1970 e em 1980, de 31,6, 30, e 28,9% respectivamente (Souza, 2000). Esse dado é revelador da magnitude da geração de subempregos nas atividades urbanas. Tal processo, evidenciado e documentado ao longo dos anos 1970, evidencia as limitações apresentadas pela experiência nordestina de desenvolvimento regional quanto ao equacionamento do problema do emprego na região – que se acreditava, então, causado pela ausência de um setor secundário (particularmente a indústria transformativa) mais estruturado.

A expectativa sudeniana inicial projetava resultados auspiciosos para o nível de emprego, através de um processo de industrialização cujo elemento dinâmico era dado pelo “centro” hegemônico da economia nacional, pelo que seria complementar à estruturação industrial daquele centro – que, por seu turno, já incorporava progresso técnico havia pelo menos 25 anos. Isto em um território que contava, então, com cerca de 60% de sua força de trabalho engajada na agricultura, e frequentemente submetida a esquemas produtivos e de geração de renda pré-capitalistas. Os resultados auspiciosos alcançados para o capital, em larga medida, e não para o trabalho. 

Em um território onde grassa a superpopulação relativa, os subsídios que se concederam ao capital foram de tal intensidade que “toda a população válida se transforma em ‘população para o capital’. A característica do financiamento dessa maciça transferência de capitais transforma a industrialização do Nordeste num ‘maná do deserto’” (Oliveira, op. cit., p. 46).

O contínuo aninhar-se dessa “população para o capital”, frequentemente subempregada e sub-remunerada (somada a um grande contingente nordestino de working poor, igualmente mal ou sub-remunerados) na pequena produção urbana ocorreu no Nordeste no interregno considerado, em meio ao crescimento da produtividade na indústria transformativa e no setor terciário “moderno”. Será efetivamente esse subsetor, entre as posições de classe assalariadas, o maior beneficiário da experiência nordestina de industrialização incentivada – com todas as distorções a que, ademais, daria azo. 

Primeira distorção, um setor primário em que a polaridade minifúndio/ latifúndio se exacerba, devido à concentração dos investimentos na pecuária e em cultura ligadas a complexos agroindustriais somente sobrepostos à produção tradicional, no limite da subsistência – nos termos do próprio Celso Furtado, em formulação que lhe era tão cara, “o latifúndio predatório e o minifúndio asfixiante que, conjugados, formam um sistema brutal de exploração do homem” (Furtado, 1982b, p. 129). 

Segunda distorção, a consolidação de um setor industrial que afirma seu potencial exportador em detrimento do mercado interno, e à base de incentivos fiscais e de melhorias técnicas poupadoras de força de trabalho. Ou seja, cuja função esperada de criação se empregos se esvaía. Restaria, na análise retrospectiva de nosso autor, o terciário moderno, no qual os recursos federais transferidos à região gerariam empregos com padrões de remuneração tendendo aos existentes no Centro-Sul, “[com o que] o multiplicador de emprego dentro do próprio terciário passa a ser a principal fonte de absorção de mão-de-obra, sem que isso tenha suficiente importância para afetar o mercado de trabalho, o qual continua sob a pressão dos excedentes demográficos” (Furtado, 1982a, p. 114). 

Em suma, a viabilização histórica da Sudene e de seus projetos transformadores tomou rumo distinto do preconizado. A industrialização regional nordestina foi a linha de ação mais frutífera e à qual se deu mais atenção institucional durante o governo autoritário. Efetivamente a região se industrializou e se integrou à estrutura produtiva do Centro-Sul. Ainda que o preço da integração tenha sido a complementaridade e as importações de capitais.

A complementaridade avança na década de 1970, à medida que se adota a estratégia de desenvolvimento polarizado com vistas à integração nacional, que culminará no II Plano Nacional de Desenvolvimento, o II PND. Na década anterior, enquanto o problema regional identificado pelo GTDN era a desproporção dos níveis de renda relativamente ao Centro-Sul (e a tendência, gestada na débil base produtiva nordestina, ao agravamento dessa disparidade), a preocupação explícita do II PND era a de fomentar o crescimento do produto nacional, aproveitando a “vocação” nordestina para a exploração de matérias-primas e a produção, por conseguinte, de bens intermediários. O comprometimento da indústria seria menos com a redução do desemprego do que com a geração de crescimento e com a modernização, fosse qual fosse o estado da concentração de riqueza.

A perspectiva positiva do “planejamento para o desenvolvimento regional” sucumbia à perspectiva tecnocrática – fina criação dos governos militares… – do planejamento “nacional”, esvaziando as instituições encarregadas do desenvolvimento regional dos princípios federativos mais arrojados que nortearam sua criação. Caso típico da Sudene, concebida para canalizar e exercer uma vontade política regional (suprapartidária?) em âmbito federal, nos poderes legislativo e executivo. A centralização característica do governo autoritário cobra seu preço, e Furtado, no início dos anos 1980, é analítico como sempre, mas não esconde sua decepção com o desmonte do federalismo sudeniano:

Não se tentava apenas lidar com as questões específicas da região, mas também estar presente nas instâncias que definem a política global do país, a fim de que nenhuma decisão maior fosse tomada sem ter em conta seus efeitos na região economicamente mais débil. Na medida em que o Poder Executivo foi ocupando mais espaço no campo das decisões substantivas, o princípio federativo se foi diluindo. A votação do orçamento federal, que era a expressão maior da vontade política da nação, perdeu grande parte de seu relevo, a partir do momento em que o executivo adotou a técnica da “liberação de verbas” (…). Não se pode desconhecer que o poder executivo, em particular no respeita às instâncias que atuam no campo econômico-financeiro, está sob forte influência das regiões em que se concentra o poder econômico (…). Carecendo de poder econômico, procurava o Nordeste valorizar o peso político que lhe advém de fatores históricos e da expressão demográfica. Contudo, esse fator político se anula, ou perverte, no quadro de um regime autoritário, que por definição é centralizador. Não é de admirar que a Sudene se haja descaracterizado a partir do momento em que se esvaziou a autonomia dos Estados e os governadores já não exerciam um mandato popular. (Furtado, 1982a, p. 136-37)

Essa “nacionalização”/federalização/centralização autoritária das instituições voltadas à questão regional começara logo após o golpe de 1964, quando a Superintendência perderia sua vinculação direta com a Presidência da República. Em 1967 viria a submissão ao Ministério do Interior. 

Retorno e reflexão: a sombra do capitalismo global e a luz do princípio federativo furtadiano

Iniciadas quando do exílio de Furtado, já em 1964, as quase duas décadas de ares do mundo são marcadas por diversos paragens: Ilpes, Yale, IHSS-Sorbonne, Cambridge, Columbia. Do estrangeiro, acompanhava a descaracterização autoritariamente conduzida da Superintendência que ajudara a criar. 

No exílio chileno, ocupar-se-ia das tendências estagnacionistas constatadas em diversos economias da América Latina, de cuja história econômica escreveria um dos livros mais marcantes de sua produção, já em sua estadia sorbonista. Posteriormente viria a reapreciação da metodologia da Economia e a crítica do discurso econômico ortodoxo, do monetarismo de Milton Friedman, patrono do neoliberalismo de primeira geração, manu militari, na América Latina. A propósito, patronato deletério, retomado e hodiernamente evocado para o Brasil, para a desgraça de nossa economia real…

No Brasil na via da redemocratização, e no decorrer de crises como a da dívida externa do início dos anos 1980 e a crise fiscal do Estado, que perdura por toda a década, seria a política de desenvolvimento regional uma das vítimas do primeiro sopro do neoliberalismo, avassalador na década seguinte. Encolhe-se o Brasil Grande dos anos 1970, e com ele o Nordeste: as estatais, que entre 1970 e 1980 apresentaram taxa de crescimento com despesas de capital 16,1%, declinam para 2,3% entre 1980 e 1990, e entre 1990-1993 decrescem em 12,3%! (Sudene, 1995).

No trajeto de volta, viabilizado pela Redemocratização, nosso republicano economista não contemplaria a questão regional, constrangida pela reestruturação territorial imposta pelo capitalismo global e desregulado, financeiramente hegemônico, danosamente diluída nos labirintos de novos pactos federativos. Os anos 1980 seriam tempos de notável esforço estadual e municipal para atrair novos investimentos através de isenções fiscais, da facilidade de financiamento e da oferta de infraestrutura prévia, naquele movimento que ficou conhecido como “guerra fiscal”. 

A Economia dos anos 1990 traz novo léxico: globalização, territórios flexíveis, desregulamentação… Avança a privatização; converte-se o Estado em instância somente articuladora e mobilizadora dos esforços de modernização para o aumento da competitividade internacional. O Nordeste da globalização são os Nordestes onde se conformam espaços dinâmicos e áreas e sub-regiões estagnadas e desarticuladas. Interrompera-se um projeto de Nação; e o primeiro livro publicado por Furtado na Nova República se intitula Brasil: a construção interrompida…

Teria o Nordeste do Brasil deixado de ser, em algum momento, o guia de Celso Furtado em seus trajetos? Sabe-se que na maturidade retornam os grandes temas; os furtadianos, por excelência: a superação do subdesenvolvimento e das desigualdades; e o papel do intelectual e do servidor público na defesa republicana dos projetos nacionais. Sua constatação: na conta que pede História aos brasileiros, “das oportunidades que aproveitamos ou perdemos, na luta para edificar a pátria com que sonhamos, será para o Nordeste que se voltará nosso pensamento. Lá ter-se-á consumado a nossa derrota, ou vitória” (Furtado,1982b, p. 135).

Leitor privilegiado de Alexander Hamilton – “paladino da industrialização, mal compreendida pela classe de pequenos agricultores norte-americanos, [que] advoga e promove uma decidida ação estatal de caráter positivo” (Furtado, 2007, p. 152-153) – e de Euclides da Cunha – que ajudou-o a entender “a gravidade das contradições inerentes à nossa formação histórica (…), nas profundas desigualdades sociais que tanto demoramos a reconhecer” (Furtado, 2012, p. 156) –, Furtado sempre concebeu o federalismo, o “princípio federativo”, pela autonomia da instância governativa estadual, como o fiel da sobrevivência mesma do projeto da Sudene. 

Com efeito, era a autonomia a condição política para o desenvolvimento da “região economicamente mais débil”. A direção dada à Sudene no pós-64 esvaziou, dissolveu esse princípio. De central, a Superintendência passaria a flagrante e crescentemente acessória. Morreria e seria reanimada algumas vezes, já neste século.

A tormenta política que atingiu as instituições republicanas do País em janeiro de 2019 – alongada em tragédia humanitária em 2020, ante uma pandemia a que o Governo Federal dá de ombros, ombreando-se à malta genocida que povoa a história contemporânea – deu nova mão de tinta autoritária nas relações intergovernamentais com os estados do Nordeste. Aspecto importante desse trato autoritário tem-se evidenciado na imposição de verdadeira penúria orçamentária aos governos de Paraíba (termos provenientes das altas esferas do Poder Executivo… Sim, chegamos a isto).

Contudo, que não se tombe; por aqui, antes de tudo, somos uns fortes. Começa o trabalho de resgate do sentido, quase perdido, do desenvolvimento regional com a recente formalização do Consórcio Nordeste, articulação entre os governadores da Região para a promoção do desenvolvimento social e a atração de parcerias e investimentos privados em infraestrutura e capacidade produtiva, contando com uma estrutura de comitês e subcomitês científicos. Na articulação de forças sociais dispersas e no impulso à batalha política “pela fortaleza do técnico”, começam a se acertar as contas com o Nordeste, e com Celso Furtado.

[1]  Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Católica de Pernambuco (1994). Doutor em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (2004). Pós-Doutor pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (2018). Professor associado do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco (desde 2006).

[2]  “A rigor, essa concepção industrializante do GTDN pode ser criticada por não ter-se dado conta de que a industrialização que se processava no país, a partir de meados da década de 1950, já não guardava as mesmas relações que predominaram no processo até então desenvolvido por “substituição de importações” (…). O cerne da questão da industrialização nacional não residia apenas na implantação de setores modernos (bens de consumo durável e de produção), mas numa industrialização predominantemente comandada pelo capital estrangeiro ou pelo Estado, de caráter marcadamente oligopolista. Tanto é assim que a principal correção que se fez sobre a primeira formulação da política de desenvolvimento industrial (…) foi em 1963, a extensão às empresas de capital estrangeiro dos benefícios da isenção do imposto de renda para os investimentos no Nordeste, antes (1961) restritos às empresas de capital 100% nacional” (Cano, op cit, p. 135-136).

Referências

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FURTADO, Celso. Revisitando Euclides da Cunha. In: Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado, 2012.

________. Formação econômica do Brasil. 34. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

________. Economia colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII: elementos de história econômica aplicados à análise de problemas econômicos e sociais. São Paulo: Hucitec; ABPHE, 2001.

________. A fantasia desfeita. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

________. A nova dependência: dívida externa e monetarismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982a.

________. O Brasil pós-“Milagre”. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982b.

________. Análise do “modelo” brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

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MALLORQUÍN, Carlos. Convite a uma leitura de Celso Furtado. In: FORMIGA, Marcos e SACHS, Ignacy (Coords.). Celso Furtado, a Sudene e o futuro do Nordeste. Recife: Sudene, 2000.

OLIVEIRA, Francisco de. O elo perdido: classe e identidade de classe na Bahia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.

SOUZA, Aldemir do Vale. Emprego no Nordeste: o papel da integração regional. Recife: FJN/ Massangana, 2000.

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