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Reproduzimos, aqui, o Editorial da Revista Princípios 159.

Princípios inaugura, com este número, a transição para um novo projeto gráfico e editorial. Nascida em 1981, sob a coordenação de João Amazonas, a revista ocupa espaço insubstituível, constituindo-se na mais longeva publicação marxista do Brasil. São 39 anos de publicações ininterruptas, ao longo dos quais 159 edições foram lançadas. A revista, com circulação nacional e prestigiado leque de colaboradores, aproxima-se de sua quarta década completa de existência. Um feito do movimento marxista e progressista.

A linha editorial de Princípios sempre privilegiou o debate sobre o nosso país e os temas candentes da atualidade, com especial atenção às reflexões sobre a renovação do marxismo e da perspectiva socialista. Também contribuiu para a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento. Na era da dominância do monopólio midiático, a revista fomentou o pensamento crítico e um olhar revolucionário sobre temas das mais diversas áreas — política, economia, direito, filosofia, história, meio ambiente, comunicação, cultura, saúde, trabalho, esporte, educação, ciência e tecnologia e outros. Quem lê Princípios acessa os problemas contemporâneos sob outra perspectiva, diferente daquela veiculada pela grande mídia em suas coberturas tendenciosas e superficiais.

Ao longo de sua história, a revista passou por sucessivas ondas de renovação gráfica e editorial. Atualmente, ao enfrentar um novo cenário político e ideológico, que traz inéditas e mais desafiadoras responsabilidades, Princípios busca qualificar-se para dar respostas aos desafios teóricos e políticos do tempo presente.

Vivenciamos um período em que a luta de ideias se torna mais complexa, e necessita ser abordada como tal. A contenda ideológica nem sempre assume o formato de uma luta política de ideias. Ela pode comparecer sob a forma do debate em torno de visões de mundo, cuja aparência sugere distância em relação às batalhas do dia a dia. A disputa de ideias acontece em cada campo da atividade humana. São debates às vezes aparentemente desinteressados, mas que, em tempos de poder organizado sob a fórmula de hegemonia civil, impactam profundamente os rumos do processo político.

Nos espaços de produção científico-acadêmica, esses debates comparecem não apenas nas áreas de ciências humanas e sociais. Importantes questões éticas e epistemológicas são discutidas nas chamadas hard sciences, em cujo âmbito, ao contrário do que costumamos pensar, ocorre um debate revolto, relacionado às bases e perspectivas do conhecimento. Nessas condições, recuar perante as exigências da luta de ideológica em nada ajudará o combate político.

Princípios, em sua nova fase, sem deixar de dialogar com o mundo político, abordará de modo especial a intelectualidade científica, acadêmica, cultural e artística. Sabemos que o trabalho intelectual apresenta, nos dias de hoje, peculiaridades que precisam ser consideradas. Trata-se, em particular no plano acadêmico, de um trabalho fortemente institucionalizado. Em nossos dias, a quase totalidade da pesquisa científica e tecnológica, e boa parte da produção cultural, é realizada em universidades, institutos de pesquisa, think tanks e demais ambientes especializados na elaboração do pensamento e da cultura.

Ao contrário de décadas atrás, quando era comum a figura do cientista autônomo, avulso e autodidata, hoje o próprio avanço da ciência encarregou-se de estabelecer o moderno sistema de certificação acadêmica, bem como diversos instrumentos de controle social, a exemplo do mecanismo de análise do pesquisador por seus pares. O trabalho de pesquisa assume cada vez mais o formato de uma estrutura em rede, composta por grupos de pesquisa interligados em maior ou menor grau.

Essa institucionalidade da pesquisa alcança também as revistas teóricas. Algumas delas são acadêmicas, ligadas a universidades e institutos de pesquisa. Outras são mantidas por instituições públicas não acadêmicas e think tanks, visando à difusão dos resultados de suas pesquisas. Essas publicações contam hoje com um sistema de avaliação e certificação que se materializa no ranking de periódicos Qualis, da Capes. Ele mede o impacto das revistas nas diversas áreas do conhecimento com base em critérios como citações, corpo editorial e procedimentos de captação, avaliação e seleção de textos, entre outros. Ao certificar as revistas científicas, esse sistema agrega prestígio e valor.

Um dos objetivos que norteiam o novo projeto editorial de Princípios é elevar a avaliação institucional da revista. Nesse sentido, serão adotados os procedimentos recomendados. Princípios se torna, nessa perspectiva, um journal publicado a cada quatro meses. As edições — e, em especial, os temas de seus dossiês — terão ampla divulgação prévia por meio de chamadas públicas (editais). Os textos submetidos passam a contar com peer review, entre outras práticas que contribuirão para elevar a qualidade dos textos publicados. 

A revista ganha novos formatos impressos e eletrônicos. Na versão impressa, torna-se uma revista-livro. Na versão eletrônica, além da página que já possui, disponibilizará os materiais publicados em plataforma OJS, a partir da qual os autores poderão também submeter seus textos e acompanhar todo o processo de avaliação. A revista passa a ter registro DOI — Digital Object Identifier (doi®) —, mecanismo que permite a rápida recuperação de publicações e citações. Além disso, ficará disponível nos repositórios eletrônicos  conhecidos como indexadores, bancos de dados que armazenam coleções organizadas de periódicos, possibilitando consulta rápida e facilitada a seus artigos, ensaios e outras referências.

Consolidada como referência do pensamento democrático e progressista no debate de ideias do país, Princípios passa a se posicionar como periódico científico multidisciplinar, de orientação marxista, que busca o avanço do conhecimento e da compreensão sobre o socialismo e o desenvolvimento nacional. Torna-se uma revista de teoria, política e cultura, vocacionada aos grandes temas da luta teórico-ideológica: os debates sobre a política, a filosofia, as ciências duras e moles, a educação, a história, a cultura popular e erudita, a literatura e as artes. Um veículo para dialogar intensamente com a intelectualidade acadêmica, política, cultural e artística. 

Espera-se que o novo projeto editorial contribua para a ampliação da quantidade e do prestígio dos nossos colaboradores, assim como para a melhoria da qualidade do material publicado. Pugnaremos por uma revista ainda mais influente, capaz de funcionar como ponto de encontro e potente canal de diálogo entre os mais prestigiados intelectuais do campo democrático, que terão na revista um canal privilegiado para a disseminação de seus pontos de vista.

Com o novo projeto editorial, esperamos elevar o papel de Princípios em tempos de novas e mais complexas exigências na esfera da luta de ideias. Acreditamos que as mudanças propostas também contribuirão para enriquecer a cultura geral e a formação marxista do movimento progressista em nosso país, com especial impacto junto às novas gerações.

 

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A pandemia do coronavírus deixou a nu a centralidade do trabalho na sociedade capitalista. É o que se depreende dos apelos desesperados de empresários e de alguns governantes, como ocorre no Brasil, contra o isolamento social e pela volta à normalidade das atividades da classe trabalhadora: “Ao trabalho, já! Precisamos salvar a economia!”. O trabalho voltou ao centro das aflições. Até a irrupção do surto do coronavírus, o capital desfraldava a bandeira da emergência de novas condições da economia, supostamente trazidas por mudanças tecnológicas. Esse discurso era usado para justificar a racionalidade e a inevitabilidade da desregulação brutal do mercado de trabalho.

As novas tecnologias, com destaque para as múltiplas possibilidades da internet, têm provocado grandes impactos na vida social. As transformações tecnológicas afetam especialmente o mundo do trabalho, com novos processos de produção que incluem o chamado trabalho virtual. Uma ressalva, porém, é importantíssima: muitas mudanças no trabalho decorrem de medidas meramente gerenciais. Elas resultam em formas acentuadas de exploração, e não em meras alterações tecnológicas. Aliás, o monitoramento, a vigilância e o despotismo sobre os trabalhadores foram exacerbados com o uso de recursos tecnológicos. 

Os computadores fazem com que 60 minutos no processo de trabalho sejam absolutamente controlados e efetivos, sem um segundo para o assim chamado tempo morto. A economia gig e o trabalho organizado a partir de plataformas digitais restauraram a extração da mais-valia absoluta, que foi elevada muito além da exploração baseada na tecnologia — a chamada mais-valia relativa. Há muitas controvérsias e dúvidas sobre as relações entre a automação e o desemprego no futuro. Estudos como o do Laboratório do Futuro (Coppe/UFRJ) sobre “o futuro do emprego no Brasil” chegam a apontar que a automação impactará 60% dos empregos nas próximas décadas.

A política de classe da burguesia, com o neoliberalismo, tentou apagar a importância política e social da classe trabalhadora. Tenta-se negar a polarização entre as classes sociais principais — proletariado e burguesia — na sociedade capitalista. Nos países ricos, a propaganda martelou a ideia de que todos poderiam, com esforço individual, ser parte da classe média, consoante a meritocracia. Nos demais países, a propaganda tentou ignorar a classe trabalhadora ou identificar os trabalhadores com pouca qualificação como inconvenientes necessários, bloqueando qualquer empatia para com eles (lembram-se dos pobres nos aviões?). A violência do neoliberalismo e das suas reformas agregaram novas doses de exploração, insegurança, medo e doenças para a classe trabalhadora. 

Em parte da literatura acadêmica e na propaganda dos jornais, o proletariado, como a classe trabalhadora, desapareceu há décadas. Mas essa é uma visão estreita, restrita, falsa sobre o conceito de proletariado como classe social. As pessoas ocupadas no trabalho produtivo (que gera mais-valor) e no trabalho chamado improdutivo compõem a classe trabalhadora. Na sociedade capitalista é inarredável a relação entre trabalho e capital. Os imprescindíveis são os que vendem a sua força de trabalho, como mercadoria, para que o capitalismo, essa forma histórica (em vez de natural e eterna) de sociedade, possa sobreviver. 

A pandemia do coronavírus, como prova dos nove, veio desmascarar o mito do adeus ao proletariado. Diversas pesquisas mostram o aumento contínuo das fileiras da classe trabalhadora em todo o mundo. Mudam o perfil, as formas, as condições e a composição dessa classe. Entender essa situação é indispensável para interpretar e mudar a sociedade. Por meio do dossiê “Trabalho e proletariado no século XXI”, publicado nesta edição, Princípios busca aportar sua modesta contribuição para o entendimento dessa nova e complexa realidade.

Os editores