A França e o uso das religiões como manipulação geopolítica
Nesses vídeos, são divulgados dados estatísticos e demográficos mentirosos, falsos. Dessa forma, temos a seguinte situação: uma parte dos seguidores do islã segue o direito de usar véu, e a França é mais laica que a Turquia, que vive um paradoxo, pois 98% do seu povo são adeptos do Islã, mas é um país absolutamente laico. E quando existe a possibilidade de islamização do Estado, os militares intervêm. Já fizeram isso umas cinco ou seis vezes, desde 1923, quando a República da Turquia foi proclamada e a sua existência foi reconhecida pela comunidade internacional.
Então, as leis francesas proíbem o uso, em público, de adornos, ornamentos, roupagens que ostensivamente mostrem a religião das pessoas, pois, para eles, trata-se de um assunto privado. Eles não se colocam contra o Islã, uma vez que também proíbem as pessoas de andarem com crucifixos grandes ou estrelas de Davi de forma ostensiva. Sei que isso é um assunto polêmico, em função de a comunidade islâmica ser grande, e vem crescendo ainda mais. Ela é vigorosa e influente. Para tentar entender o Oriente Médio, eu estudo, além dos Velho e Novo testamentos, também o Alcorão.
Conheço muitos versículos, e os cito em diversos de meus artigos sobre religião islâmica; e isso para deixar claro que o Islã é absolutamente contra que se faça qualquer maldade, quer a uma pessoa, quer a muitas, como no caso de um atentado terrorista. Como, por exemplo, o seu Capítulo 17, Versículo 33: “Não mateis o seu que Deus vedou matar, senão em legítima defesa”.
Sobre aqueles 19 caras que derrubaram as torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001 – que completará vinte anos no ano que vem – a imprensa disse na época que eram muçulmanos. Eu digo que, em verdade, nenhum deles é muçulmano, porque a religião veda esse tipo de massacre e assassinatos coletivos.
Mas, claro, como todas as religiões no mundo, mesmo as mais pacifistas, quando se reage a uma agressão, têm uma justificativa: legítima defesa. Acontece que, em 17 de outubro de 2020, um checheno cortou a cabeça de um professor francês na periferia de Paris. Imediatamente, a imprensa o classificou como “muçulmano”. Ainda que o fosse, indaga-se: Por que adjetivar uma pessoa pela sua religião? Quando um terrorista ou assassino criminoso comete uma barbaridade e é “cristão” jamais a imprensa coloca, após o seu nome, a sua religião cristã. Então pergunto: Por que ela faz isso com os que se dizem muçulmanos? Seria para reforçar um estereótipo de associar terrorismo com islamismo?
Quero aqui também deixar registrado que muita gente associa muçulmano com árabe. Esqueçam isso, nem todo muçulmano é árabe e nem todo árabe é muçulmano. Está cheio de árabe cristão e árabes judeus. De qualquer forma, como já disse, não há, em todo o Alcorão, nenhuma passagem que diga que muçulmanos devam cometer atrocidades contra cristãos ou judeus. Ao contrário. O Corão prevê exatamente o contrário: que todos os muçulmanos devem proteger os cristãos e judeus.
Na Síria e no Egito, tem uma comunidade judaica, mas é árabe; as pessoas nasceram num país árabe, e frequentam a religião judaica. Não façam mais essa confusão. Árabes são 500 milhões, e muçulmanos um bilhão e 500 milhões. Então, há um bilhão de pessoas na Terra que praticam essa religião e não são árabes.
O terrorista que degolou o professor francês é um checheno. Chechênia é uma província da Rússia, de maioria muçulmana, que reivindica sua separação da Rússia e criar um país. Da mesma forma que ocorre na Espanha, com a Catalunha, a Galícia e o País Basco. Eles também reivindicam desmembrar-se da Espanha. Os chechenos também querem desmembrar-se da Rússia, ainda que, a meu ver, eles não irão conseguir. O governo e o Estado russos não irão permitir. É como se fosse criado um enclave dentro da Rússia. Um país cercado por outro país. Já vimos isso ao estudar a situação do enclave de Nagorno-Karabakh no Azerbaijão.
Esse checheno mora na França e se considera muçulmano fundamentalista. Não pretendo aqui entrar no debate sobre as correntes principais do islamismo: o wahabismo da Arábia Saudita e o salafismo do Qatar. São ambas fundamentalistas. Esses dois países monárquicos árabes usam seus bilhões de petrodólares para propagar a linha das suas correntes. Devemos lembrar que há dois bilhões de cristãos em toda a Terra, mas apenas 1,2 bilhões de católicos. Dentro do cristianismo, temos os luteranos, calvinistas, anglicanos, batistas, metodistas e tantos outros. Estas correntes no Islã são isso: correntes internas de uma mesma religião.
No entanto, tem uma diferença que vale a pena registrar. Se pegarmos uma Bíblia traduzida da época do rei Jaime da Inglaterra, século XVII, e uma traduzida para o português, da época de João Almeida de Portugal – uma outra linha do protestantismo –, ficamos impressionados. Não é a mesma coisa. No Islã não tem isso. No Islã não há diferença de conteúdo. Existem diferenças nos ritos, nas práticas do dia a dia, que, em árabe, chama-se sunna, que é um livro, mas não sagrado, pois apenas é sagrado o livro que é enviado por Deus, como o Alcorão.
Mohammed (Maomé como é conhecido no Ocidente) recebeu os versículos do Alcorão diretamente de Deus. Claro que intermediado pelo anjo Gabriel. A sunna não é um livro ditado por Deus. Estou falando isso do ponto de vista dos muçulmanos, mas não significa que eu esteja de acordo com tudo isso. A sunna traz alguns ensinamentos que foram anotados a partir da observação, das pessoas que seguiam Maomé, do que o profeta fazia. Elas anotavam tudo o que ele fazia. São os ensinamentos de Maomé sistematizados em livro.
É a práxis, a aplicação prática do Alcorão. Desse modo, temos diferenças aí. Em certas linhas são mais enaltecidas algumas passagens do que outras. Bom, o certo é que o Islã condena o ataque. É contra qualquer matança por iniciativa de um muçulmano. O Islã é uma religião de paz. Eu não saberia dizer se esse checheno fundamentalista é wahabista ou salafista. Mas isso não importa, pois ele degolou um ser humano e isso deve ser veementemente punido e condenado.
Isso é um escândalo e se acontecesse no Brasil os jornais noticiariam em primeira página o tempo todo. E a situação ficou ainda pior porque o presidente francês Emmanuel Macron apoiou a atitude do jornal Charlie Hebdo que publicou charges e cartuns ofensivos ao profeta Mohammed, ou Maomé, como queiram, que não é um Deus. É um profeta, diferente de Jesus, que os cristãos consideram Deus e ao mesmo tempo filho de Deus.
Para os que seguem Jesus, os cristãos, ele é um Deus encarnado em um ser humano. Maria, uma virgem, foi o instrumento que Deus usou para trazer, ao mesmo tempo, o pai e filho. Esse é o dogma cristão. Agora, Maomé é – eles dizem – o último profeta. Para os muçulmanos, só existe um Deus: Maomé, o seu último profeta.
Portanto, ofender um profeta, ainda que seja um ser humano, é o que pode ser considerado de pior em blasfêmia. Seria quase que falar mal do próprio Deus. Do ponto de vista dos muçulmanos, não há dúvida de que ele conversou com Deus e que o Alcorão é um livro ditado por Deus. E vem esse jornal sensacionalista – diz exercer sua liberdade de expressão – e publica charges ofensivas contra Maomé. É um absurdo que temos de condenar.
Isso é uma barbaridade. Qual o limite da liberdade de expressão? Deve ser total a ponto de não ofender uma outra pessoa, o que dirá uma religião inteira! A degola e a publicação da charge ocorreram na mesma semana. O que fez Macron, que é imperialista, herdeiro do passado colonial francês, que colonizou uma parte do mundo árabe? Foi a público e deu seu apoio à publicação das charges ofensivas.
Líbano e Síria foram colonizados pela França de 1920 até 1941; são mais de duas décadas. E a Argélia por mais de 130 anos em mãos francesas. São colonialistas! E Macron – evidentemente, nascido muito depois de estes países se libertarem, tornarem-se independentes – falou duas grandes bobagens, que não tiveram muito destaque por aqui, pois a comunidade muçulmana é muito pequena, e o Brasil ainda é essencialmente um país cristão. Então o que acontece em Bangladesh não repercute aqui. Mas em 47 países houve manifestações, em todas as suas capitais, contra este jornal reacionário.
As declarações de Macron que irritaram os muçulmanos franceses foram: primeira, ele defendeu o direito de publicar o que se queira, inclusive essas charges. Isso soou como se ele assinasse, junto com o chargista, o desenho ofensivo; segunda, ele disse, nos subúrbios de Paris, na grande metrópole, que tem um índice elevado de aderentes ao islamismo: “não permitirei o separatismo na França. A França é indivisível”. Nenhum sheik – o equivalente a padre e rabino –, que conduz a reza das sextas-feiras ao meio-dia, disse em momento algum que os muçulmanos franceses queriam se separar da França.
E o separatismo não se dá em lugar nenhum no mundo pelo aspecto religioso, mas sim por etnias. Os catalães, os galegos, os bascos são etnias dentro da Espanha, e têm entre eles as mais diferentes religiões. Sempre consideramos um grande equívoco a comparação entre religiões e povos. Isso não tem sentido. Qual a semelhança de um cristão inglês com um cristão etíope? Nenhuma. O que os une é serem da mesma religião e ponto final. Nada mais.
E Erdogan – que também não é flor que se cheire – rebateu Macron, dizendo que ele deveria fazer um exame de sanidade mental. Em outras palavras, tachou o presidente da França – a 4ª economia do mundo – de débil mental. Macron chamou seu embaixador de Istambul imediatamente. Dentro dos protocolos e normas da diplomacia internacional, esse é o penúltimo degrau da situação de piora das relações entre países. O último estágio é mesmo o rompimento de relações diplomáticas.
Na diplomacia isso é gravíssimo. É de uma simbologia fenomenal. Quando tudo parecia estar se acalmando, na noite de 28 de outubro de 2020, na cidade de Nice, na catedral de Notre Dame, uma pessoa, dizendo-se muçulmana, degolou uma mulher (brasileira, baiana) e matou dois outros fiéis cristãos, que estavam na missa.
Os portais dos grandes jornais no Brasil não deram muito destaque. Não é pelo número de mortos que se mostra a gravidade de um atentado, mas sim por suas circunstâncias. Cresce na França e no mundo a islamofobia, o ódio ao Islã. O Charlie Hebdo é uma verdadeira provocação. É um jornal satírico, de deboche. Não sou contra charges e sátiras ao imperialismo, aos poderosos, à burguesia. Mas fazer charges que ridicularizam os oprimidos, os pobres, é fazer o jogo do opressor.
Segundo eles, também fizeram charge contra Jesus e contra os judeus. Mas, mesmo que tivessem feito, eu também seria contra, pois charges não devem ofender pessoas e religiões. Nunca vi uma charge publicada nesse jornal contra o imperialismo estadunidense ou o francês. Eles poderiam criticar seu próprio país. Tivemos no Brasil, jornais de cunho operário – por exemplo, Movimento e Tribuna Operária –, que criticavam o governo, não o país em si. Em 7 de janeiro de 2015, houve um atentado contra a sede do Charlie Hebdo, no qual morreram 12 pessoas, entre chargistas e funcionários administrativos.
Disseram que esse jornal defende tanto a liberdade de expressão, que ofereceu seus funcionários em sacrifício. Mesmo que eles publiquem charges contra Jesus e os judeus – o que está errado –, nada justificaria essa depravação contra Mohamed. A meu ver, é uma provocação. Suspeita-se que o atentado de 2015 possa ter sido uma false flag, uma falsa bandeira.
O que é uma falsa bandeira? Significa fazer algo para todo mundo acreditar ter sido um determinado grupo, mas é atribuído a um outro grupo. Então, foram lá e fizeram o atentado, mas não eram muçulmanos. Mesmo assim os muçulmanos levaram a culpa. Nunca se provou nada até hoje. Aquele atentado poderia perfeitamente ter sido feito por organismos do Estado francês.
Quando ficou forte o preconceito contra árabes e muçulmanos? A partir de 2001, com os atentados contra as Torres Gêmeas. Das 19 pessoas identificadas como terroristas, 16 eram sauditas. A Arábia Saudita é o centro internacional do financiamento do terrorismo internacional. É a principal aliada dos EUA. Isso apenas mostra que os discursos dos presidentes norte-americanos contra o terrorismo são discursos vazios.
Isso não encontra respaldo nas suas práxis. Eles financiam e apoiam um país que propaga o terrorismo no mundo – a Arábia Saudita – e dizem que lutam contra o terrorismo. A família de Osama bin Laden, saudita, mora no Texas. É uma família da indústria do petróleo. Os Bin Laden são todos amigos da família Bush (pai e filho). A Al-Qaeda, de Osama bin Laden, é um grupo terrorista que age no Afeganistão, na Síria. É um braço internacional do terrorismo.
A Al Qaeda foi criada pela CIA, financiada pelos EUA. A União Soviética, a pedido do governo afegão em 1979, em uma época em que o Afeganistão tinha amplas liberdades e que as mulheres não eram obrigadas a usar o véu, os comunistas do Partido Comunista tinham muita influência, acabou ocupando o país por dez anos. Para alguns, a ocupação do Afeganistão pela URSS é o equivalente à do Vietnã pelos EUA.
Nestes 10 anos, a CIA armou, treinou e ajudou de todas as formas os guerrilheiros mujahedins para lutarem contra a União Soviética. Eles é que criaram Bin Laden, que depois voltou-se contra eles. Esses guerrilheiros eram tratados nos EUA como freedom warriors ou Guerreiros da Liberdade, expressão usada pela imprensa norte-americana.
Depois viraram todos “terroristas”. Cumpriram uma função específica contra a URSS e depois começaram a fazer atentados no mundo inteiro. Saddam Hussein guerreou contra o Irã por oito anos, de 1980 até 1988. E nessa época era elogiado nos EUA, chamado de Presidente Saddam, mesmo não tendo sido eleito. Depois disso, passou a “ditador” Saddam, quando rompeu com os EUA. No entanto, ele ocupou o Kuwait em agosto de 1990, sentando-se em cima de mais de 25% de todo o petróleo da Terra. E então o Ocidente voltou-se contra ele.
Dessa forma, esses terroristas da Al Qaeda são cria da CIA. E então vem o atentado às Torres Gêmeas. Sem entrar no mérito das teorias da conspiração, todas as 19 pessoas identificadas, que sequestraram vários aviões, a imprensa dizia serem muçulmanas. Mas será que não tinha um judeu, um cristão, um budista?
George Bush (Filho) tomou posse em janeiro daquele ano, e estava no governo havia nove meses com a popularidade muito baixa. Lembremos que o atentado ocorreu em 11 de setembro, no mesmo dia em que mataram Salvador Allende, em 1973. E houve, então, a explosão e derrubaram as torres. Sua popularidade cresceu como um rojão.
Ele invadiu o Afeganistão um mês depois. Matou, prendeu, arrebentou, mesmo assim perdeu a guerra. Os EUA terão de sair desse país no ano que vem, quando esse atentado completa 20 anos. Não conseguiram controlar o Afeganistão por inteiro. Mas, fizeram um grande estrago: mataram milhares de afegãos, cujo PIB chegou a U$ 10 bilhões em 2019. Para se ter uma ideia, a pequenina Bolívia tem um PIB de U$ 42 bi.
Eles invadem sob o pretexto de caçar terroristas. Publiquei um artigo na revista Princípios sobre as raízes históricas do terrorismo. A imprensa fez todo mundo chorar por aquelas quase três mil mortes. Não aplaudi, evidentemente, porque somos contra atentados. Redigi um artigo em que indagava quantas crianças morrem por dia em todo o mundo: por volta de sete mil, de doenças tratáveis ou de subnutrição, ou 2,5 milhões por ano. Quem chora por essas crianças? – perguntava eu no artigo. Qual rosto pode ser identificado por essa mortandade? É o capitalismo.
O socialismo não faz isso. É tudo uma hipocrisia. Quando os EUA entram em uma guerra, a popularidade do seu presidente sobe. No caso de 2001, com Bush, foi para 84% de ótimo/bom. Não havia uma guerra dos EUA contra os afegãos. Houve uma agressão. Usamos esse termo “guerra do Iraque”, mas não foi uma guerra, mas sim uma agressão. O Iraque simplesmente não resistiu. Não tinha estrutura para isso. Não contentes com isso, os EUA começaram a dizer que Saddam Hussein tinha arma de destruição em massa, o que jamais foi provado.
Estamos falando em 2001. Mas, em março de 2003, os EUA invadiram o Iraque e o ocuparam com uma força que levou para lá meio milhão de soldados, dos quais entraram no Iraque em torno de 200.000 e derrubaram o governo constitucional. Destruíram a infraestrutura desse país. Desde essa época, morreram 1.500.000 por falta de alimentos ou medicamentos. O Iraque sofreu um bloqueio por 12 anos: de 1991 a 2003. Durante a guerra em si (agressão), morreram mais de meio milhão. Depois disso ainda mataram Saddam. Como mataram Kadafi na Líbia e tentaram matar doutor Bashar na Síria. Mas perderam.
Em maio de 2003, Bush vai para o Oriente Médio e, dentro de um porta-avião, anunciou em uma grande faixa a frase “Missão cumprida”. E, para piorar, ainda usou a frase “Vamos fazer uma cruzada contra o terrorismo”. O termo cruzada caiu no mundo árabe muçulmano como uma bomba, porque remete às barbaridades cometidas pelas cruzadas cristãs dos séculos XI, XII e XIII. Eram movimentos de cristãos fundamentalistas a serviço do Papa, iniciados em 1095 e foram até por volta de 1270, para, segundo eles, tirar os infiéis, que estavam em Jerusalém e ocupavam o Santo Sepulcro, o local onde Jesus teria sido enterrado.
Esse discurso de Bush teve um claro viés antimuçulmano. Um viés religioso. Bush chegou a dizer ter conversado com Deus e que este o inspirou para invadir o Iraque. Ele usou a religião para desenvolver a islamofobia. Mas tem uma grande diferença. Na época, havia preconceito contra os árabes, e contra o Islã era mais secundário. Hoje as coisas se inverteram. Hoje o preconceito maior é contra a religião islâmica e até mais secundário contra os árabes.
Estão agora normalizando as relações com Israel, que caiu como uma bomba no mundo árabe. Sob minha análise, a islamofobia é um preconceito contra esta religião, que é mosaica. Um preconceito contra os praticantes dessa religião, que são os muçulmanos. O cristianismo rompe com a velha aliança e cria uma nova. Mas não jogou fora o Velho Testamento.
O Alcorão criou uma nova aliança. Rompeu com o cristianismo, mas aproveitou tudo deles. Os muçulmanos creem que Maomé, Mohamed, encerra o ciclo profético. Não haverá nenhum outro profeta depois dele. Jesus, para eles, foi um profeta. Adão, Noé, todos são profetas. Maomé é o último, depois dele não virá outro.
Gosto do termo Nova Ordem, porque estudo as novas e as velhas ordens. Quando se constrói uma nova, há uma ruptura com a velha, mas não do dia para a noite, é um período histórico. A primeira nova ordem que eu estudo ocorreu quando as classes dominantes dividiram o mundo entre si, mediante o Tratado de Tordesilhas em 1794, seis anos antes da “descoberta” do Brasil. Mas 40 anos antes disso, a etnia turca havia tomado Constantinopla, em 1453, ocorrendo a queda do Império Romano do Oriente, que durou mil anos a mais que o Império Romano do Ocidente. Nós, sem dúvida alguma, estamos entrando em uma nova era.
São muitos os fatos que nos dizem que uma nova era está chegando, mas ainda não se consolidou. Estudei muitas religiões em minha vida acadêmica e profissional, e luteranismo é a mais radical. Porque Lutero é anterior a Calvino. Lutero era um monge cristão, católico. Em 1517 assinou, na Universidade de Wittenberg, as suas famosas 94 teses, todas de rompimento com os dogmas da igreja católica tradicional. Reza a lenda que ele ficou indignado com a venda de indulgências.
A igreja católica inventou o purgatório. Para nós, materialistas dialéticos, as ideias decorrem da materialidade do mundo. Não é possível que na sociedade escravista alguém pregasse o socialismo. Não é possível que na sociedade feudal tivesse um líder que pregasse o comunismo. O feudalismo estava decadente em 1517.
Nem o novo sistema emergente, que era o capitalismo, havia se consolidado e nem o velho feudalismo havia acabado. Nesses períodos que chamamos de transição, a terra treme. São momentos propícios para grandes revoluções e transformações sociais. Um novo sistema estava surgindo com novas ideias e a Igreja católica não percebe isso. Ela havia parado no tempo e no espaço.
A Igreja defendia contra o lucro e os juros. Mas estava surgindo um sistema favorável aos juros e ao lucro. Lutero estava afinado, ideologicamente falando, com a nova sociedade emergente. Discordo de Weber, quando ele afirma, em seu livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, que os EUA são o que são porque foram colonizados por protestantes e o Brasil é o que é por ter sido colonizado por cristãos. Até porque sou marxista e o desenvolvimento maior ou menor de um povo ou um país nada tem a ver, pelo menos diretamente, com esta ou aquela religião.
Alguns autores colocam o Islã como uma religião socialista. Para o filósofo francês Roger Garaudy, que trata deste assunto, ela seria uma religião socialista porque prega a igualdade, a distribuição de riqueza, é contra os juros e o lucro. O Islã é o último reduto ainda não penetrado pela ideologia capitalista ocidental; mesmo sendo capitalistas, os países árabes e muçulmanos.
O muçulmano tem cinco deveres a ser cumpridos em toda a sua existência. O quinto e último, talvez o mais importante é chamado de Zakat, que é mal traduzido como “esmola”. Na verdade, o melhor significado é o dever de se repartir o que tem, sua riqueza e sua renda, doar 10% de tudo o que se tem todos os anos. E a propriedade privada só pode ser justificada se for produto de seu trabalho.
Os Papas são todos anticomunistas. Bento XVI – Cardeal Ratzinger – afirmou que o Islã teve sua expansão pela espada; e isso irritou toda a comunidade islâmica mundial. É preciso separar o império árabe da religião islâmica. Evidente que os califas eram todos muçulmanos, e protegiam as outras religiões porque está escrito no Alcorão que é dever de todos os muçulmanos proteger os seguidores do livro, que é a Bíblia. Cortar a cabeça de cristãos jamais foi um preceito islamismo.
Dentro do islamismo, há a corrente chamada xiita, com 500 milhões de seguidores. Eles são os que melhor compreendem a luta anti-imperialista neste momento, muito mais até do que muito comunista. Existe uma certa aliança informal, no mundo árabe e na Índia, entre muçulmanos e comunistas. O Islã joga um papel hoje que a Igreja Católica não joga mais. Maomé foi um gênio na política, um gênio militar, um gênio religioso, e um gênio administrativo e de costumes. O Alcorão prevê quase tudo que se pode imaginar. E eles usam a força da religião para tudo. Por exemplo, lavar-se cinco vezes ao dia antes de começar as orações. Um hábito imposto pela religião, mas extremamente saudável.
O Alcorão seria a única religião ditada por Deus. No Novo Testamento há dezenas de passagens que não foram ditadas por Deus, e, no Velho Testamento, não há muitos que falaram com Deus. Moisés, Abraão e não muito mais. Maomé falou diretamente com Deus que, através de seu anjo Gabriel, ditou-lhe os versículos e capítulos do Alcorão. Apenas um pequeno exemplo da genialidade de Maomé: ele proibiu o consumo de carne de porco. Mesmo Maomé não sabendo diretamente a explicação científica desse saudável hábito. Imaginemos comer porco, que é muitas vezes infectado e criado de formas ruins, e poderia significar a morte, ainda mais em um deserto com mais de 45º de calor. Deu certo, não importa a fundamentação. Importa que deu certo.
O Islã foi o primeiro que libertou as mulheres. O Islã garantiu o direito de herança para as mulheres. Karen Armstrong é a melhor autora que estuda todas as religiões. Ela é uma ex-freira. Ela rompeu com a Igreja. Mas ela é respeitadora das três religiões monoteístas e respeitada por eles. Na minha opinião ela tem um pendor muçulmano. Ela retrata bem não só a vida do Profeta, como também a essência do Islã como religião. Ela tem nove livros traduzidos no Brasil e recomendo enfaticamente todos eles.
Cada vez mais, temos de ser tolerantes com todas as religiões. É inaceitável que sejam atacadas, e proibidas, e que sejam ridicularizados seus ícones, líderes e profetas. Temos de respeitar todas as crenças religiosas. Os comunistas são os maiores defensores disso. Por certo, defendemos algo muito maior que liberdade de culto. Defendemos a liberdade de crença, que é muito mais ampla, na medida em que nos dá o direito de crermos e de não crermos, como os ateus e agnósticos.
É imperioso que entendamos o papel particular que a religião islâmica cumpre no mundo, na atualidade, no enfrentamento não só ao imperialismo estadunidense, mas também à penetração de sua ideologia nos povos e nas pessoas de todo o mundo. Preservar a pureza do pensamento islâmico, de seu modo de vida, é muito importante na luta contra a hegemonia estadunidense.
Devemos sim, defender sempre e cada vez mais as mais amplas liberdades de pensamento, de religião, de crença, sem que haja limites nisso. Deve apenas haver um limite, que tem de ser sempre relacionado com o direito de qualquer crença e qualquer pessoa, qualquer religião – não importa seu tamanho nem sua grandeza – ter o seu direito sagrado de culto, de ser exercido livremente, sem ofensas.
* Sociólogo e professor. Atualmente exerce a função de Analista Internacional, sendo comentarista para assuntos internacionais de canais no YouTube, como os da TV 247, da TVT, Outro lado da Notícia, Iaras e Pagus e do Canal Resistentes todos por streaming. Publica artigos nos Portais Vermelho; Brasil 247; Fundação Maurício Grabois; Portal Resistentes e Outro lado da notícia. Recebe correspondência no e-mail [email protected].