O aumento brusco de pesquisa de transtornos mentais no Google durante a pandemia
A pandemia trouxe uma grande insegurança e questionamentos para a população. Buscas sobre transtornos mentais na internet bateram recorde. Os números em 2020 apresentaram uma alta de 98% se comparados aos últimos dez anos, segundo dados fornecidos pelo Google ao jornal O Estado de S. Paulo. “Como lidar com ansiedade e depressão” foram as pesquisas mais utilizadas.
No entanto, na opinião de Christian Dunker, psicanalista do Instituto de Psicologia da USP, o aumento pode estar associado à Covid-19 e à pandemia, mas outros fatores também podem ter contribuído para esse resultado.
Soluções rápidas para não mudar de vida
Ele lembra que faz uns quarenta anos que se convencionou e popularizou que os transtornos mentais não passam de déficit de substâncias químicas no cérebro. “Com isso, a saúde mental independeria da nossa forma de vida, da maneira como falamos, desejamos e trabalhamos”, observa. Como se o estilo de vida e a rotina das pessoas não precisasse mudar, apenas sendo necessário tomar remédios para compensar o distúrbio químico no cérebro.
“Essa desatenção com aquilo que seria o estado anterior à formação de transtornos, o estado de sofrimento e pré-clínico em saúde mental, redundou numa desprevenção, em uma falta de atenção com os cuidados básicos em saúde mental”.
A percepção do sofrimento
O psicanalista diz que isso leva as pessoas a procurar, de forma espontânea, informações de apoio, de práticas terapêuticas, de meditação e relaxamento, práticas corporais, entre outras, para fazer frente a estados de sofrimento mental.
“Mas a fórmula mais transversal, ainda que não valha para todas as condições clínicas, é a partilha do uso da palavra em relação, a capacidade de se escutar e escutar o outro, a capacidade de nomear afetos, de partilhar indeterminações, que deveriam estar mais popularizados como elementos protetivos em saúde mental”, recomenda.
A busca por informações relativas a transtornos mentais e estados de sofrimento, a princípio, é vista positivamente por Dunker. Seria um indicativo da percepção do indivíduo de que há algo errado que pode ser transformado. É mais comum que as pessoas considerem normal conviver com o distúrbio, considerando-o normal ou uma questão de moral ou falta de fé.
No entanto, ele destaca que “a forma como vamos encontrar na internet alternativas muito erráticas para lidar com isso pode expor a pessoa à reprodução daquilo que está induzindo, causando ou estendendo seu sofrimento”. Para ele, é importante que a cultura do cuidado com a interioridade do sujeito seja parte do cotidiano, principalmente daquelas pessoas responsáveis pela atenção com outras, como professores ou profissionais de saúde.
A pandemia e o esforço coletivo
A pandemia acentuou preocupações e, portanto, fez surgir novos sintomas. Assim, pessoas que já possuíam uma vulnerabilidade, aumentaram seu sofrimento depressivo, por exemplo. “Isso ocorre, porque estamos sujeitos, sem muito aviso, a aumentos súbitos de estado medo, de angústia, de luto, de trauma, que, inevitavelmente, têm consequências sobre nossa vida psíquica”, afirmou.
A sanidade mental é difícil, durante esta pandemia, pois não depende apenas da força do indivíduo, mas de uma série de restrições coletivas. Os esforços coletivos surgidos durante a pandemia geraram privação de circulação pública, que envolve como lidar com a interiorização de regras simbólicas.
Outro elemento catalizador de sofrimento mental, na opinião dele, é como estamos reconstruindo o nosso cotidiano, refazendo a nossa forma de vida, dando espaço para situações de convívio, situações de intimidade, de descontinuidade entre prazer, trabalho e família.
“Outro trabalho importante de natureza psíquica é o que estamos fazendo com os nossos lutos, tanto da perda de pessoas, como de ideais e atravessamento de planos”, destaca.
Ele conclui apontando o trabalho de confiança e tomada de risco envolvido na pandemia, que altera todos os âmbitos da vida pessoal de muitos sujeitos. O risco está relacionado com a prudência, as regras sanitárias, que envolvem um reenfrentamento do medo.
Edição de entrevista à Rádio USP