O médico Marcos Boulos, consultor do governo de São Paulo para a contingência da Covid-19, alertou para o uso político do debate sobre a vacinação contra o novo coronavírus. “Não temos vacina pronta no Brasil, ainda, pois a fase três [da Coronavac] vai demorar, e considero arriscado falar em vacinação em dezembro e janeiro, mesmo em São Paulo”, afirmou o infectologista, questionando declarações apressadas do governador de São Paulo, João Dória (PSDB).

As declarações foram feitas, nesta sexta (18), em live do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, que reuniu cerca de 40 comunicadores da mídia alternativa para o debate “Vacina Já! Como reforçar essa campanha?”. O bate papo de jornalistas, em que o portal Vermelho participou, ocorreu com as deputadas federais Luiza Erundina (PSOL-SP) e Jandira Feghali (PCdoB–RJ), e com o deputado federal e ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

 

Conversa de comunicadores discutiu campanha de vacinação contra a Covid-19

O debate teve o objetivo de articular uma campanha conjunta do campo progressista para combater a desinformação e fake news que prejudicam a aceitação da vacinação pela população brasileira, devido ao desestímulo promovido pelo presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

Boulos foi convidado para atualizar o painel sobre as vacinas e o plano nacional de vacinação. Com isso, chamou a atenção para a politização excessiva do debate, assim como para o otimismo injustificado com a iminência de uma vacina. Ele explicou que a Coronavac, como uma vacina de primeira geração (modalidade mais antiga de tecnologia) tem um processo de testagem muito lento. Vacinas como a da Pfizer e da Moderna, de terceira geração, baseadas em RNA mensageiro, apresentam eficácia alta e rápida na população testada.

“Os EUA vão ficar com a maior parte dessas vacinas mais eficazes. Mesmo se tivéssemos acesso a essas vacinas, no curto prazo, não teríamos tecnologia para armazenagem que exige freezers com capacidade de resfriagem a menos de 70 graus, que só existem em alguns laboratórios de pesquisa de grandes centros”, descartou.

Por outro lado, a live destacou a falta de um plano nacional “consistente” de vacinação, a falta de parcerias consolidadas com laboratórios internacionais e problemas de logística como a garantia de milhões de seringas para a vacinação. “Além disso, o presidente diz que não toma vacina, e pronto. E o ministro militar, apresentado como um craque da logística, diz que não sabe porque essa ansiedade com a vacina, ignorando os mais de 180 mil mortos pela doença”, comentou Altamiro Borges, do Barão de Itararé.

Para Boulos, o debate sobre vacinas está contaminado por problemas políticos evidentes. “Não tem vacina no Brasil, ainda, mesmo em São Paulo, pois a fase três demora mais tempo”, reafirmou. Outro aspecto ironizado pelo médico é a ideologização da Coronavac por Bolsonaro e seus asseclas. Ele explica que a vacina da Pfizer também é produzida na China, todos os insumos de vacinas do mundo são chineses. “Os chineses fornecem para os EUA”.

Desde o início da pandemia, em diversas entrevistas ao portal Vermelho, Boulos ressalta que a vacina só estaria disponível do meio de 2021 para a frente. Com o passar do tempo, este prognóstico parece se confirmar.

Acelerar o que é lento, politizar o que é ciência

Boulos participou do desenvolvimento da vacina da dengue, que, depois de anos e investimentos no Instituto Butantan, ainda não está pronta. “O estudo da Coronavac não termina nem em dezembro, tem que passar pela Anvisa e é provável que tenha disponibilidade mais tarde. Acho arriscado falar em dezembro e janeiro”, observou.

Ele ainda citou notícias de que haveria negociação para dois milhões de doses da vacina da Pfizer no Ministério da Saúde. “A Pfizer diz que não tem nenhuma negociação com o Brasil e dois milhões de doses não dá pra nada. Vamos precisar de 400 milhões de vacinas”, enfatizou.

Ele resumiu que a epidemia só acaba com um número significativo de pessoas imunizadas ou a chamada “imunidade de rebanho” de mais de 60%. “Vamos ter que usar essa máscara até o fim do ano que vem”, desapontou.

Ele também considera duvidoso ver o governador João Dória postando conversas com governadores se portando como vendedor de vacinas. “Não sei se ele pode fazer isso. Todas as vacinas do Instituto Butantan são, exclusivamente, do plano nacional de imunização. O Butantan não pode vender vacina”, avaliou.

Três gerações de vacinas

Em seguida a esse alerta, o infectologista explicou que existem três gerações de vacinas, sendo que a Coronavac, originada no laboratório chinês Sinovac, e desenvolvida no Instituto Butantan, com mais perspectiva de atender ao país é da primeira geração. A tecnologia mais antiga utiliza o coronavírus inativado (mortos), o que significa uma enorme segurança, com proteção menor. Ele comparou com a vacina da gripe que garante proteção de 60% e usa o mesmo tipo de tecnologia de vetor.

Na segunda geração estão as vacinas de Oxford e da Rússia (Sputinik V) com utilização de adenovírus de macacos (Oxford), e dois adenovirus humanos (Sputinik V), que oferecem alta proteção, mas também têm testagem demorada.

Na terceira geração, inovadora e considerada a tecnologia de imunização do futuro, utiliza-se RNA mensageiro, quando a genética do novo coronavírus é envolvida em molécula de gordura promovendo imunidade celular. “Essa vacina produz imunidade fortíssima, o que é importante, pois o vírus não é tão imunogênico assim. Como se tem verificado, a reinfecção tem ocorrido em curto prazo, assim o RNA tem chance de causar uma imunização mais prolongada, por fortalecer diretamente a célula”, explicou.

Boulos também afirmou que, “quando a vacina é tão boa”, a diferença entre grupo placebo e grupo vacinado, na testagem, é maior e termina mais rápido. Muito rapidamente se observa a reinfecção no placebo e a imunização do grupo vacinado. Outras vacinas demoram mais tempo para produzir esses dados.

O problema dessas vacinas de terceira geração, do laboratório americano Pfizer, é a baixíssima temperatura em que devem ser conservadas, de -70o. “Estes freezers são de disponibilidade restrita no país, apenas para pesquisa. Não teremos condições de utilizar essa vacina mais eficaz”. Ele ressalta, no entanto, que a vacina de RNA mensageiro da Moderna não demanda tanto frio para conservação. “Mas os EUA vão ficar com a maior parte dessas vacinas mais eficazes, pois financiaram sua produção”, disse.