A tentativa de golpe de Trump e o papel do Legislativo
Não há espaço para dúvidas, tergiversações ou interpretações fugidias: Trump tentou dar um golpe de Estado nos EUA, revelando que a extrema-direita está disposta a tudo para manter seu projeto de poder. O que aconteceu, desde as inúmeras investidas para desacreditar e fraudar a eleição até a invasão do Capitólio, deve ser um sinal de alerta – um amarelo piscante – para o Brasil.
Biden foi declarado vitorioso, mas assumirá em situação extrema, com a democracia abalada. A resposta para resguardar a institucionalidade precisa ser enérgica – a rigor, Trump deveria ser retirado do poder e processado pela tentativa de sedição. Porque se a moda pega…
No Brasil, temos um discípulo dele na presidência. Bolsonaro já demonstrou seu absoluto descompromisso com a democracia e as instituições. Não é de agora. Trata-se de um conspirador vulgar, pior espécime do porão do regime militar, que, devemos lembrar, foi afastado do Exército por seu comportamento insidioso.
Ele já tem preparado o caminho para repetir por aqui o método para solapar a eleição inaugurado nos EUA, como tem bravateado sobre voto impresso. Fomenta teorias conspiratórias para desmoralizar os pilares da democracia, apoiando-se no submundo das redes sociais que as repercutem.
Nessas horas extremas, em que a própria República está em jogo, só uma ampla união das forças políticas e sociais pode conseguir afastar a ameaça golpista. A reação da sociedade, necessariamente, exige a liderança do parlamento, representação primeira da soberania popular.
Nas condições brasileiras atuais, o ponto de convergência a cimentar tal aliança é um programa mínimo que tenha como vértices a defesa da democracia, a vacinação em massa e a garantia de direitos básicos para a sobrevivência do povo.
Barrar a ameaça autoritária, que se tornou ainda mais real a partir do criminoso levante trumpista, é a base da Aliança pela Democracia e Liberdade, que sustenta a candidatura de Baleia Rossi à presidência da Câmara. Manter o parlamento independente do Palácio do Planalto se tornou uma pré-condição para a garantir que a democracia brasileira chegue viva em 2022.
Alguns questionam o papel anterior de certas lideranças, a linha liberal na economia e mesmo a não apreciação de pedidos de impeachment de Bolsonaro. Pois bem, estamos falando de aliança para garantir a sobrevivência democrática, capaz de barrar o fascismo. Nessa situação, não se procuram mais inimigos, não se faz acerto de contas com o passado, nem se pode ter ilusões fora da correlação de forças.
É preciso compromisso com a realidade objetiva – não com abstrações, vontades e diletantismos. A luta agora é dentro do parlamento, com sua lógica e regras peculiares.
Marcar posição por dez minutos em uma tribuna levaria a esquerda a um isolamento de dois anos, com as consequências terríveis de entregar o Legislativo à agenda dos sonhos do bolsonarismo: blindagem total aos crimes da famiglia, armas, excludente ilicitude para assassinos vestidos de policiais, redução da idade penal, Estatuto da Família e todo o tipo de retrocesso civilizatório que querem impor ao país. Mais grave: fortalecimento de Bolsonaro para a eleição presidencial, quando, se vitorioso, ele pretende fechar o regime.
E, fiquem tranquilos, os dez minutos de discurso não seriam suficientes para fazer a agenda ultraliberal, imposta desde Temer, dar refresco ao sofrido povo brasileiro.
Por outro lado, se conseguirmos amadurecer para essa união pontual, podemos impor uma derrota ao inimigo central, ter todos os instrumentos parlamentares para fazer oposição, ocupar melhores posições na trincheira da resistência, erguer uma barricada de contenção contra aventuras autocráticas e, vejam, quem sabe, até opinar sobre a agenda legislativa. Isso significa enfraquecer Bolsonaro para 2022.
Poderão dizer que é exagero comparar o disparate golpista americano e a atual situação brasileira. Foi o próprio Bolsonaro que ameaçou ao dizer que “podemos ter problema pior” por aqui – se o resultado eleitoral lhe for adverso, claro. Alguém é capaz de colocar a mão no fogo sobre a resiliência institucional do País nessa situação?
Tenho tempo de cancha o suficiente para não me dar ao luxo da ingenuidade. Já sou velho para correr, mas estou vivo demais para fugir. Então, o melhor é lutar até o fim.