Pelo imediato fim do bloqueio à Cuba Socialista
Temos duas questões centrais no plano internacional, quando se discute a solidariedade. São elas a causa palestina e a defesa da revolução cubana, sob constantes ataques do imperialismo estadunidense. No caso de Cuba, ela mexe com os nossos corações desde a grande revolução em 1959, cujo desfecho se deu no dia 1º de janeiro, quando Fidel, Che Guevara, Camilo Cienfuegos, Raul Castro, entre outros, tomaram Havana. Este tema toca muito a nós latino-americanos, revolucionários de esquerda. E, Cuba vive um embargo odioso pelos Estados Unidos, que lá eles chamam de bloqueio.
Pretendo neste ensaio semanal de geopolítica mundial, abrir com a questão de Cuba, que conquista a sua independência em relação à Espanha, sendo o último país latinoamericano a se tornar independente, após a guerra que teve início em 1898 com um desfecho em 1902. Os Estados Unidos entram na guerra ao lado de Cuba, contra a Armada Espanhola, que já era um Império em decadência.
Cuba se torna independente, mas vira uma base norte-americana, a partir de 1902. Até 1934 será um protetorado estadunidense, sem nenhuma autonomia. E, instala-se uma base militar por um acordo entre os Estados Unidos e representantes da burguesia cubana, cedendo a região de Guantánamo para a instalação de uma base militar.
Esta base, que em 2022, completará 120 anos de existência, talvez seja a primeira de todas as que os EUA têm espalhadas pelo mundo (fala-se em mais de mil). Esse acordo foi chamado de Emenda Platt. Estamos falando da mais longa ocupação militar que os Estados Unidos já fizeram (1902-1932), desde que se tornaram independentes, em 1776. Em Cuba, digamos assim, foi uma ocupação consensual.
A ocupação do Afeganistão, em outubro de 2021, vai completar 20 anos, dentro de um desgaste fenomenal de conflitos, guerras e guerrilhas. O que não houve em Cuba, onde houve uma ocupação, sem resistência dos locais, nem armados, nem desarmados. Além de ser a ocupação mais longa, ela é diferente da que ocorre no Afeganistão que, provavelmente, deve ter um desfecho nos próximos meses. No primeiro governo Biden, com certeza, os Estados Unidos deverão se retirar do Afeganistão.
De 1934 em diante, os EUA aceitam se retirar de Cuba, com um governo local com uma certa autonomia. Eles se retiram, permanecendo apenas na base de Guantánamo, que não é apenas uma prisão, esta é parte de uma base militar. A prisão de Guantánamo é muito recente, este ano vai completar 20 anos, foi construída durante o governo Bush filho, que tomou posse em 2001.
Ninguém, até hoje, conseguiu desmontar Guantánamo. Obama prometeu, mas não o fez e Trump não fez grandes movimentos nesse sentido. Biden prometeu que vai desmontar, mas não fala de imediato. Obama prometeu que desmontaria assim que tomasse posse. Assumiu em janeiro de 2009, passou oito anos e não conseguiu mexer na base.
Na prisão de Guantánamo estão pessoas que os EUA consideram inimigas do país, mas que não podem ser julgadas com base nas leis internas dos Estados Unidos. Essas leis, por exemplo, não admitem tortura. Enquanto na base, torturam-se presos das piores formas possíveis. Aqueles que se dizem defensores dos Direitos Humanos são torturadores. A CIA tem até cartilha de como levar o preso ao limite de sua resistência, sem que ele morra.
Esta nova situação, de relativa autonomia do governo local, compreende de 1934 até 1959, quando ocorre a revolução. No que Cuba se transforma nesse período? Muito mais do que um quintal, será uma espécie de “prostíbulo” dos Estados Unidos, onde os ricaços iam passar os finais de semana, apostar nos cassinos. Las Vegas, fundada em 1902, não era ainda o que é hoje e o destino dos ricos norte-americanos era Havana. Era uma nação completamente subjugada ao imperialismo estadunidense.
Isto só vai mudar com a revolução, que não foi, originalmente, socialista. Fidel e seus companheiros não eram ainda imbuídos da ideologia comunista. Não tinham ainda todo acesso ao conhecimento do marxismo-leninismo. Isto vai acontecer nos primeiros anos do processo revolucionário. Era uma revolução popular, patriótica, anti-imperialista, mas não socialista.
Os Estados Unidos têm parte de culpa de empurrar Cuba para o bloco soviético e para o socialismo. Mas, isso não foi de imediato. Cuba esteve na Assembleia das Nações Unidas entre 1959 e 1960, mas a crise e o rompimento vão se dar num processo. Existem reportagens no jornal The New York Time que cobriu a visita de Fidel à Nova Iorque e a visita de Che Guevara à ONU.
Os EUA, parece, que apostaram para ver até onde iria o processo cubano e, num determinado momento, perceberam que perderam o controle e passaram a fazer uma oposição muito forte que depois, viraria bloqueio econômico e oposição a todo processo da revolução.
Fidel autorizou que a União Soviética instalasse alguns mísseis na ilha. Havana dista 130 Km de Miami. Nem precisariam mísseis muito sofisticados para atingir os Estados Unidos. O imperialismo considerou essa atitude uma provocação. Em 1961, de 15 a 20 de abril, os cubanos exilados em Miami que, lá em Cuba, o pessoal chama de ‘gusanos’ e com apoio dos EUA, tentam uma invasão fracassada na chamada Baia dos Porcos.
A grande pergunta que fazemos hoje é: Joe Biden vai suspender ou amenizar o bloqueio a Cuba? Ou, pelo menos, vai retornar ao que Obama deixou em 2016? Obama fez algumas coisas em relação ao que era, ele deu alguns passos, mas ainda muito insuficientes. O bloqueio começou em 19 de outubro de 1960. A crise dos mísseis foi em 1962. Foram 13 dias (16 a 28 de outubro) que, pela primeira e única vez, o mundo esteve à beira de um conflito nuclear.
O bloqueio, que os EUA chamam de embargo, foi total para tudo, menos para importações de remédios e alimentos. No ano 2000, último ano do governo Clinton, quando passaram-se 40 anos de bloqueio, começaram certas distensões. No entanto, entre 1902 e 2000, foram estabelecidos seis estatutos, que só pioraram o embargo.
E, dessas seis, quatro são leis, aprovadas pelo Congresso. Listo a seguir esses estatutos jurídicos: 1. Lei do Comércio com o inimigo de 1917; 2. Lei de assistência externa; 3. Regulamento do controle dos ativos cubanos de 1963 (Cuba nacionalizou tudo, expropriou propriedades da burguesia e os EUA nunca aceitaram isso; por isso eles têm um setor que só cuida desses ativos, eles ainda têm esperança de verem devolvidos para a burguesia estadunidense); 4. Lei da democracia cubana, de 1992. No último ano do governo do Bush (pai), que perderia a eleição em novembro desse ano para Bill Clinton, essa lei que dizia que enquanto Cuba não voltasse à “democracia” (no modelo deles) o embargo não seria suspenso; 5. Lei Helms-Burton, de 1996. Essa é a lei mais draconiana de todas, sob governo Clinton, que leva o nome de seus autores, Jesse Helms (Republicano de Carolina do Norte) e Dan Burton (Republicano de Indiana). Esta lei fere o direito internacional. Ela aplica o que os especialistas em direito internacional chamam de extraterritorialidade. Qualquer lei aprovada em um parlamento nacional só pode valer para esse país em que foi aprovada. Ela dizia mais ou menos assim: “qualquer navio de qualquer bandeira que ancorasse em porto cubano levando ou pegando mercadorias cubanas, ficaria proibido de ancorar em qualquer porto dos EUA”. Uma lei absurda, mas que está em vigor até hoje; 6. Lei de Reforma das Sanções Comerciais e de Melhoria das Exportações de 2000. Nesse último ano do governo Clinton, percebemos que ele passa a autorizar vendas de produtos chamados humanitários a Cuba, só alimentos e medicamentos.
Podemos dizer que o último ano do governo Clinton foi uma tentativa de diminuição do embargo. Depois de 40 anos, de 2000 a 2020 houve altos e baixos. Por que essa preocupação da maior potência mundial, por que o medo e o ódio figadal a uma pequena ilha de 12milhões de habitantes que não tem bombas, não tem mísseis?
Sempre dissemos que os EUA exportam soldados para o mundo inteiro e Cuba exporta médicos. As Brigadas Médicas “Henry Reeve” concorrem ao Prêmio Nobel da Paz. A ELAM, Escola Latino-americana de Medicina, que tem 10 mil estudantes matriculados, dos quais 500 são dos Estados Unidos. Estudam de graça, moram no campus, ganham uma bolsa de estudos. Eles se formam e vão trabalhar na periferia de Nova Iorque, de Chicago etc.
Cuba tem esse modelo e projeto. Do momento em que você nasce, até o momento em que você morre, você é protegido pelo Estado cubano em tudo, na saúde e na educação, desde a pré-escola até o pós-doutorado, é tudo público e gratuito, do Estado. O que assusta os EUA? O que os assusta é, justamente, este modelo que não pode continuar existindo como se fosse um exemplo para o mundo, por isso, tem que ser liquidado.
Obama deu alguma contribuição para distensionar? Deu. Em 17 de dezembro de 2014 (segundo ano do segundo mandato), Obama anuncia a disposição de reatar as relações diplomáticas com Cuba. A embaixada nunca chegara a ser fechada. Havia o que eles chamam de encarregado de negócios. Em 11 de abril de 2015 ocorre o primeiro encontro com Raul Castro. Ele garante uma série de benefícios comerciais e legais que vão afrouxando o embargo.
Finalmente, em 25 de março de 2016 Obama visita a ilha. Descendo com seu avião presidencial (Air Force One), aperta a mão de Raul Castro pela segunda vez. Há troca de prisioneiros. Em troca, os últimos três, dos cinco cubanos que atuaram nos Estados Unidos para averiguar a ação dos terroristas anti-Cuba, que havia na região de Miami.
Há um livro sobre esse assunto: Os últimos soldados da Guerra Fria, de Fernando Moraes que eu recomendo, sobre os cinco herois cubanos. Virou filme: Rede de espiões, muito bem-feito, mas não achei fiel ao livro, mas vale a pena assistir.
Tudo caminhava para um distensionamento e uma melhoria, só que em 2016, último ano do governo Obama, ele apoia Hilary Clinton para a sucessão, ela ganha no voto popular, mas perde no Colégio Eleitoral para Trump. Foi um dos cinco casos naquele país que um candidato/a ganha no voto e perde no colégio. Assim, no dia 16 de junho de 2017, seis meses depois de sua posse, Donald Trump anuncia o retrocesso, o recuo em tudo o que Obama fez com relação à Cuba.
Não será com uma ordem executiva ou com uma canetada que Joe Biden vai suspender o embargo e que tudo será revogado. Há leis que preveem o embargo. Se Biden não fizer novas leis, não será revogado. Se ele não fizer isso, essas leis continuam em vigor. Só uma nova lei substitui as anteriores. É, portanto, uma luta muito difícil.
No último dia 17 de fevereiro, todas as embaixadas e consulados dos Estados Unidos no mundo inteiro receberam cartas e documentos de entidades de solidariedade a Cuba, entidades de Direitos Humanos, exigindo que Biden suspenda o bloqueio. Quem coordenou este movimento aqui no Brasil foi o Cebrapaz, entidade de luta e solidariedade à paz mundial, hoje presidida pelo deputado Jamil Murad, do PCdoB, camarada dos mais combativos.
Creio que Biden poderá voltar ao patamar que Obama deixou. Isto é possível e na minha análise, aposto nisto. O clamor é muito grande. Na ONU – desde 1992 – 29 anos portanto, a Assembleia Geral, aprova Moção pelo Fim do Embargo. A assembleia Geral é recomendatória e não decisória, diferente do Conselho de Segurança.
Na Assembleia Geral de 2014 da ONU a votação atingiu 188 votos a favor do fim do embargo, sendo três abstenções, que são aquelas micro ilhas no Pacífico (Micronésia, Palau e Ilhas Marshal) e apenas dois votos contra: Estados Unidos e Israel. Lembrando que a ONU tem 193 países membros.
A partir de 2019 e no ano passado, em 2020, o nosso Brasil passa a votar com os Estados Unidos. Uma vergonha para o nosso país, que sempre teve uma política externa desenvolvimentista, emancipacionista, inclusive na época da ditadura. Para termos uma ideia disso, durante o governo Geisel, a independência de Angola, ocorrida em 1975, o Brasil reconheceu a sua independência antes mesmo dos Estados Unidos.
O Brasil vivia uma política externa muito progressista. O ministro das Relações Exteriores era o embaixador Azeredo da Silveira que, não era um Celso Amorim, mas respeitava e apoiava os movimentos de independência, os tratados. Hoje o Brasil é um Estado subordinado aos EUA. Agora, trocou o presidente norte-americano, mas seguimos fazendo uma política externa ideologizada e subordinada.
A seguir, passo a registrar os temas mais importantes sobre geopolítica mundial que ocorreram e os comento neste ensaio.
1. Sobre o Oriente Médio
1.1. Vacina
Israel é hoje o mais adiantado em termos de imunização de sua população (fala-se em mais de 70%). Mas, lá não vivem só israelenses, judeus. Têm os palestinos, cerca de 1,5 milhão sem vacina. E os palestinos da Cisjordânia, que não é considerado Israel, é considerada Palestina, que é o que restou da Palestina Histórica, no máximo 10%. E, mesmo assim, na Cisjordânia tem 200 colônias, assentamentos judaicos. Nessa região moram pelo menos cinco milhões de palestinos que também não têm vacinas. As poucas que a Autoridade Palestina-ANP conseguiu, Israel proibiu a entrada.
Não bastasse que o mundo não será vacinado, os pobres não serão vacinados, temos o impedimento por parte de Israel que as vacinas cheguem. É obrigação de Israel, como Estado ocupante da Palestina vacinar, não só os cidadãos árabes-palestinos, que têm cidadania israelense, mas os cinco ou seis milhões na Cisjordânia. Israel tem responsabilidade.
Os palestinos não emitem moeda, usam na Cisjordânia a moeda israelense. Os produtos que os palestinos consomem no dia-a-dia, são, na maioria, de fabricação israelense. É a ocupação moderna mais antiga, desde 1948, Israel ocupa ilegalmente as terras palestinas. E, agora, impedem os palestinos de serem vacinados. É um genocídio.
1.2. Irã
Desde que tomou posse, Biden vem sendo ameaçado por Israel. A mais importante é se eles voltarem ao acordo nuclear com o Irã, Israel diz que vão atacar esse país. Isto é um absurdo e não saiu na mídia brasileira. Os estudiosos de política internacional chamam Israel e outros países que não seguem o Direito Internacional de Estado Bandido, Estado Pária, que é o que Israel é e que o Brasil está se tornando, por eles não acatarem as orientações e decisões multilaterais tomadas pelo conjunto das Nações Unidas.
Acho que Israel não conseguiria atacar o Irã. Tecnicamente falando, para você bombardear qualquer ponto no Irã, especialmente as usinas nucleares, que eles querem destruir, precisariam sobrevoar dois países que não autorizam o uso de seu espaço aéreo por Israel, que são exatamente a Síria e o Iraque. Assim, eles teriam que dar uma volta muito grande pelo Mediterrâneo e não há autonomia para os seus jatos irem, bombardearem e voltarem sem reabastecer. Eu duvido, por exemplo, que a Turquia, a base de Incirlik, eles autorizariam o reabastecimento. A Turquia que está se afastando, de certa forma, desse campo mais ocidental e se aproximando da China.
A China, o Xi Jinping, atuando quietinho, está se aproximando da Turquia, do Irã, que são países muçulmanos de grande importância. Sem falar da própria Síria e, apesar de ser um país de 20 milhões de habitantes, não é um Egito que tem 90 milhões. O Irã também tem 90 milhões de habitantes. O tamanho de uma população importa. A Síria é presidida por um dos maiores chefes de Estado no mundo hoje, estadista, que é o Dr. Bashar al-Assad. Mas, é um pais de apenas 20 milhões de habitantes, quase que inteiramente destruído. Este ano completa 10 anos de ataques terroristas de fora para dentro.
Supondo que Israel consiga, tecnicamente, fazer este ataque, a resposta do Irã será imediata e na mesma proporção que é o que o direito internacional permite, o revide no mesmo grau e na mesma intensidade. E o Irã hoje tem mísseis que atingem raios de 10 mil km, que engloba todo território israelense, que é a Palestina.
E, a outra ameaça de Israel: Netanyahu no final do seu governo (mês que vem ocorrerá eleições em Israel, a quarta em dois anos) ameaça também o Líbano. Nethanyahu formou um governo muito frágil com Benny Gantz. Fez um acordo e conseguiu uma maioria parlamentar momentânea, mas já se dissolveu o governo, já implodiu tudo, não tem mais unidade entre eles. Então, no final do seu governo, o Nethanyahu está ameaçando os Estados Unidos, se atacar o Irã. E, agora, ameaça o Líbano. Qual foi a ameaça que ele fez?
Chegou aos ouvidos da resistência libanesa, que Israel vai atacar aldeias libanesas e é onde só tem civis, não tem posto militar, não tem exército, não tem núcleos da resistência do Hezbollah, que é um partido político que tem ministros, tem deputados, mas tem o seu braço militar, que é a resistência libanesa, ao sionismo, à tentativa de Israel de invadir pelo Sul do Líbano. Porque Israel faz fronteira com o Líbano: Norte de Israel, Sul do Líbano.
Tem ainda um trecho da região chamado as Fazendas de Shebaa que tem 10 km que ainda estão ocupadas por Israel que está presente ali. A guerrilha israelense também. Israel afirma que, nessas aldeias, têm escondido em algum lugar embaixo da terra ou em galpões, estão os mísseis do Hezbollah, prontos para ser disparados contra Israel.
Israel se dá ao direito de atacar estas aldeias e matar civis. Tive acesso à tradução do último discurso do Sheik Sayed Hassan Nasrallah proferido no dia 16 de fevereiro de 2021. Este resumo, que eu recebi, o discurso dele foi muito grande, ele diz o seguinte: “se isto acontecer, Israel receberá uma resposta na mesma proporção, nas pequenas cidades”, lá não chama aldeia, em Israel, são pequenas cidades, e eles também ameaçam os chamados assentamentos judaicos, na Cisjordânia.
Eles têm mísseis direcionados, com erro de cinco metros. Tem assentamentos na Cisjordânia, onde moram mil famílias judaicas. São 200 mil famílias morando, mais ou menos, em 120 ou 150 assentamentos dentro da Cisjordânia. Então, se Israel cumprir esta promessa aí alguns analistas dizem que isso pode ser uma escalada do início de uma guerra regional que não acontecia desde 1973. Que foi aquela em que Israel cruzou o Canal de Suez, os árabes começam ganhando a guerra, chamada de Yom Kippur, mas depois, Israel consegue reverter. Então, essa é uma possibilidade.
1.3. Os ataques em Erbil
A região do Noroeste do Iraque chama Erbil, onde tem o aeroporto internacional que é muito importante. É uma região chamada Curdistão iraquiano. Curdistão é uma região que um dia a etnia curda sonhou em ter.
Acabada a primeira guerra mundial, eles tiveram a esperança de ter o seu país e o imperialismo decidiu não criar. Eles são 30 milhões de pessoas, têm língua própria, mas falam o árabe como segunda língua e eles estão espalhados pelo Iraque, Síria, Turquia e Irã. É muito parecido naquela região com os assírios, que são meus ancestrais. Esses povos foram todos arabizados, por causa do império árabe. Então, o árabe é a língua corrente. O assírio tem a língua deles também que é o aramaico, os curdos têm sua língua, mas todos falam o árabe.
Na semana que passou ocorreram ataques de misseis no aeroporto internacional de Erbil, onde estão concentradas, ainda, quatro a cinco mil tropas dos Estados Unidos. Então, esses não deixaram totalmente o Iraque desde a invasão de 2003 e, portanto, a presença militar dos Estados Unidos no Iraque este ano aqui completará no mês que vem 18 anos. Eles chegaram a ter 200 mil soldados ocupando o Iraque. Aí foram saindo aos poucos. Mas nunca deixaram totalmente o país.
Obama, em janeiro de 2009, quando tomou posse, a campanha dele foi feita prometendo retirar as tropas do Iraque no dia da posse. Demorou três anos e só em 2012 ele começa a retirar. Deixou ainda cinco mil soldados por lá. O Trump, fez campanha também em 2016, dizendo que iria retirar as tropas da Síria e do Iraque. Ele não retirou, passaram-se quatro anos e não retirou.
E aí, a resistência iraquiana, um grupo guerrilheiro chamado Khataibe Hezbollah, que é um braço do Hezbollah Libanês, que atua no Iraque, realizou os ataques com os mísseis. Eles têm mísseis e atacaram o aeroporto, atacaram as fortificações dos Estados Unidos, causando muitos danos, muitos feridos e, duas mortes. Isso tem um significado, porque, imediatamente os Estados Unidos apontam o dedo para quem? Para o Irã. Não foi o Irã quem fez os ataques. Foram os guerrilheiros iraquianos que querem expulsar os Estados Unidos do seu território. E, têm toda a legitimidade.
O parlamento iraquiano, no dia 7 de janeiro de 2020, quatro dias depois do assassinato do general Qasem Soleimani, aprovou, por unanimidade, a retirada das tropas dos Estados Unidos do Iraque. Os Estados Unidos não cumpriram, sob o governo Trump. Biden cumprirá isso? Biden retirará as tropas do Iraque, da Síria? Eu não tenho uma resposta para isso, mas a expectativa é que sim, retirará, mas não temos certeza.
2. Tensões entre Rússia e União Europeia
Houve esta semana um novo entrevero entre União Europeia e a Rússia, que tem ainda o segundo maior arsenal nuclear do mundo. A UE ameaçou romper relações com a Rússia. Acho um blefe, igual Israel blefa contra o Irã e contra o Líbano, porque, se fizerem isso que estão falando, vai ficar muito tensa a situação na região. A UE não tem essa capacidade, porque existe um grande comércio bilateral entre o bloco que funciona como se fosse um país único e a Rússia. A União Europeia depende de muitos produtos da Rússia, em especial do gás, produzida pela Gazprom.
Serguei Lavrov, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, deu entrevista dizendo que o rompimento já vem acontecendo de certa forma, porque a UE não tem autonomia e é serviçal dos Estados Unidos. Eles cumprem aquilo que os EUA determinam. Não tem autonomia, não é um polo, apesar de ter uma moeda diferente do dólar. Não tem exército próprio.
A Europa, como um todo, é um Continente ocupado militarmente pelas tropas da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que foi formada para enfrentar a URSS, que tinha o seu Pacto de Varsóvia e, em 1991 acabou a URSS e o Pacto, mas a OTAN não acabou. Ao contrário. Nesses 30 anos ela está cada vez mais forte. Ela ocupa toda a Europa. Mudou seus estatutos em 2010 dizendo que essa força militar pode ser acionada fora da Europa. Isto aconteceu em 2011, no ataque à Líbia, que Kadafi tinha unificado, voltou a ser um país dividido em três pedaços: Fezã, Tripolitânia e Cirenaica. Hoje estão todos brigando entre eles. A Líbia foi destruída e mataram seu presidente. Mataram o presidente Saddam Hussein. Tinham como objetivo também matar o Dr. Bashar Al- Assad. Mas não conseguiram.
A OTAN deu uma declaração dúbia esta semana em relação à Rússia: que nós estamos dispostos a cooperar e trabalhar em harmonia com a Rússia, mas também, estamos preparados para o contrário. O contrário de trabalhar juntos é brigar. Ou seja, a OTAN dá uma declaração dúbia, quase que em tom de ameaça à Rússia.
E, o Lavrov que é hoje o Celso Amorim russo, se não for o melhor ministro das relações exteriores do mundo hoje está entre os melhores do mundo. Lavrov claro, falando em nome do presidente russo, Vladimir Putin, enfrenta duramente estas posições equivocadas da União Europeia e da própria OTAN.
3. China
Há um registro a ser feito em relação à China e eu não poderia deixar de fazê-lo, que foi a declaração do secretário-geral da ONU, António Guterres, ligado ao Partido Socialista português. Ninguém chega ao cargo de secretário-geral da ONU, sem as bênçãos dos Estados Unidos. Não quer dizer que ele seja serviçal dos Estados Unidos como outros foram, anteriores, como o coreano Ban Ki-moon e mesmo Kofi Annan, ganês. Esses caras são pró Estados Unidos. Guterres têm uma certa Independência.
Ele deu uma declaração muito positiva em relação à China nesta semana que foi a seguinte: “quero aqui parabenizar a República Popular da China pelo seu apoio e pelo seu compromisso com o multilateralismo”. E isso é um bom sinal. Isto é um prêmio para China que apoia o multilateralismo, como a Rússia apoia. O Brasil não apoia.
O que é multilateralismo? Não devemos confundir multilateralismo com multipolaridade. Nós queremos o mundo multipolar, onde existam vários polos e não um só como é hoje. O mundo ainda é praticamente unipolar. Os Estados Unidos mandam, como se fossem o xerife do planeta. Isto está mudando. É uma transição para a multipolaridade, mas a multipolaridade não se consolidou, não chegou ainda.
Multilateralismo é fortalecer as instituições das Nações Unidas que são multilaterais. O que são essas instituições? A Organização Mundial do Comércio, Organização Internacional do Trabalho, Organização Mundial da Saúde, a FAO (alimentação), a OIT (trabalho), a Unesco (educação), a Unicef ( criança e infância) entre outros. São órgãos multilaterais. O Conselho de Direitos Humanos da ONU tem 53 países membros, dos 193.
Os Estados Unidos decidiram voltar para esse Conselho, e foi positiva essa decisão. Só que os Estados Unidos são membros de todas estas organizações, que são eleitas na Assembleia Geral, são membros destas instituições multilaterais. E, o voto nestas instituições é um voto por país. Então, o voto dos Estados Unidos tem o mesmo peso do voto da Micronésia, do Principado de Mônaco, da Ilha de Malta, e de Cuba. E, os Estados Unidos perdem tudo, praticamente, eles não ganham nenhuma votação nesses organismos multilaterais.
Quando eles fazem o consenso, não tem problema, nem votação é preciso ocorrer, quando ocorre a unanimidade. Mas, quando eles vão para o enfrentamento, eles perdem tudo. Por isso, eles não gostam dessas organizações.
O Brasil segue esta linha. O Brasil é a favor de acordos bilaterais entre países e não acatar o multilateralismo das Nações Unidas. Até onde sabemos, o Biden é multilateralista e isso é positivo e temos que registrar. Ele já voltou para o Clube de Paris, que é o acordo do clima e voltou para a OMS. Então, isso de o secretário-geral da ONU elogiar a China pelo apoio ao multilateralismo é um aspecto positivo.
4. Tensão no Mar do Sul da China
Semana passada já registramos, estamos presenciando dois porta-aviões navegando lado a lado, coisa que aconteceu poucas vezes nos últimos 50 anos. O porta-aviões Nimitz, que saiu do Golfo Pérsico onde é a sede da V Frota lá na ilha do Bahrein, um país insular, árabe. Ele saiu de lá, passou pelo Estreito de Ormuz, contornou o Índico, ali na Costa da Índia e entrou no Pacífico e se juntou à VII Frota naval dos Estados Unidos, que é a frota do Pacífico. Tem-se agora duas frotas no Pacífico. Esta que fica no mar do Sul da China, ali na costa Oeste dos Estados Unidos.
O que significa cada frota naval dessas? Cada uma tem uma nau capitânia que é um porta-aviões nuclear que transporta 90 aviões e seis mil marinheiros. Essa frota tem ainda mais 10 navios, chamado de grupo de escolta (escort group), destroier, contratorpedeiros e submarinos. Esse porta-aviões da VII Frota, é o Theodore Roosevelt (não confundir com Franklin, que jamais daria o nome para um porta-aviões, porque a turma do establishment dos Estados Unidos, não gosta muito do Franklin).
Mas tem uma situação pior: alguns navios dessas frotas entraram em águas territoriais chinesas, do mar territorial da China, ao lado das ilhas Spratly e das ilhas Paracel. Estas Ilhas são chinesas, reconhecidas pela ONU e pelo tratado das leis internacionais da navegação. E, a ilha sendo chinesa, todo mar territorial até 200 milhas é um mar chinês. É mar territorial exclusivo chinês, zona exclusiva.
Esses navios – um deles chama-se Russel e o outro, John McCain, dois destroieres, um na Spratly e outro na Paracel. A Marinha chinesa deu o alerta: você está em águas territoriais chinesas, tem que sair imediatamente. Eles não estão saindo e quando você não sai, pelas convenções internacionais, o país detentor da soberania pode atacar. A mesma coisa ocorre quando o espaço aéreo é invadido. Um caça chinês emparelha e alerta: você está no espaço aéreo chinês, retire-se imediatamente. O piloto do navio e do avião, a mesma coisa, se não cumprir a ordem existe autorização para ele ser abatido.
Isso nunca aconteceu, mas fica tensa a situação. Isto se chama provocação e esses destroieres da 5ª e da 7ª frota não estão acatando a ordem de saída. Eles dizem – e isso é propaganda estadunidense – que eles estão ali para garantir o direito da aplicação das leis internacionais do tráfico marítimo. Mentira! Estão ali para pura provocação e elevar a tensão.
Eu lamento que esteja acontecendo na gestão Biden. A ordem para deslocar o porta-aviões do Golfo para o mar do Sul da China, evidentemente, foi dada pelo presidente Joe Biden. O seu ministro da Defesa, o Lloyd Austin, ele não tomaria uma decisão dessa envergadura sozinho.
Acho que até que o Conselho de Segurança Nacional dos EUA nem foi ouvido. Então, não sabemos o que pode acontecer, mas tudo isso são situações que, infelizmente, levam o mundo a um grau de tensionamento que não é desejável por todos.
1. Quem quiser assistir pode clicar neste link: <https://bit.ly/3uodN75>.
2. Contatos podem ser feitos pelo e-mail [email protected].
* Sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor e autor de 14 livros, pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TV dos Trabalhadores, da TV 247, do Canal Outro lado da notícia, do Canal Iaras & Pagus, do Canal Rogério Matuck, do Canal Contraponto, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Grabois, Brasil 247, Outro lado da notícia, Vozes Livres e Vai Ali.