Só há um caminho: ciência e inovação. Não às trevas. Não aos vetos do FNDCT
No final de 2020, o Congresso Nacional aprovou, por expressiva maioria, o Projeto de Lei Complementar nº 135/20, que altera o funcionamento do FNDCT. Além dessa maioria rara no Congresso, o texto recebeu apoio da comunidade científica brasileira e do empresariado nacional, preocupados com a desindustrialização acelerada do País, com o desmonte das políticas de Pesquisa e Desenvolvimento e com a estagnação completa da inovação em processos e produtos, situação em que o FNDCT é certamente, o único instrumento financeiro para reverter, caso os vetos do Presidente Bolsonaro sejam derrubados.
É responsável o FNDCT, como instrumento financeiro e contábil, pelo ingresso do Brasil na era do conhecimento, tornando-se a base para a construção do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), estratégia que se tornou robusta nas décadas seguintes, sendo responsável pela formação qualificada de recursos humanos, bem como, pela criação de instituições de pesquisa nacionais.
Sistema Nacional este, que tem como agências centrais o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), voltadas ao fomento e à concessão de bolsas para formação de pesquisadores no país e no exterior, ambas criadas em 1951 e que colocaram a produção científica brasileira entre as maiores do mundo.
Sistema Nacional este, que ampliou resultados, desde a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) em 1961, estimulando a criação de Fundações de Apoio para financiamento de pesquisa básica e aplicada, hoje presentes em quase todos os Estados brasileiros.
Sistema Nacional este, que fortaleceu a política de CT&I com a criação da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), em 1967, agência brasileira de inovação que substituiu o FUNTEC (programa do BNDE), tornando-se responsável pela articulação institucional com outras áreas de governo.
Sistema Nacional este, que em 1985, com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia MCT, ganhava status de política de Estado, tendo a FINEP como Secretaria Executiva de seu principal fundo de fomento e financiamento. Concomitantemente, fortalecia o fomento à formação de recursos humanos, pela articulação sistêmica entre o CNPq e a Capes do MEC, as unidades de pesquisa e a relação com as Fundações de Amparo às pesquisas estaduais.
No entanto, a partir de 2016, temos vivenciado um desmonte sem precedentes do Sistema Nacional, com enorme comprometimento nas atividades de educação, ciência, tecnologia e inovação, o que levou o país a um retrocesso jamais visto no cenário nacional. Os investimentos em CT&I denunciam o desmonte intensificado em 2018, quando comparativamente foram gastos R$ 17,5 bilhões, valor assemelhado ao de 2010 (R$ 17,2 bilhões)1, ano único em que 100% dos recursos do FNDCT foram executados. Corrigidas pelo IGP-M (FGV) as despesas em 2018 deveriam ser de R$ 27,2 bilhões, 55,4% maiores que em 2010.
Somente em 2020, com a aprovação do PLP 135, sancionada como Lei Complementar nº 177 de 2020, surgia e esperança de recomposição do Sistema, o que poderia estimular o resgate econômico e social do Brasil. Porém, contrariando a vontade da ampla maioria no Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro vetou os dois principais dispositivos da nova Lei, regras que permitiriam o ressurgimento da Ciência brasileira, retirando-a da insignificante participação orçamentária que se acentua a cada ano.
O primeiro dispositivo vetado (novo § 3º do art.11 da Lei do FNDCT – 11.540/07) impedia que fossem incluídos na Reserva de Contingência – RC, primária ou financeira, os recursos do FNDCT. Como RC entenda-se dotação global orçamentária sofismática (Decreto-Lei nº 1.763/80) que separa e esteriliza valores financeiros para garantir o pagamento de juros e amortização da dívida pública contraída pelo governo com o sistema financeiro e bancos, conforme esclarecido – mesmo que de forma envergonhada e enrustida – na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, art. 5º, III), que reclassificou a Reserva como sendo “destinada ao … atendimento de passivos contingentes e outros riscos fiscais imprevistos” (grifo nosso). Ou seja, reserva financeira para garantir que os recursos de CT&I não possam ser usados em sua real finalidade, mas para o pagamento da especulação e de ganhos bancários, uma manipulação orçamentária e financeira que vem crescendo largamente nos últimos 5 anos.
O segundo veto (art. 3º da LC nº 177/20), tão danoso para o Brasil como o primeiro, retirou da Lei aprovada a ordem para que os recursos alocados na RC em 2020 (R$ 4,3 bilhões) fossem devolvidos ao FNDCT para aplicação imediata. Recursos que iriam diretamente para custear pesquisas de novas vacinais, aparelhamento e modernização de laboratórios, financiamento de novas pesquisas de imunizantes, apoio a editais universais de pesquisa em diversas áreas e retomada do financiamento à inovação em produtos e processos.
Os números que resultam dos vetos presidenciais ao PL, são agressivos à sociedade brasileira e à soberania nacional. Parafraseando o pesquisador Rogério Cerqueira Leite, numa crítica severa ao governo federal, “Fármacos são mais importantes para a Segurança Nacional do que pólvora”, temos que resistir o negacionismo que avança em nosso país e certamente, a Ciência é a única maneira.
É importante destacar que a arrecadação do FNDCT para 2021 é de R$ 5,3 bilhões, mas 90% dos valores provenientes das fontes que o compõem (R$ 4,8 bilhões) serão colocados na RC, conforme proposta orçamentária que, por ora, vaga no limbo congressual. Valor este 12% maior do que o represado (esterilizado) na lei orçamentária de 2020 (R$ 4,3 bilhões). Um montante que a LC nº 177/20, caso não vetada, iria devolver à economia do Sistema de CT&I, e nele todas as aplicações cadeia de Saúde no enfrentamento da crise sanitária do COVID-19.
Da forma como está, permanecendo os vetos, 10% dos recursos do FNDCT alocados para 2021 ficam protegidos de contingenciamento (por emenda do Congresso). Mas 90% serão colocados em RC.
Este Manifesto procura chamar atenção da sociedade brasileira, através de seus parlamentares, para mais um golpe (e talvez o mais nefasto) na Ciência e na Inovação brasileira. É urgente uma defesa nacional contra o obscurantismo que assola a Nação, não há crescimento sem produção de conhecimento, não há soberania sem o fortalecimento das instituições nacionais. Precisamos que o Congresso Nacional, da mesma forma que aprovaram a Lei, com larga maioria, agora derrubem majoritariamente os dois vetos e garantam a existência do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
NÃO ÀS TREVAS!
NÃO AOS VETOS!
SIM À CIÊNCIA!
SIM À VIDA!
Observatório da Democracia