150 anos da Comuna de Paris: Glória eterna aos comunardos!
A data de 18 de março de 1871, para os comunistas e todos aqueles seguidores do ideário de Karl Marx, já mundialmente famosos à época, é uma das mais importantes. Pela primeira vez o proletariado toma o poder político na cidade de Paris e instaura o que ficou conhecido como Comuna de Paris. Com base no pensamento e na teoria marxista.
Foi a primeira experiência e das mais importantes de todas, foi fugaz e pouco durou. Pretendo neste pequeno trabalho apresentar, em linhas gerais, com base em minhas aulas de ciência política na Universidade, quando lecionava e sintetizava, as principais medidas e conquistas dessa Comuna.
Ela estabelecia uma comunidade com base na igualdade entre as pessoas, na fraternidade, na amizade e no respeito. Quanto aos líderes da Comuna, não há um que se destaque, pois tudo era coletivo. Ela durou pouco tempo:18 de março a 28 de maio de 1871, em torno de 75 dias, não mais do que isto.
Os operários, o proletariado parisiense, aproveitaram a situação política na França, onde ocorriam as guerras Franco-Prussianas, onde a burguesia francesa, praticamente, perdia a guerra para a Prússia e abandonou Paris, fugindo para o interior. Aproveitando esta crise política, o proletariado, com seus amigos e aliados, tomaram o poder político e instauraram a Comuna.
Esta Comuna tem um grande significado, a ponto de Marx escrever um livro específico sobre ela: “A Guerra Civil na França” (1). Marx não participou dessa experiência, mas foi a primeira revolução feita com base no seu pensamento. Há uma passagem em que ele afirma que os operários tentaram “tomar o céu de assalto”. Esta metáfora do céu, como poder do proletariado é muito significativa. Eles tomaram de assalto o céu, para si.
Descrevo a seguir as medidas adotadas pelos comunardos para que os leitores percebam o quão avançados e revolucionários eram os ideais e os objetivos da Comuna, naquele longínquo 1871, que completou 150 anos.
1. Supressão completa do exército e criação da Guarda Nacional
O exército permanente foi inteiramente suprimido. Os operários consideravam um exército regular, um peso muito grande no orçamento. O que é verdade. O exército sempre foi uma máquina de guerra contra o povo e a serviço da classe dominante, no caso, a burguesia. No lugar do exército, criaram a Guarda Nacional, que era o povo de armas nas mãos, cuja maioria dos seus membros eram operários. É preciso dizer que parte dos soldados do exército burguês aderiu à Comuna.
2. Fim da polícia política
Eles desmontaram a polícia política da burguesia que perseguia os sindicatos, as organizações de massa e prendiam operários.
3. Criação do Conselho Municipal
Os comunardos criaram um Conselho Municipal, que funcionava como uma Câmara de Vereadores, destituindo todos os conselhos e conselheiros anteriores. O mais interessante é que, o eleito para esses conselhos, por voto direto, tinha o poder não apenas de fazer as leis, mas de as executarem. Eles administravam a cidade do ponto de vista do Poder Executivo. E todos os mandatos poderiam ser revogados, coisa que só existe hoje em pouquíssimos países.
Então, a separação dos poderes pregada por Charles Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu, no seu clássico livro De L’Eprit des Loix – O Espírito das Leis (2), neste caso, eles ficaram em desacordo. Eles concentraram Executivo e Legislativo num único poder.
4. Criação do Salário Operário
Eles criaram uma novidade para a época, que era o salário operário, cujo valor servia de referência para todos os cargos, públicos e privados, nas fábricas ou no serviço público. A variação entre o menor e o maior, não havia muitas faixas de diferença. Esta é a grande novidade.
Nos países chamados nórdicos, quando vigora um regime “social-democrata”, o maior salário nunca é mais que 100 vezes que o menor. No Brasil, por exemplo, isto é infinito, ninguém sabe, se mil, duas mil vezes maior, ninguém sabe. Lá na Comuna, havia pequena diferença.
5. Extinção de todos os privilégios
Extinguiram todos os privilégios do clero, da burguesia, dos estamentos mais altos do serviço público: mordomias, regalias, auxílios de todos os tipos, bônus, ajuda de custo pagos aos altos dignitários do Estado, foram totalmente extintos.
6. Separação do Estado de todas as religiões
Aplicaram aquilo que se pregava na Revolução Francesa de 14 de julho de 1789, e deixou-se de aplicar com o passar do tempo. Até hoje, para citar um caso, a separação entre Estado e Igreja, no Brasil e em muitos países do mundo, quase inexiste. Emblemas e símbolos religiosos, aparecem em todas as repartições, Câmaras, Prefeituras, símbolos, basicamente, cristãos. O que, de certa forma, é uma ofensa para todas as pessoas das demais religiões, que não são cristãs, ou com as que não possuem nenhuma religião.
Os comunardos de Paris, voltam aos ideais da Revolução Francesa, ocorrida em 14 de julho de 1789 e separam radicalmente a Igreja do Estado. Assim, padres, pastores, rabinos, xeiques, passam a cuidar exclusivamente das questões religiosas e, a religião passa a ser um assunto privado.
7. Ensino público, gratuito e obrigatória para todos
Instituíram o ensino público e gratuito. Tudo foi tornado público e mais do que tornar público o ensino, que também era objetivo da Revolução Francesa, e isto retrocedeu, era o de torná-lo obrigatório para todos. A exemplo do Brasil, esta burguesia que foi revolucionária em 1789, como disse Marx, hoje é uma burguesia reacionária. Uma burguesia contrarrevolucionária que joga para o passado. Basta comparar as atuais escolas públicas com as escolas privadas, que são restritas a uma elite,
Mas, lá na Comuna, não só tudo foi tornado público, as escolas foram encampadas pelo Estado como também, o ensino passou a ser obrigatório para todos os filhos de operários, que antes não era.
8. Eleições para todos os cargos públicos
Todas as altas funções administrativas públicas, os cargos no executivo, todos os juízes, no magistério, passam a ser eleitos pelo sufrágio universal, direto e secreto, sendo passíveis de revogação de seus mandatos.
9. Abolição do trabalho noturno
Aboliram todos os topos de trabalho noturno.
10. Punição aos patrões
Puniram todos os patrões que reduziram os salários. Eles não acabaram com o sistema capitalista, eles impuseram regras. As fábricas que foram à falência ou lojas que foram fechadas, em função da crise econômica, foram entregues para serem administradas e voltaram a produzir, para os seus próprios trabalhadores.
11. Direitos iguais entre homens e mulheres
Garantiram, pela primeira vez, direitos iguais entre homens e mulheres. Asseguram o direito à educação às meninas e a todas as mulheres em geral, que tiveram papel destacado no comando da revolução comunarda.
12. Fim da tutela clerical sobre as famílias
Suprimiram toda a tutela clerical sobre a vida familiar. Então, quando falo igreja, na verdade, é a igreja católica, porque a França, no conjunto da Europa, não aderiu ao protestantismo em sua maioria, como se deu na Inglaterra e depois, na Alemanha. A França seguiu majoritariamente católica. Os padres e bispos tinham a tutela da vida familiar. Eles diziam o que as famílias poderiam fazer ou não.
13. Proteção às viúvas e órfãos
Os comunardos protegeram todas as viúvas e os órfãos daqueles comunardos que morreram na implantação e na defesa da Comuna de Paris. Esta proteção se dava na forma de pensão. E, passaram a reconhecer a chamada união formal ou união de fato entre duas pessoas, mesmo que elas não tivessem formalizado o casamento civil ou religioso.
14. Limitação de pagamento de dívidas
Eles fizeram algo que é o anseio geral de qualquer sociedade, onde a maioria das pessoas estão sempre endividadas. Eles limitaram todas as dívidas pessoais ao valor de seis mil francos, na época. Tudo o que passasse disso, estaria cancelado.
Vejam então, como essa foi uma experiência maravilhosa. Fica aqui registrado, a glória eterna à Comuna de Paris.
Apenas para registro, quero dizer que estive em Paris por ocasião de um Congresso Mundial de Profissões Liberais em 2002. Nessa ocasião, visitei o cemitério mais famoso e importante da cidade, que se chama Père-Lachaise (3). Recomendo fortemente que, quando vocês puderem ir à Paris, não deixem de visitar esse famoso cemitério. Ali está o túmulo do último comunardo, que morreu em Moscou, onde ficou exilado desde 1917, com a revolução russa.
Não há um local onde se possa localizar as covas coletivas dos milhares de fuzilamentos que aconteceram, quando a burguesia retornou ao poder na cidade de Paris. Estima-se, dependendo do autor, 20 mil mortos. Alguns falam em até 30 mil mortos.
Neste mesmo cemitério, onde supõe-se que exista uma dessas covas, ninguém sabe aonde, ao fundo do cemitério, há uma placa dourada muito grande, que homenageia os comunardos. Eu tirei uma foto ao lado desta placa. Que seja eterna a memória desta gloriosa revolução.
1. A Guerra Civil na França (em alemão: Der Bürgerkrieg in Frankreich) é um livro escrito por Karl Marx como discurso ao Conselho Geral da Internacional, com o objetivo de disseminar entre os trabalhadores de todos os países um entendimento claro do caráter e da significância mundial da luta heroica dos participantes da Comuna de Paris (1871) e suas experiências históricas da quais devem tirar aprendizado. O livro teve grande circulação em 1872, sendo traduzido em diversos idiomas e publicado na Europa e nos Estados Unidos (Fonte: Wikipédia).
2. A primeira edição do Espírito das Leis (em francês: De l’esprit des loix) foi publicada em 1748. Trata-se de uma obra de filosofia política escrita por Montesquieu, na qual elabora conceitos sobre formas de governo e exercícios da autoridade política que se tornaram pontos doutrinários básicos da ciência política (Fonte: Wikipédia).
3. Père Lachaise situado na 16 rue du Repos, 20e, Paris. O cemitério é famoso mundialmente por abrigar as sepulturas de várias personalidades, como o pintor Eugène Delacroix; o espírita Allan Kardec; o escritor e poeta Oscar Wilde; a cantora francesa Edith Piaf; o líder da banda The Doors, Jim Morrison, entre outros. O local, repleto de árvores, esculturas e sepulturas bem elaboradas, recebe uma enorme quantidade de turistas todos os anos. O cemitério recebeu a sua denominação em homenagem a um dos sacerdotes católicos, François d’Aix de La Chaise (1624-1709), dito le Père La Chaise (“o padre La Chaise”), confessor do rei Luís XIV da França, sobre quem exerceu influência moderadora na luta contra o jansenismo. Página Oficial com visita virtual: http://www.pere-lachaise.com/
* Sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor e autor de 14 livros, pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TV dos Trabalhadores, da TV 247, do Canal Outro lado da notícia, do Canal Iaras & Pagus, do Canal Rogério Matuck, do Canal Contraponto, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Grabois, Brasil 247, Outro lado da notícia, Vozes Livres, Matuck, Contraponto, Democracia no Ar, Conexões e Vai Ali.
Agradeço à Ademir Munhóz pelo trabalho de transcrição ([email protected]). Todos os meus livros podem ser adquiridos na Editora Apparte no endereço: www.apparte.com.br e as compras podem ser parceladas em até seis vezes sem juros pelo sistema Pag Seguro. O site pessoal do autor é www.lejeune.com.br, onde estão todos os seus artigos, a maioria de política internacional e também política nacional e Sociologia brasileira. Recebo e-mails no endereço: [email protected] e no Zap 5519981693145. Redes sociais: Facebook: www.facebook.com/lejeune.mirhan, Instagram: @lejeunemirhan; Twitter: @lejeunemirhan; Youtube: lejeunemirhan.