Pretendo neste pequeno artigo, fazer um resumo dos termos do acordo. A partir de um documento de 20 páginas que foi assinado em farsi, que é a língua do Irã e em mandarim, a língua majoritária na China,  recebi também a versão em árabe e, me valendo de outras traduções e conversas com amigos iranianos e libaneses, em entrevistas telefônicas, me permite apresentar um resumo do seu conteúdo.
 
É um acordo muito abrangente, onde a China oferece investimentos em infraestrutura, em vários setores. E, em contrapartida, o Irã garante o fornecimento diário de petróleo para a China, que hoje já se encontra na casa de um milhão de barris/dia. O Brasil produz dois milhões, ou seja, a China importará metade de tudo o que nosso país produz por dia.
 
É provável que o acordo preveja não apenas a garantia do fornecimento, mas também, algum tipo de desconto especial, em função do preço praticado no mercado internacional que, inclusive, já está muito baixo, em função dos Estados Unidos forçarem a Arábia Saudita, que manda na OPEP, abaixar os preços, para tentar quebrar a Venezuela e o Irã. Mas, não conseguirão. A Arábia Saudita é tão subalterna aos EUA, que ela se dispõe a perder bilhões de dólares para atender ao pedido do império.
 
O acordo será a partir do desenvolvimento de tecnologias petrolíferas e construções de refinarias de petróleo. Sabemos que o petróleo é muito importante, mas ele tem que ser quebrado na sua cadeia de subprodutos: querosene de aviação, gasolina, nafta, diesel e produtos para fazer o plástico e outros materiais importantes para a nossa indústria. O Irã tem grandes refinarias, mas eles vão construir novas e modernizar as já existentes.
 
O segundo aspecto é o investimento em infraestrutura de transportes: fluvial, marítimo, terrestre e aéreo, com a construção de aeroportos, ferrovias e grandes rodovias. Para quê? Para beneficiar o Irã, mas também, para os produtos chineses chegarem melhor e com maior fluidez ao mercado final, ao consumidor.
 
Isto faz parte de um projeto chinês, anunciado por Xi Jinping em 2014, chamado em inglês: “Belt and Road”, “Cinturão e estrada”, o que os analistas internacionais, há muitos anos, vem chamando de “Novas rotas da seda”.  Onde a China investe em infraestrutura para que os seus produtos cheguem ao mercado final. Ela faz isso na África e em alguns países da América do Sul. A China tem hoje US$ 2 trilhões para investir, o que corresponde ao seu superávit.
 
O terceiro trilhão de dólares, está aplicado em títulos do tesouro dos Estados Unidos. Apesar de os EUA serem o país que mais deve na terra, eles têm os títulos mais seguros do mundo. A classificação é AAA (triple A), ou seja, pode-se comprar sem qualquer risco.
 
A classificação do Brasil, que vem despencando, é AB menos. Como diz Larry Summers, ex-reitor da Universidade de Harvard – ele é de uma corrente que nos Estados Unidos eles chamam de “declinistas” – que diz: “como pode o país mais devedor do mundo ser a maior economia do planeta? É impossível”. É um país que está quebrado.
 
Agora mesmo o Biden, que é keynesiano, e vai superar o Roosevelt em termos de ser adepto à corrente que diz que o papel do Estado é fundamental, acabou de aprovar um pacote de US$ 3 trilhões e outro dia já tinha aprovado outro de 1,8 trilhão. Só ele emite dólar, nós não emitimos. A nossa Casa da Moeda emite o Real, que vale cada dia menos.
 
O Biden não está com nenhum receio de gastar. E tem que gastar. Mas, é um país que só aumenta o seu déficit. Imagine se a China resolve resgatar este trilhão que está lá aplicado?  Isso abalaria ainda mais a economia estadunidense, que ficaria ainda mais desacreditada perante o mundo.
 
Uma das rodovias que serão construídas, na forma de autopista, ligará Teerã, Bagdá, Damasco e Beirute, que são as capitais de: Irã, Iraque, Síria e Líbano. Já existem rodovias que fazem esta ligação e hoje é possível sair de carro de Teerã e chegar a Beirute. É possível ir de Beirute até a fronteira Sul do Líbano e entrar no Norte de Israel. Mas, eles vão modernizar. Isto é uma modernização que beneficia, não apenas o Irã, mas o Oriente Médio.
 
O acordo prevê a criação de regiões de livre comércio, o que é muito comum hoje no mundo. Alguns chamam de Zona de Processamento de Exportação, ZPE. Até nós já tivemos isso na época do governo de José Sarney.
 
Eles vão criar e transferir tecnologia chinesa para a saúde e para o setor de tecnologia de informações, acervo de banco de dados. É o Big Data. Hoje, o valor que tem os dados, tem sido dito que pode ser que valha mais do que água. Também vai haver transferência de tecnologia e conhecimento entre as universidades chinesas e as iranianas.
 
E, finalmente, entre outros detalhes, levando em conta os mais relevantes, há um acordo militar e de segurança entre os dois países. Mais do que isto, pesquisa e desenvolvimento de novos armamentos e compartilhamento de inteligência.
 
Se eu pudesse usar uma frase para definir este acordo eu diria: “um acordo de uma diplomacia bem-sucedida”. Esse acordo tem uma característica, que alguns analistas chamam de ganha-ganha, que é a característica de tudo o que a China faz, ou seja, os dois lados do acordo saem ganhando.
 
Diferente dos acordos dos Estados Unidos, cuja característica é: ganha-perde, ou seja, só eles ganham. Quem assinar um acordo bilateral com eles, sai sempre perdendo. É o típico acordo de predação, eles predam o país que assina o acordo.
 
O significado geopolítico do acordo
 
Este acordo começou a ser finalizado em 20 de janeiro de 2020, quando Xi Jinping visitou o Irã e cumprimentou o presidente iraniano Hassan Rouhane. A estrutura democrática do país persa é diferente da nossa. Mas, nós temos que ter um olhar com muita abertura sobre todas as formas e modelos de democracia. Aliás, um dos temas discutidos há pouco tempo pelos chanceleres chinês e russo, Lavrov e Wang Yi, foi exatamente o fato que nós devemos respeitar todos os tipos de democracia.
 
Mas, este acordo já vinha sendo debatido desde 2015. Política e acordos internacionais não são assuntos rápidos de se resolver. Ainda mais, sendo uma das partes do acordo, um povo milenar, como o chinês e o persa. Ambos têm a maior paciência do mundo. Trata-se então, de um grande acordo.
 
O primeiro significado do acordo é que ele aumenta exponencialmente a presença da China no Oriente Médio e diminui, na proporção inversa, a influência dos Estados Unidos. Este é um grande significado. Este acordo minimiza ou põe por terra todas as sanções que os EUA impuseram à República Islâmica do Irã, até os dias atuais. Ele dá um folego para os iranianos desenvolverem a sua economia, que estava amordaçada em função das sanções. Os Estados Unidos proíbem o Irã – assim como a Venezuela –, de venderem o seu bem de exportação mais precioso que é o petróleo, que é uma comodities.
 
Isto, então, minimiza ou até acaba com os efeitos das sanções contra o Irã. Aliás, espera-se do presidente dos Estados Unidos, que levou uma grande rasteira da China nesse acordo, que ele corra atrás do prejuízo. É preciso suspender todas as sanções aplicadas a todos os países e a todas as pessoas. O Biden manteve a política de sanções, mas agora ele não sanciona o país inteiro, ele sanciona pessoas dos países.
 
A questão emblemática é que a China assina este acordo de cooperação com a maior nação islâmica da Terra, de linha xiita, onde eles são maioria, com cerca de 98% e do Iraque, onde eles representam 60%. Eles também têm muita força no Bahrein, no Iêmen, mas não são maioria. Têm alguma força no Líbano e na Síria, mas também não são maioria.
 
Mas, eles são 500 milhões no mundo. De uma população muçulmana na Terra, estimada em 1,5 bilhão de pessoas. Os xiitas não são qualquer tipo de muçulmanos. Eu diria que é a parcela dos muçulmanos que detém, na minha opinião, a mais elevada consciência anti-imperialista do mundo. Mais até do que muitos de nós que se dizem de esquerda, mas não combatem o imperialismo estadunidense como o Irã faz. O Irã combate o sionismo, e ninguém faz mais isso do que o Irã. Então, a China escolheu o Irã, mas não é só por isso.
 
O Irã foi escolhido, porque lidera hoje o arco da resistência do mundo árabe. O líder dos povos árabes, não dos países árabes, cuja maioria é governada por traidores dos árabes de linha sunita. O Irã lidera aquela parcela do povo árabe que, junto a alguns países árabes como Síria, Iraque e Líbano, integram o que eles chamam de Arco da Resistência. Resistência ao imperialismo e ao sionismo. Que são solidários aos países árabes.
 
Um outro grande jornal dos EUA, que é porta-voz da burguesia financeira, o “The Wall Street Journal”, afirmou: “este acordo frustra e joga por terra todos os planos dos Estados Unidos para o Oriente Médio”.   
 
Em resumo, a China tomou conta do Oriente Médio, sem ter disparado um tiro. E, os EUA que atacaram e invadiram o Iraque, na primeira agressão de 1991; agrediram de novo o Iraque em março de 1993 e lá ficaram nove anos, depois de invadir e matar o seu presidente; os Estados Unidos que destruíram a Líbia em 2011 e mataram o seu presidente Khadafi; destruíram a Síria, quase inteiramente, mas não conseguiram matar o seu presidente, que ganhou a guerra e já, praticamente, limpou o território sírio dos terroristas, não conseguiram dominar o Oriente Médio.
 
A presença dos Estados Unidos no Oriente Médio é sinônimo de destruição, de assassinato de presidentes. E aí, chega o Xi, trazendo ferrovias, rodovias, portos, aeroportos, sem dar um tiro, ele conquistou o Oriente Médio, que já tinha a presença da Rússia, que já tem uma base militar instalada na Síria, na cidade portuária de Tartus, a única base militar russa, no mar Mediterrâneo.
 
Em dezembro de 2020, no último mês do governo de Donald Trump, o Xi já tinha dado um grande exemplo de mestre internacional do xadrez, mexendo uma peça no tabuleiro, criando um acordo de livre comércio, por 20 anos, sem tarifas, entre todas as economias da Ásia, inclusive, as aliadas dos Estados Unidos: Japão, Austrália, Coreia e Índia. É um livre comércio no maior mercado do mundo, com países que lhes são hostis, inclusive.
 
Chama-se essa vasta região da terra de Eurásia, onde estão dois terços da população do planeta. Austrália, Japão e Coreia do Sul fazem, neste exato momento, exercícios militares conjuntos com a Marinha estadunidense, para provocar e agredir a República Popular da China, ali no Estreito de Taiwan, no Pacífico.
 
Desta forma, este acordo fortalece não só a República Popular da China, ele fortalece o que eu chamo de Campo da Resistência, cujo tema tratei em um capítulo de um dos meus livros de geopolítica mundial. Esse acordo fortalece a luta dos que buscam um mundo multipolar, em oposição ao unipolar que encontra-se em decadência. Só temos a comemorá-lo. Parabéns à China e ao Irã.
 
* Sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor e autor de 14 livros, é também pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TV dos Trabalhadores, da TV 247, da TV DCM, dos canais Outro lado da notícia, Iaras & Pagus, Rogério Matuck, Contraponto, Democracia no ar, Conexões, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Grabois, Brasil 247, DCM, Outro lado da notícia, Vozes Livres e Vai Ali.
 
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