Em pleno ano da pandemia provocada pelo novo coronavírus, quando o Jornalismo foi considerado atividade essencial no país e no mundo, e os profissionais se desdobraram, muitas vezes em condições precárias, em busca da informação responsável e de qualidade para conter o avanço da doença, o Brasil registrou uma explosão de casos de violência contra os jornalistas.

Segundo o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil  – 2020, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e lançado no início do ano, dentro das atividades do Fórum Social Mundial, o ano que passou foi o mais violento, desde o começo da década de 1990, quando a entidade sindical iniciou a série histórica. Foram 428 casos de ataques – incluindo dois assassinatos – o que representa um aumento de 105,77% em relação a 2019, ano em que também houve crescimento das violações à liberdade de imprensa no país.

 

 

Para a FENAJ, o aumento da violência está associado à ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República e ao crescimento do bolsonarismo.

“Na avaliação da Federação Nacional dos Jornalistas esse crescimento está diretamente ligado ao bolsonarismo,  movimento político de extrema-direta, capitaneado pelo presidente Jair Bolsonaro, que repercute na sociedade por meio dos seus seguidores. Houve um acréscimo não só de ataques gerais, mas de ataques por parte desse grupo que, naturalmente, agride como forma de controle da informação. Eles ocorrem para descredibilizar a imprensa para que parte da população continue se informando nas bolhas bolsonaristas, lugares de propagação de informações falsas e ou fraudulentas”, afirma Maria José Braga, presidenta da FENAJ, membra do Comitê Executivo da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) e responsável pela análise dos dados.

Esta pesquisa tem o objetivo de identificar o tipo de ataque e autores que mais comparecem, para entender que medidas tomar e que cobranças fazer ao Estado brasileiro. “Estamos num momento muito difícil, porque o governo brasilerio é o autor dos ataques, hoje”. 

A presidenta também destaca que o registro, pelo segundo ano consecutivo, de duas mortes de jornalistas, “é evidência concreta de que há insegurança para o exercício da profissão no Brasil”.

Como no ano anterior, a descredibilização da imprensa foi uma das violências mais frequentes: 152 casos, o que representa 35,51% do total de 428 registros ao longo de 2020. Bolsonaro, mais uma vez, foi o principal agressor. Dos 152 casos de descredibilização do trabalho dos jornalistas, o presidente da República foi responsável por 142 episódios.

Sozinho, Jair Bolsonaro respondeu por 175 registros de violência contra a categoria (40,89% do total de 428 casos): 145 ataques genéricos e generalizados a veículos de comunicação e a jornalistas, 26 casos de agressões verbais, um de ameaça direta a jornalistas, uma ameaça à Globo e dois ataques à FENAJ.

Para a presidenta, a postura do presidente da República serve de incentivo para que seus auxiliares e apoiadores também adotem a violência contra jornalistas como prática recorrente.

 

Ataques virtuais e censuras aumentam

Também foi registrado aumento nos casos de Agressões verbais/ataques virtuais, com o crescimento de 280% em 2020 em comparação com o ano anterior, quando foram registrados 76 casos.

Para que o número geral de casos de violência contra jornalistas e ataques à liberdade de imprensa mais que dobrasse em 2020, destaca a presidenta, “houve crescimento em quase todos os tipos de violência”.

O aumento foi bastante expressivo ainda nas categorias de censuras (750% a mais) e agressões verbais/ataques virtuais (280% a mais).

Os jornalistas passaram a ser agredidos por populares e houve aumento nos casos de agressões físicas e de cerceamento à liberdade de imprensa por ações judiciais, o que também é muito preocupante na avaliação da Federação, afirma a presidenta.

Segundo o relatório, as agressões físicas eram a violência mais comum até 2018, depois diminuíram em 2019 e, em 2020, cresceram 113,33%.

Já os episódios de cerceamento à liberdade de imprensa por meio de ações judiciais subiram 220%: de cinco em 2019, para 16 casos, em 2020. Para a presidente, ano passado foram registrados dois casos preocupantes dessas duas formas de ataques – verbais e pelas vias judiciais – que agravam a preocupação da entidade com o futuro do jornalismo no Brasil. São os casos do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, condenado à prisão pelo livro-reportagem A Privataria Tucana, e do professor de jornalismo do Rio Grande do Sul, Felipe Boff, agredido verbalmente durante discurso em uma colação de grau.

 

Violência por gênero e tipo de mídia

Os homens seguem sendo as maiores vítimas de violência contra jornalistas representando 65,34% dos casos, mas foi registrado também um aumento expressivo de ataques às mulheres.

“Os ataques verbais e virtuais contra as mulheres cresceram e sempre têm um caráter machista, misógino e com conotação literalmente sexual, o que é muitíssimo grave”, destaca Maria José Braga.

A maioria dos jornalistas agredidos fisicamente ao longo de 2020 são trabalhadores de emissoras de televisão. Eles representam 24,44% dos 77 casos.

Maria José disse que os números do relatório, mais uma vez, expressam a preocupação da Federação pois, mesmo sabendo que são subestimados, são bastante alarmantes. “Eles mostram a gravidade da situação e mostram que o Estado brasileiro que, antes era omisso no combate à violência contra jornalista, não tomando medidas efetivas para a proteção da categoria, agora, por meio da Presidência da República, é o principal agressor”.

Estado brasileiro passa de omisso a agressor

Maria José fez um apelo para que as instituições tomem providências enérgicas para que a violência seja investigada, combatida e punida, pois o Jornalismo e os jornalistas precisam do apoio da sociedade para seguir informando com responsabilidade e qualidade.

Ela lembrou que a FENAJ é uma das entidades signatárias de um pedido de impedimento do presidente por crime de responsabilidade contra o direito constitucional da liberdade de imprensa – parado na Câmara dos Deputados – e de uma ação por danos morais coletivos por causa dos ataques aos jornalistas, também sem resposta ainda do Judiciário.

O Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa – 2020 é elaborado anualmente a partir dos dados coletados pela própria Federação e pelos Sindicatos de Jornalistas existentes no país, a partir de denúncias públicas ou feitas às entidades de classe.

Nesta sexta-feira (29), às 16h, o portal Vermelho promove a live de lançamento do relatório com a presidenta da Fenaj, Maria José Braga. Não perca!

Confira a íntegra do documento aqui.

Subnotificação

Maria José considera que a subnotificação é um dado, considerando que muitos jornalistas não denunciam a suas entidades de classe os ataques que sofrem, nem mesmo formalizam na polícia o registro de ocorrência, ou pedindo investigação na Polícia Federal, em caso de crimes pela internet. “Há um número exagerado de ataques a estes profissionais que reflete o momento que vivemos. A intolerância, o ódio, a apologia a violencia tem sido comum por parte das proprias autoridades como o próprio presidente da República”.

Ela defende que a categoria não pode aceitar essa banalização dos ataques e violência contra jornalistas como uma coisa normal e cotidiana da democracia. Para a dirigente sindical, isto é o contrário da vida em democracia. 

O Brasil de 2011, com 62 agressões notificadas, e o Brasil de 2020, com 428, parecem ser bastante diferentes na passagem de uma década. Mas a dirigente da Fenaj observa que, historicamente, os ataques vinham principalmente de políticos. Em 2013, com as grandes manifestações houve uma quebra nesse histórica com a polícia militar como principal agressora de jornalistas. Nos anos seguintes, com a continuidade das manifestações até o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, manifestantes e policiais ocupam esse lugar. 

A partir de 2018, há nova quebra com políticos liderando o protagonismo desses ataques, sendo que a maioria vem do presidente Jair Bolsonaro.