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Significados de um possível encontro entre Biden e Putin

23 de abril de 2021
Foto: Pavel Golovkin, Eric Baradat / AFP

Na semana que passou, a imprensa deu, com grande espetacularização, a notícia que Joe Biden, presidente dos EUA, pretenderia conversar com Vladimir Putin, presidente da Rússia. Uma boa notícia, em meio a uma escalada de tensionamentos exatamente na fronteira da Ucrânia com a Rússia e tensões no Mar do Sul da China.

Esse é um encontro que pode ou não acontecer. Todos têm visto a agressividade com que o governo do “democrata” John Biden tem tratado a Rússia. Sua primeira declaração depois da posse foi chamar o presidente russo Vladimir Putin de assassino. Não é dessa forma que se faz diplomacia, há limites e é preciso respeito. O Putin deu uma resposta à altura.

Na semana passada, a crise na fronteira da Rússia com a Ucrânia, chegou num patamar de tensão que não tinha sido atingida anteriormente. A Ucrânia passou para o lado da União Europeia e flerta com a OTAN. Porque eles derrubaram um governo em fevereiro de 2014, que não era pró União Europeia em favor da Rússia, mas um governo que não hostilizava a Rússia e queria fazer acordos com a UE. Mas, eles não querem um governo assim. Querem um governo que caia de joelhos para a UE e hostilize a Rússia.

A partir dali, houve um levante popular, especialmente do leste da Ucrânia, a região de Donbass que são dois estados que se declararam Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. Não são socialistas, mas de oposição ao governo central ucraniano. Eles desejam se libertar e se separarem da Ucrânia. A Crimeia fica na parte Sul da Ucrânia, é a chamada península Crimeia, que é banhada à Oeste pelo Mar Negro e à Leste pelo Mar de Azove que banha Rússia e parte da Ucrânia.

A Ucrânia pediu ingresso na OTAN e só não foi aceita ainda, porque está havendo uma guerra civil interna e, o estatuto da OTAN diz que enquanto houver uma guerra por disputa de poder, esse país não pode ingressar. A organização militar tem como objetivo ir em socorro de seus membros. Neste caso, de qual lado ela iria?

Ela deverá entrar na OTAN, dependendo da conversa entre Biden e Putin, se ela ocorrer. Ela foi inicialmente prevista para o dia 16, sexta-feira, de forma virtual. A Áustria ofereceu seu território, mas não houve tempo para organizar o encontro, que envolve grande aparato de ambos os lados. Arrisco dizer que, talvez, não aconteça, ao mesmo tempo que torço para que ocorra.

Essa guerra civil já matou em sete anos, 12 mil pessoas dos dois lados do conflitos. Sete mil dos guerrilheiros da região em conflito e cinco mil do exército ucraniano. Naquele mesmo fatídico ano de 2014, em maio, a Crimeia fez um plebiscito para saber o seguinte: o povo quer ficar com a Ucrânia ou com a Rússia? Ali, praticamente só se fala russo, a Ucrânia é bilíngue, sendo que 98% do povo optou por ficar com a Rússia no resultado do plebiscito.

E, nessa ponta de terra que é muito grande, tem uma cidade chamada Sebastopol, que é a sede da poderosa frota do Mar Negro, da antiga URSS. A Rússia herdou tudo isso. O Exército russo não é mais, claro, o Exército Vermelho. Mas preserva-se o orgulho do passado soviético e mesmo imperial da Rússia. Ou seja, a Rússia de Putin, não aceita ser dominada pelos Estados Unidos, que é o mesmo sentimento existente na China.

Está no livro do Kissinger sobre a China [¹], um dado de que até meados do século XIX, 1840-1850, que foi quando eles perderam Hong Kong, o PIB chinês equivalia até 50% do PIB da Terra. A ascensão da China tem início sob a liderança de Deng Xiaoping. Para termos uma ideia da questão do PIB comparativo, os EUA, em 1950 representava no PIB da Terra, 28,3% e, em 2019, caiu para 15%. Se somar EUA, UE e Japão, o bloco capitalista, em 1950 eles tinham 57%, em 2019 caiu para 32%. Enquanto o bloco do BRIC, Brasil, Rússia, Índia e China, era 20% em 1950 e hoje, tem 32%, cresceu 64%.

Então, estes números são a prova e mostram o porquê do ódio dos Estados Unidos contra China e Rússia. Os EUA estão perdendo espaço na economia mundial. É uma potência imperialista declinante. E, como diz o professor Paul Kenedy [²], sociólogo e historiador, que na decadência de um império, quando ele é decadente, ele fica violento. É o que nós estamos presenciando.

A Ucrânia não é membro da OTAN, mas esta fala por ela. Já são carne e unha. O secretário-geral da OTAN, o norueguês Jens Stoltenberg, já disse que a Rússia financia os guerrilheiros da região que quer a sua libertação da Ucrânia.

No caso da Crimeia, que aprovou em plebiscito juntar-se com a Rússia (98%), até hoje, não se tem uma reportagem sobre este episódio, em que o jornalista não use o termo: “a Crimeia anexada pela Rússia”. Trata-se de uma mentira deslavada. Porque, se o povo de forma soberana não puder decidir para onde quer ir, quem é que decide? Todas as agências internacionais de notícias e TVs usam este termo “anexada”.

A OTAN e Ucrânia dizem que a Rússia financia guerrilheiros. Diz que é uma guerra civil, mas que participam dela, soldados irregulares russos. O que ela quer dizer com isso? Seriam soldados russos que entram como irregulares? Não sei se isto acontece.

De qualquer maneira, na terça, dia 13 de abril, a Rússia enviou mais 12 navios de guerra para os dois mares citados acima, Negro e Azove. E, desde o dia 5 de abril, vem deslocando 40 mil soldados para a fronteira, fora os que ela já tinha enviado. E, fala-se em mais de mil blindados e tanques. O Putin quer uma guerra? Penso que não. Mas, quer dar uma demonstração de força, de que ele apoia a independência dessas duas regiões que fizeram um pais único, que também se chama República Popular, A Nova Rússia. Isto protege a Rússia de uma invasão por terra.

Para a OTAN e a Ucrânia agredirem a Rússia, teria que passar por dentro desse território. O que a Rússia não quer e não vai aceitar é que tropas da OTAN cerquem o seu território. É isto que está em jogo. A Otan, por sua vez, também deslocou 40 mil soldados para a fronteira.

Poderá ter uma guerra regional? O que alguns autores chamam de “guerra por procuração”. Seria uma guerra entre Estados Unidos x Rússia, mas operada por soldados ucranianos x guerrilheiros dessas duas regiões.

Mas, poderá assumir a dimensão de uma guerra mais ampla e ostensiva e até mesmo atingir algumas regiões próximas? Eu tenho dúvidas. Não sei se poderá acontecer ou não. Eu torço para que não ocorra e que resolvam internamente este conflito. Mas também torço pelos guerrilheiros da região de Dobas, para que façam a sua independência da Ucrânia. Eles não querem continuar ucranianos. Eles querem ser eles mesmos e, diferente da Crimeia, não querem ir para a Rússia, mas criar um novo país.

A Ucrânia era uma das 15 Repúblicas Soviéticas Socialistas e era uma das mais importantes. Lá eles fabricavam os mísseis intercontinentais, os grandes navios fabricaram o único porta-aviões russo, o Admiral Kuznetsov (em fase de reforma). E tudo isto caiu nas mãos do Ocidente.

Em geopolítica não há amizade nem companheirismo. Há interesses econômicos e geopolíticos. E aí, a Rússia que não é a União Soviética, mas é amiga dos países que integravam essa União, ela perdeu a Ucrânia. O caso de Mianmar, Rússia e China não estão defendendo lá a volta da tal “democracia”, eles não apoiaram o golpe abertamente mas, perder Mianmar, na fronteira da China, para o Ocidente é tudo que a China não precisaria.

Então, tudo é parte da geopolítica. Nós, por exemplo, perdemos o Brasil do BRICS e perdemos o “I”, da Índia, governada hoje por gente de extrema-direita. O primeiro-ministro, Narendra Modi é um racista, de um partido hindu que persegue cristãos e muçulmanos, xiitas ou sunitas. Ele quer a “purificação” da Índia.

E são milhões de muçulmanos e cristãos.

O BRICS não acabou. Brasil e Índia não são bobos de sair, mas não fazem nada para fortalecer. Hoje, para enfrentar o império estadunidense sobraram apenas a Federação Russa e a grande República Popular da China.

Assim, se por um lado, como dissemos, é positivo que Biden e Putin se encontrem, seja presencialmente, seja virtualmente, por outro lado os recados que os Estados Unidos mandam quase todas as semanas é sempre no sentido de elevar as tensões. Semana passada mesmo expulsou 10 diplomatas russos sob a alegação de espionagem. Qual diplomata que não é espião de seu país? A Rússia respondeu da mesma forma. A verdade é que o mundo continua muito quente em sua temperatura de confrontos.


Notas

[1] Sobre a China de Henry Kissinger, 2011, Editora Objetiva, 560 páginas.

[2] Ascensão e queda das grandes potências, de Paul Kennedy, 2ª edição, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, com 676 páginas.