A luta pela emancipação das trabalhadoras e dos trabalhadores envolve as ações políticas desenvolvidas pelo movimento sindical para ampliar direitos e conquistar condições para o exercício das mais variadas profissões de forma digna e decente. Envolve, também, muito estudo e pesquisa para conhecer a fundo as condições econômicas, políticas e sociais de cada momento histórico que determinam as relações de produção. Esse estudo é a base teórica que impulsiona a luta dos trabalhadores e trabalhadoras em tudo o mundo.

Em sua edição de relançamento, a Revista Princípios, publicação ligada à Fundação Maurício Grabois, abordou exatamente esse tema, procurando refletir sobre como o desenvolvimento científico e tecnológico estão impactando e transformando o trabalho neste século.

Publicada em setembro de 2020, a edição 159 trouxe o dossiê “Trabalho e proletariado no século XXI”, organizado pelo economista Dr. José Renildo de Souza (UFBA). As novas tecnologias não estão reduzindo o contingente de trabalhadores no mundo, nem tampouco reduzindo as jornadas e melhorando suas condições de trabalho. O que ocorre é uma mudança no perfil e na composição da classe operária. Entender essa situação é indispensável para interpretar e mudar a sociedade.

Pesquisadores das mais variadas áreas analisam essas transformações.

Neste dia Internacional dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, trazemos uma breve apresentação de cada um dos artigos, como forma de contribuir para fortalecer as bandeiras de luta e a unidades da classe operária.
 
O trabalho no século XXI e o novo adeus à classe trabalhadora
 
Neste artigo escrito por Vitor Figueiras (UFBA) e Sávio Cavalcante (Unicamp) desconstroem a ideia de que as novas formas de trabalho impostas pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) estariam substituindo o assalariamento. Para os autores as formas de organização da produção e do trabalho que têm sido apresentadas como novidades nas primeiras décadas do século XXI não diferem, em seu conteúdo, do trabalho assalariado. Empresas, instituições e academia têm reproduzido uma narrativa que chamamos de novo “adeus à classe trabalhadora” e que, deliberadamente ou não, contribui para a estratégia do capital em aumentar seu poder, tornando o trabalho mais precário e os trabalhadores menos propensos a enfrentar a exploração.
 
Sobre o conceito de trabalho – uma leitura nos Grundrisse, de Marx
 
Os autores Marcos Dantas, Luana Bonone, Monique Figueira, Rodrigo Guedes e Tiago de Olivera – todos da UFRJ – fazem uma leitura dos Grundrisse, no qual Marx discutiu a transformação da ciência e tecnologia em forças produtivas diretas no capitalismo. Esse processo levaria à predominância do trabalho intelectual sobre o manual, substituído pelas máquinas. O capital, então, haveria de ser superado por alguma formação apoiada no intelecto geral da sociedade. Por isso, debate-se se a lei do valor, baseada no tempo de trabalho, teria sido superada ou se seria necessário redefinir a categoria trabalho. Este artigo pretende apontar lacunas nesse debate, articulando a concepção dialética da história em Marx com os conceitos científicos da teoria da informação. Ao relacionar trabalho à informação como neguentropia, entendemos o capital como um sistema biossocial sempre em expansão e dependente do conhecimento detido pelo trabalhador. Assim, os autores identificam que o capital evoluiu a ponto de se apropriar do intelecto geral. Como o capital, na sua evolução, reduziu ao mínimo o tempo de trabalho fabril imediato, subalterno ao trabalho científico, para seguir acumulando precisou desenvolver um sistema rentista apoiado na propriedade intelectual e na financeirização. A lei do valor segue comandando as relações de trabalho, agora sob novas formas de apropriação de trabalho gratuito, precarização e fragmentação espaço-temporal, com superexploração do trabalho de baixo valor informacional nas periferias do sistema.
 
Financeirização contemporânea e precarização do trabalho
 
O artigo escrito por Tamara Naiz da Silva discute o conflito imanente à relação entre o processo de financeirização da economia mundial e o mercado de trabalho, buscando-se evidenciar suas origens e consequências na atualidade, identificar os antecedentes dessa relação e, além disso, demonstrar que essa é uma relação de tensão, segundo a qual a financeirização precisa necessariamente desvalorizar o trabalho para manter seus níveis de lucratividade, para tal ampliando de modo crescente a superexploração dos trabalhadores e a expropriação dos seus direitos. O artigo discute o conceito de dominância financeira, para explicar os movimentos do capitalismo contemporâneo e seus consequentes impactos no mercado de trabalho a partir dos anos 1970.
 
Tempos de pandemias no capitalismo contemporâneo – gig economy, direito do trabalho e covid-19
 
Leonardo Moura, Sara Pedreira e Victória Vilas Boas discutem as consequências da plataformização como nova forma de organização e gestão do trabalho. De forma mais específica, o artigo analisa a atividade econômica de entregas em domicílio realizadas por trabalhadores contratados por empresas mediante cadastro em plataformas digitais, programadas para coordenar todas as etapas burocráticas e operacionais da prestação dos serviços.
 
A “uberização” e o aprofundamento da flexibilização do trabalho
 
O artigo de autoria de Euzébio Jorge Silveira de Souza (Unicamp) e Marcio Ortiz Meinberg (PUC-SP) conceitua o fenômeno da “uberização”, além de expor suas justificativas e resultados. Para os autores, a “uberização” é um novo formato de utilização da força de trabalho, surgido da combinação das novas tecnologias originadas na terceira e quarta revoluções industriais com medidas de flexibilização trabalhista (defendidas pela economia neoclássica). Tal modelo sugere que a redução da interferência do Estado resultaria em crescimento econômico e maior eficiência produtiva (com redução do desemprego), o que motivou diversas reformas trabalhistas e flexibilização do aparato de proteção ao trabalho. As empresas que atuam por meio de trabalho “uberizado” encontraram no mercado de trabalho desestruturado uma oportunidade para ampliar sua rentabilidade expandindo a extração de mais-valia absoluta, mesmo em um setor que surge das novas tecnologias. As ocupações mais comuns da nova economia apresentam o mesmo conteúdo do trabalho de padrões de acumulação anteriores, como no caso dos motoristas de transporte individual e entregadores, no entanto, em condições mais precárias e sem direitos trabalhistas. A reforma trabalhista de 2017 não resultou em retomada do crescimento econômico e as empresas da economia de plataforma utilizam a crise e o desemprego para crescer.

Trabalhadoras domésticas no Brasi – lsujeitos ou sujeitadas na classe, no gênero e na raça?
 
Mary Garcia Castro (UFRJ) revisita os escritos sobre trabalhadoras domésticas, com ênfase em seu processo de organização sindical. Ressalta o interesse das sindicalistas em ser reconhecidas como parte da classe trabalhadora. Classe que cada vez mais descola subjetividades de experiências vividas em entrelaçamentos de diferentes processos sociais, como gênero e raça. Classe diversificada em termos de composição social e lugar histórico na formação capitalista. Um debate clássico sobre o trabalho doméstico no campo feminista marxista é acessado, e apresentam-se dados sobre o perfil das “domésticas” no Brasil de hoje e como elas estão afirmando resistências nestes tempos de pandemia e barbárie.
 
A evolução das perspectivas de gênero no mundo do trabalho
 
Ana Rocha do Centro de Estudos e Pesquisa da União Brasileira de Mulheres aborda neste artigo como a evolução dos estudos de gênero no mundo do trabalho vem apontando o aumento significativo da inserção das mulheres no mercado, mas de forma desigual quanto a profissões, cargos, salários e condições de trabalho. Desigualdade que se manifesta com maior intensidade para as mulheres negras. Os dados também evidenciam que, com a desregulamentação do mundo do trabalho, as mulheres foram empurradas para o trabalho informal, precarizado, compondo a maioria dos trabalhadores informalizados. Outro dado a se destacar é que a evolução da presença das mulheres no mercado de trabalho ocorreu mantendo sua sobrecarga doméstica e maior responsabilidade com o cuidado com as pessoas. Essa sobrecarga se agravou com a aplicação do receituário neoliberal de redução dos investimentos do Estado em políticas públicas, que gerou impacto negativo na participação laboral e na representação pública das mulheres, produzindo consequências negativas para sua saúde e qualidade de vida. Nesse quadro de desigualdade, as mulheres persistem em combater a sobrecarga de tarefas domésticas e de cuidados, exigindo políticas públicas, e afirmam a importância de sua inserção no mundo do trabalho como fator de evolução social, autonomia e cidadania.
 
Plano estratégico 2019-2022 para a educação paulistauma nova morfologia organizacional do trabalho do professor?
 
Breno Alves dos Santos Blundi (Ufscar), Vitória Turati de Barros e Giovanna Candeira Pomaro (Ibilce/Unesp) apresentam os resultados de uma pesquisa bibliográfica e documental que desenvolvemos tomando como objeto de análise o Plano estratégico 2019-2022: educação para o século XXI, publicado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo em 3 de julho de 2019. Mais especificamente, nossa análise tem como objeto central o “Mapa estratégico 2019-2022”, o qual foi amplamente divulgado nas escolas da rede estadual de educação básica do estado de São Paulo. A partir da problematização e análise da chamada globalização da economia, do processo de reestruturação produtiva e da nova morfologia do trabalho decorrente das novas formas de organização do trabalho, buscamos responder, por meio da análise do plano estratégico do governo paulista, em que medida essa nova morfologia do mundo do trabalho atinge o trabalho dos professores da educação escolar. Os resultados da pesquisa demonstraram que essa influência existe e que resulta na intensificação da precarização do trabalho do professor na rede da educação básica do estado de São Paulo.