Educação em números
Documento de publicação anual, o Education at a glance (EaG), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em sua edição de 2021, mostra que o desemprego entre a população jovem e a falta de aumento nos investimentos destinados à educação, durante a pandemia, constituem duas das principais diferenças do panorama brasileiro, em comparação com a situação das outras nações que integram a organização. A OCDE conta com 38 países-membros, além de oito nações parceiras, como é o caso do Brasil.
Ao analisar os impactos da pandemia, o relatório chama a atenção para a taxa de desemprego entre jovens de 25 a 34 anos com ensino médio completo no país, que foi de 17,8% em 2020, um aumento de 3 pontos percentuais em comparação com o ano anterior. A média entre países da OCDE, que tiveram um crescimento de 2 pontos percentuais nessa taxa de desemprego no mesmo período, foi de 15,1%. De acordo com a organização, durante a pandemia, entre 65% e 78% das nações aumentaram o orçamento destinado a alguma etapa da educação. O Brasil, no entanto, figura entre a minoria que não destinou mais recursos à área. Segundo o documento, em 2018, o Brasil designava 4% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ensino básico, percentual que foi mantido em 2020 e 2021.
O sociólogo Daniel Capistrano, do University College Dublin, na Irlanda, destaca que o relatório mostra que o Brasil foi o segundo país com mais tempo de escolas fechadas, sendo superado apenas pelo México. “Nações com pouca infraestrutura para lidar com as dificuldades impostas pela crise sanitária ficaram mais tempo sem aulas presenciais”, comenta ao mencionar, também, os casos de Costa Rica e Colômbia. Capistrano, que foi coordenador de estatísticas internacionais do Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais], recorda que nos relatórios da OCDE o Brasil tem se destacado negativamente pela pequena parcela da população de 18 a 24 anos que está matriculada no ensino superior. “Trinta e seis por cento dos jovens nessa faixa etária não estudam nem trabalham, o que representa a taxa mais alta de todos os países que fazem parte do relatório. Isso significa que um em cada três adolescentes não tem acesso à educação ou oportunidade de formação no trabalho, o que certamente irá prejudicar o desenvolvimento do país”, avalia.
O percentual médio de investimento público em educação em 2018, em relação aos investimentos totais feitos por governos de países que integram a OCDE, foi de 11%, cabendo ao Chile a maior porcentagem aplicada (17%), seguido pela África do Sul (15%). No Brasil, o valor correspondente foi de 14%, superando recursos de nações como México (13%), Argentina (11%) e Colômbia (9%). Ainda assim, o valor de investimento por estudante permaneceu abaixo da média de outros países. Em 2018, o Brasil investiu US$ 3.748 por aluno, incluindo estudantes dos ensinos fundamental e médio, o que representa US$ 6.353 a menos do que a média anual de outras nações da OCDE, que foi de US$ 10.101. Já na educação superior, o país investiu US$ 14.427 por aluno, valor que é US$ 572 superior à média anual da organização.
“No ano 2000, o investimento anual do governo brasileiro, por aluno, era de cerca de R$ 2,3 mil, patamar que hoje subiu de forma significativa, para um valor quase três vezes mais alto. Porém o país apresenta um universo de matrículas alto, com cerca de 48 milhões de estudantes na educação básica, e o valor acaba se diluindo”, enfatiza Mozart Neves Ramos, titular da cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), em Ribeirão Preto, e integrante do Conselho Superior da FAPESP. Ele aponta, também, a necessidade de aperfeiçoar a gestão dos recursos, o que pode incluir estratégias para melhorar a remuneração docente. Nesse sentido, Capistrano observa que os professores brasileiros da educação básica recebem o terceiro menor salário dentre as nações que compõem o estudo da OCDE.
O documento da OCDE revela ainda que, no Brasil, entre 2015 e 2019, as matrículas na educação infantil cresceram 4 pontos percentuais entre crianças menores de 3 anos e 7 pontos percentuais entre aquelas entre 3 e 5 anos. Em 2019, a taxa de matrículas para crianças de 3 anos de idade atingiu o mesmo nível da média da OCDE, de 25%, enquanto entre aquelas entre 3 e 5 anos o percentual equivalente foi de 84%, valor mais alto do que a média de outras nações para o mesmo período, nessa etapa da educação, que foi de 83%. Apesar dos avanços nessa etapa escolar, a meta prevista era de universalizar o acesso à escola para crianças de 4 a 17 anos até 2016, algo que não aconteceu, lembra Ramos.
O levantamento da OCDE também mostra que, no Brasil, estudantes do ensino médio profissionalizante constituem 9% dos concluintes dessa etapa do ensino, enquanto entre nações da OCDE a mesma proporção é de 38%. Na maioria dos países participantes, os homens apresentam maior probabilidade de realizar curso profissionalizante se comparados com as mulheres, algo que difere no panorama brasileiro. No país, o percentual de mulheres que finalizaram o ensino médio profissionalizante em 2019 foi de 56%, enquanto a média dos países da OCDE foi de 45%.
No Brasil, o tamanho das turmas de alunos em escolas de ensino fundamental e médio diminuiu entre 2013 e 2019, de 23 para 20 estudantes no ensino fundamental, e de 28 para 26, no ensino médio. Em 2019, o tamanho das turmas no Brasil estava abaixo da média da OCDE, de 21 alunos por sala no ensino fundamental. Já no ensino médio, permanecia acima da média da OCDE, de 23 estudantes por turma. Apesar disso, a média salarial dos professores brasileiros em todas as etapas da educação básica é mais baixa do que a de outros países da organização. Enquanto o rendimento médio anual dos docentes brasileiros no ensino fundamental é de cerca de US$ 25,3 mil por ano, o valor correspondente nos outros países é de cerca de US$ 45,6 mil anuais.
Sobre o país, o documento evidencia que o desempenho educacional de estudantes está relacionado ao seu perfil socioeconômico. Assim, a pesquisa identificou que para cada 10 alunos de nível socioeconômico alto que atingem pontuação acima de 2 no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) – estudo comparativo internacional realizado a cada três anos pela OCDE – o número correspondente para alunos em situação socioeconômica precária é 5. A escala de notas do Pisa vai até 6. A OCDE considera que a nota 2 representa o patamar mínimo adequado de aprendizagem.
O documento indica que as mulheres têm mais probabilidade de concluir o ensino superior no país do que os homens. Apesar disso, elas têm menos chances de ingressar no mercado de trabalho. Em 2018, a média de mulheres entre 25 e 34 anos com ensino superior completo empregadas nos países da OCDE foi de 80%, sendo que o percentual equivalente para os homens foi de 87%. No Brasil, os valores correspondentes foram de 77% e 85%, respectivamente. Ainda no país, 20% dos jovens que obtiveram bacharelado em 2019 se graduaram em instituições públicas, enquanto a média de outros países da organização foi de 66%.
O relatório da OCDE indica que, em 2019, a presença média de mulheres na docência em anos iniciais do ensino fundamental foi de 82%, enquanto nos anos finais foi de 68% e, no ensino médio, de 60%. O valor correspondente para o ensino superior é de 44%. No Brasil, a presença feminina nos anos iniciais do ensino fundamental foi de 88%, 66% nos anos finais, 57% no ensino médio e 46% na educação superior. O relatório da OCDE mostra, também, que os professores brasileiros são mais jovens em comparação com os de outros países. Em 2019, 22% dos docentes nos anos iniciais do ensino fundamental no país tinham 50 anos ou mais de idade, sendo que o mesmo número nos países da OCDE corresponde a 33% do total de docentes.
O estudo revela que as diferenças de gênero no acesso ao mercado de trabalho se acentuam entre a população com níveis mais baixos de educação. Assim, no Brasil, 35% das mulheres de 25 a 34 anos com ensino médio concluído estavam empregadas em 2018, em comparação com 69% dos homens. Essa diferença de gênero é maior do que a média nos países da OCDE, onde 43% das mulheres e 69% dos homens com ensino médio finalizado estavam empregados naquele ano.
“Mesmo na comparação com outras nações latino-americanas, o relatório evidencia que o Brasil é um dos países com maiores desigualdades educacionais dentre aqueles que fizeram parte do estudo, incluindo quesitos de gênero, geográficos, entre meios urbanos e rurais e conforme níveis socioeconômicos”, sublinha Ramos. Nesse sentido, ele menciona investigação do economista Marcelo Cortes Neri, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE-FGV), divulgada no final de 2020 com o objetivo de analisar os impactos da pandemia na aprendizagem de estudantes brasileiros. A pesquisa mostra que adolescentes de 16 e 17 anos das classes A e B estudaram 64% mais tempo do que jovens da classe E, que têm nível socioeconômico baixo. Ao lembrar que o país permaneceu por mais de 300 dias com escolas públicas sem aulas presenciais, ele manifesta preocupação com o abandono escolar entre jovens do ensino médio e nos primeiros dois anos da educação superior. “O percentual de jovens de 18 a 24 anos que faziam curso superior no Brasil antes da pandemia era de 21%, valor distante da meta de 33% prevista pelo Plano Nacional de Educação [PNE] para 2024”, observa Ramos.
O objetivo do Education at a glance é fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas. Considerado documento de referência para traçar panoramas comparativos, frequentemente seus dados são usados pelo Ministério da Educação (MEC) para desenhar iniciativas educacionais, segundo o Inep. O Brasil participa do estudo desde sua primeira edição, em 1997. O levantamento dos dados estatísticos referentes à educação brasileira é de responsabilidade do Inep, órgão vinculado ao MEC.
Fonte: Publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.