A quem interessa a paralisação do Sistema de Avaliação da Capes?
Uma decisão liminar proferida por um juiz de primeira instância, da 32ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, determinou a suspensão da avaliação quadrienal da Capes, paralisando um processo complexo do Sistema Nacional de Pós-Graduação, composto de mais de 4.600 (quatro mil e seiscentos) programas de mestrado e doutorado.
A avaliação dos programas de pós-graduação visa a buscar parâmetros que assegurem qualidade à produção científica brasileira e à formação de profissionais altamente capacitados em todas as áreas do conhecimento. A avaliação busca fundamentalmente vincular a produção acadêmica aos desafios do desenvolvimento brasileiro.
A suspensão desse processo gera um prejuízo difícil de mensurar, dado o tamanho das consequências negativas. Diria que a principal delas é a descontinuidade do aprimoramento qualitativo do processo de avaliação e o efeito colateral imediato pode ser a perda da credibilidade e reputação de todo o Sistema Nacional de Pós-graduação. A não realização da avaliação pode gerar também um apagão de dados sobre a produção científica brasileira.
É sabido que há fortes interesses de entes privados, que atuam na educação, na desregulamentação das diversas instâncias do ensino superior e da pesquisa. Seria essa a motivação oculta desta decisão judicial?
Têm sido desastrosas as intervenções do Judiciário nas questões estritamente relativas à dinâmica do desenvolvimento científico. Lembremos do emblemático caso da Universidade Federal de Santa Catarina, que levou ao suicídio do reitor Luis Carlos Cancelier de Olivo, em que, após a espetacularização da investigação, o processo foi encerrado sem qualquer vestígio de irregularidade.
O texto da liminar determina que a Capes emita em 30 dias, dentre outras coisas, as “notas de corte” que serão utilizadas na avaliação. Com segurança digo, àqueles que não conhecem o sistema de avaliação, não existe nota de corte. As áreas do conhecimento definem, após ampla consulta e participação da comunidade acadêmica, os seus “documentos orientadores” e os quesitos da ficha de avaliação. Cada programa apresenta um desenvolvimento forjado a partir dos seus planos de desenvolvimento institucionais e de suas vocações. Não há como comparar o planejamento de uma instituição com o de outra. Os objetivos podem ser completamente diferentes.
Mas o que se espera de todos? Qualidade na produção, impacto positivo na sociedade e em implementação de políticas públicas benéficas à comunidade, pesquisas referenciadas por pares em âmbito nacional e internacional, contribuição para o desenvolvimento científico, elevação cultural da nação.
A avaliação não é estática. Está em permanente debate entre os pares da comunidade científica e acadêmica. O Conselho Técnico-Científico está apoiado em pesquisadores altamente qualificados de 49 áreas do conhecimento. As inovações questionadas pela liminar, além de serem fruto de intenso debate nesta imensa comunidade de pesquisadores e pesquisadoras, ampliam o escopo da avaliação. Ou seja, passam a considerar novos elementos na avaliação, para além dos estabelecidos até 2017, como o impacto social das produções e a autoavaliação. Ampliam-se as possibilidades dos programas apresentarem bons desempenhos e não o contrário.
A questão em debate é que o Poder Judiciário não possui repertório para julgar a dinâmica acadêmica. O desenvolvimento da Ciência requer criatividade, liberdade e o mínimo de modulação; dificilmente se encaixa nos parâmetros herméticos da Justiça. Cada um tem sua atribuição, que cada uma delas seja cumprida sem sobreposições e com respeito.
Nesse sentido, é preciso que a avaliação quadrienal siga seu curso e seja retomada o quanto antes. Disso depende a autonomia tecnológica do Brasil e a formação de quadros técnicos voltados a esse objetivo, conforme preconiza a Constituição de 1988.
*Flávia Calé é doutoranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG)
Publicado originalmente no Jornal da USP