Encerrados os trabalhos do 15º Congresso, de grande significado para a vida do nosso partido em função do largo período de desacumulação das forças progressistas, do nosso campo em geral e do PCdoB em especial, não podemos deitar sobre os louros obtidos no processo não eleitoral mais recente, como a reafirmação do caráter e do significado do nosso Partido e a manutenção da sua independência e identidade,  a integração dos (as) camaradas oriundos do Partido Pátria Livre, e a aprovação da Lei das Federações Partidárias. Esses três elementos conjugados, em um período de tempo curto, considerando menos de três anos, em pleno turbilhão da vitória da extrema direita em 2018, merecem, sem dúvida alguma, serem amplamente comemorados pela militância comunista, equilibrando isso com o debate sobre nossas limitações, insuficiências e necessidade de revigorar o Partido, intensificando nossas relações com o povo, fortalecendo nossas diversas frentes de atuação e estruturação partidária, convertendo isso em força política ampliada e superação dos resultados eleitorais insuficientes.

Um dos aspectos estruturais do tempo em que vivemos é que a vida política – logo, a ação militante nos seus múltiplos aspectos – tornou-se muito mais complexa do que era até alguns anos atrás. Todo período histórico tem suas complexidades específicas, agregando a elas a herança do passado, entre o mais remoto e o mais recente, mas cada período tem em si mesmo os seus aspectos próprios que impactam profundamente o seu Presente e deixa legados para o Futuro. Ora, quanto mais complexa é a realidade na qual vivemos, mais ela exige de nós enorme capacidade de interpretá-la, compreendê-la e criar condições para nela agir, de modo a impulsionar a luta contra o capitalismo. E isso não se faz apenas com boa vontade e ação baseada nos instintos e no pragmatismo rebaixado.

No nosso tempo, considerando aí aproximadamente uma década, a dinâmica do capitalismo, na sua contínua busca por inovações para manter-se como sistema dominante no mundo, estabeleceu um conjunto muito significativo de mudanças no mundo do trabalho, intensificando o uso das tecnologias da informação, fragmentando e dispersando intensamente a força de trabalho, precarizando-a  de forma inédita, desde a consolidação da revolução industrial em meados do século XIX e do desenvolvimento das lutas e revoluções proletárias, que empurraram o capitalismo para um conjunto de concessões trabalhistas e sociais.

O capitalismo vivencia e produz uma intensa modernização reacionária – uma aparente contradição de termos – na qual a tecnologia impulsiona a circulação de mercadorias e prestação de serviços, bem como a própria circulação dos capitais às custas de uma brutal desregulamentação do trabalho, gerando uma precarização agigantada, que no Brasil chega hoje à casa dos mais de 30 milhões de trabalhadores, na chamada “uberização” da mão-de-obra.  Junto a isso, o avanço da robótica e da automação de largos ramos da produção industrial despeja nas garras do desemprego dezenas de milhões de operários (as) dos diversos setores produtivos. E, no caso específico do Brasil, vivenciamos em paralelo um forte processo de desindustrialização da nossa economia, com a indústria hoje representando menos de 10% do nosso PIB, enquanto comércio e serviços chegam aos mais de 70% da nossa produção interna. Esses dois setores, de modo muito geral, necessitam bem menos de trabalho especializado, logo, como tendência, geram empregos com menor grau de remuneração, diminuindo, como consequência, o padrão de renda da massa trabalhadora e enfraquecendo o mercado interno. Desemprego estrutural, dispersão da massa trabalhadora, fragmentação, enfraquecimento do movimento sindical por um conjunto de motivos, associados a um período de fortalecimento das ideias retrógradas, de um pensamento reacionário com forte impacto, principalmente sobre esse proletariado expandido que o capitalismo vem forjando nos últimos anos, movendo contra as ideias avançadas uma verdadeira “guerra cultural” de sentido obscurantista, conformam um quadro de imensa complexidade para a atuação de um partido como o nosso. Nem sempre é simples e rápido assimilar tais mudanças e a elas nos adaptarmos, tanto no que diz respeito às lutas políticas mais estruturais como para as lutas mais específicas e para a inserção, estruturação e potencialização do próprio partido.

Agregamos agora, com a nossa vitória de alcance histórico que é a aprovação da lei das federações partidárias, um novo elemento que com certeza agrega novos patamares de complexidade para a vida do PCdoB. Múltiplas serão as injunções para o Partido a partir da sua vinculação a uma federação partidária, seja lá com qual ou quais partidos forem. Se é verdade que essa nova possibilidade de disputa eleitoral tende a ajudar sobremaneira o fortalecimento eleitoral do nosso partido, é verdade também que teremos pela frente um conjunto de alterações de grande monta no nosso comportamento diante dos demais partidos, em especial com o (s) partido (s) que eventualmente vierem conosco a formá-la. Afinal, estabelecida a Federação, durante os próximos quatro anos, estes partidos estarão unidos por uma direção conjugada, um programa que os regerá durante o período e todas as seções dos partidos federados – nacional, estaduais e municipais – estarão unidas eleitoralmente em pelo menos duas disputas (2022/2024). Parece simples, mas em um país continental como o Brasil, com sua larga tradição regionalista e municipalista, unir legendas partidárias por quatro anos consecutivos (ou mais, caso a federação alcance sucesso logo de cara), é um elemento que vai agregar, creio eu, enormes tensões internas em diversos estados e municípios.

Junto a tudo isso, agreguemos a imensa complexidade de um período histórico no qual o mundo vivencia uma tendência crescente à multipolarização, com o declínio relativo dos EUA e Europa e especialmente a partir da forte expansão da economia chinesa, que constrói o seu socialismo de maneira inédita, criativa, extremamente complexa, particularmente para todo um conjunto de militância – não só no Brasil – que considerava a União Soviética e o Bloco Socialista como paradigma fundamental sobre como  Socialismo deveria ser. São, portanto, múltiplas as variantes com as quais nos defrontamos como força política revolucionária. Compreendê-las, insisto, não é tarefa simples e nem são resolvidas por decretos aprovados em conferências e congressos, ainda que os debates e reflexões que neles desenvolvamos ajudem muito, sem dúvida.

Tudo isso junto, e mais evidentemente um conjunto de outros fenômenos novos que não aparecem nestas singelas reflexões, tanto em âmbito nacional como regional ou local, exigem do PCdoB um redobrado cuidado e aperfeiçoamento do trabalho de formação de militantes e quadros. Essa realidade multifacetada, aparentemente fragmentada – inclusive associada às lutas de setores sociais específicos, de frações de classe e movimentos centrados na sua autoafirmação perante a sociedade – nos forçam a compreender que ao Partido é fundamental formar toda uma nova geração ampliada de quadros marxistas-leninistas, quadros que compreendam e que dominem de modo muito especial os elementos estruturantes do materialismo histórico e dialético. Nessa intensificação da complexidade, não podemos nos bastar com a repetição de bordões e chavões sobre o futuro inevitável do colapso do capitalismo e nos contentarmos em movimentar a luta política apenas pela ótica institucional, por mais importante que ele seja, e é.  Precisamos enfrentar, com sabedoria e capacidade, a luta de ideias, o confronto com as manipulações ideológicas que afetam crescentemente largas parcelas do povo. É necessário renovar as linhas de estruturação partidária, ampliando nossa inserção em setores estratégicos da economia nacional, ao lado da intensificação da chamada territorialização do trabalho partidário, renovando também nossa ação nos movimentos sociais e movimento sindical. Nada disso é novo na trajetória do nosso Partido, posto que são desafios permanentes. Mas essas questões precisam ser enxergadas em conexão com o mundo tal como ele é hoje e não como era até um passado mais recente.

O PCdoB precisa ampliar a formação de quadros marxistas, nos termos estabelecidos por Lênin e desenvolvido por Gramsci: intelectuais proletários, forjados nas lutas reais e concretas do cotidiano da vida do país, mas apetrechados com os ensinamentos teóricos que lhes permitam compreender a realidade de modo mais intenso. Que possam entender as contradições do capitalismo e seus profundos reflexos em suas realidades locais, possibilitando assim a justa adequação e o equilíbrio entre o geral e o específico, entre as questões nacionais e municipais, entre os grandes embates políticos pelo controle do Estado Nacional e seus desdobramentos mais localizados, aonde a nossa militância atua no cotidiano. Militantes e quadros que compreendam elementos centrais que impactam profundamente a ação das forças políticas, como correlação de forças, estratégia e tática, política de alianças, a importância estratégica do desenvolvimento das forças produtivas para impulsionar o crescimento do país, compreender a construção do Socialismo como um processo de transição etc. Instrumentos teóricos que permitam ao Partido enfrentar ainda melhor a força da ideologia dominante, por um lado, e concepções esquerdizantes, idealistas, voluntaristas, que infestam determinados movimentos e forças políticas.  

É óbvio que a formação de quadros partidários, com compreensão e domínio consistentes do instrumental teórico não é fruto de uma política de formação estilo “fast food”. É necessário, para isso, ampliar os esforços que envolvam o estudo teórico combinado ao conhecimento mais básico para o conjunto da militância, com processos crescentes de intensificação dessa formação, sempre, evidentemente, considerando que o grande processo formador cotidiano é a atuação organizada nas diversas estruturas do partido, dos organismos de base ao Comitê Central. Logo, a combinação de luta política real e concreta, com bases e comitês mobilizáveis, com direções próprias, com planejamentos muito concretos (mesmo que singelos) de ação, que conjuguem atividades diversas junto ao povo, reuniões periódicas, debates e estudos coletivos e individuais, participação em cursos, e demais atividades organizadas pela Escola Nacional e suas seções locais bem como pelo complexo de formação composto pela Fundação Grabois e demais instrumentos. Essa militância e os nossos comitês precisam estar apetrechados e municiados com os atuais e novos processos de comunicação, para dentro e para fora do PCdoB.

Camaradas, nada disso é exatamente novo e evidentemente temos um rico patrimônio acumulado nesse campo da formação e propaganda.  No entanto, é necessário considerar que as novas condições da realidade exigem de nós, dirigentes nos diversos níveis – dos comitês municipais ao Comitê Central – um novo ânimo no enfrentamento dessas questões. Precisamos superar o que considero um ainda razoável grau de subestimação desse trabalho, uma subestimação que permeia diversas instâncias de direção. Não apenas a subestimação com o trabalho de formação teórica e de comunicação, mas também com o trabalho de organicidade da base partidária. Como dizem por aí, no quesito disputa eleitoral, “time que não disputa campeonato não cria torcida”. Ora, partido que não organiza e mobiliza seus filiados dificilmente vai ter time para disputar campeonatos.

Da parte que compete ao nosso Sistema Nacional de Formação e Propaganda, no próximo período, compete intensificar a produção de novos cursos e atividades formadoras bem como ampliar a utilização dos novos instrumentos de comunicação e de transmissão e realização de atividades a distância, sem descuidar das ações presenciais, sempre que possível, ampliando o já robusto leque de possibilidades de formação individual e coletiva. Compete também estimular os comitês estaduais e municipais a desenvolverem ações próprias de formação, voltadas para a melhor compreensão da realidade local, sempre buscando fazer as pontes necessárias entre o geral e o específico. Essas são ações imprescindíveis para que o nosso partido ganhe ainda mais dinamismo, intensidade e expansão no seu processo formador, de modo a potencializar um novo processo de acumulação de forças e vitórias. Sigamos! O povo e o Brasil precisam do nosso partido. Nosso partido precisa do nosso empenho para avançar!

Altair Freitas é historiador, membro do Comitê Central, diretor da Escola Nacional João Amazonas, secretário de organização do PCdoB da cidade de São Paulo