50 anos da Guerrilha do Araguaia, legado de heroísmo
O dia 12 de abril de 2022 foi marcado pela memória do início dos combates da Guerrilha do Araguaia, numa transmissão ao vivo que reuniu o jornalista e escritor Osvaldo Bertolino e o historiador Romualdo Pessoa para comentários sobre o legado do conflito que marcou o sul do Pará, desde o final dos anos 1960.
O dia 12 de abril de 2022 foi marcado pela memória do início dos combates da Guerrilha do Araguaia, numa transmissão ao vivo que reuniu o jornalista e escritor Osvaldo Bertolino e o historiador Romualdo Pessoa para comentários sobre o legado do conflito que marcou o sul do Pará, desde o final dos anos 1960. Ambos escreveram textos fundamentais sobre o tema e combatem, com o rigor histórico e científico, escritos que tratam da guerrilha com o viés ideológico reacionário que interessa ao regime militar e suas tentativas de apagar e fazer esquecer a luta de resistência popular.
Houve depoimentos e relatos feitos especialmente para a ocasião, que esclarecem diferentes pontos de vista sobre o tema. O presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, e a presidenta do PCdoB, Luciana Santos, trataram do papel protagonista do Partido naquele momento, deixando um importante exemplo de luta e heroísmo para as juventudes atuais. O historiador Fernando Garcia, coordenador do Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois, falou dos limites e potências da documentação disponível sobre aquele período. Por outro lado, Diva Santana e Sônia Haas, parentes de guerrilheiros desaparecidos, falaram de sua luta para honrar a memória dos médicos Dina e João Carlos. Miqueas Almeida, o Zezinho do Araguaia, é o guerrilheiro sobrevivente que testemunhou a grandeza de cada homem e mulher que foi para aquela região remota lutar contra os militares.
A live ainda foi complementada por obras audiovisuais que resgatam elemento raros sobre assunto, visto que os registros de época são raros, devido às operações de limpeza de vestígios da existência da guerrilha, promovidas pelos militares. Foram exibidos trechos de documentários que mostram o comandante Osvaldão (Osvaldo Orlando da Costa) na Tchecoslováquia, num registro raro do militante, antes da Guerrilha. A Guerrilha do Araguaia vista por dentro também foi um documentário, com depoimentos de camponeses, exibido em trecho.
Abaixo a íntegra dos documentários exibidos:
Romualdo escreveu o primeiro trabalho acadêmico, Guerrilha do Araguaia, a esquerda em armas, num meticuloso trabalho investigativo na região. Ele também é autor de Araguaia, depois da guerrilha, outra guerra, que mostra as consequências do conflito nas décadas seguintes. Apesar de mergulhar no assunto, Osvaldo considera que as obras tocam apenas a ponta do iceberg, pois, “na região se tropeça em histórias e descobertas”.
Um dos momentos sublimes da live foi quando a premiada escritora Cida Pedrosa leu trecho de seu belo livro-poema, Balada para o Araguaia, no prelo pela Companhia das Letras. No trecho recitado, ela menciona a guerrilheira Dina e sua trajetória heróica no enfrentamento à ditadura, assim como o cenário envolvente da região amazônica. O professor Romualdo, inspirado no poema, citou Bertold Brecht, quando diz: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Veja abaixo um trecho do poema:
Protagonismo do PCdoB
O presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, e a presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, também destacaram a coragem e o profundo amor pelo Brasil daqueles homens e mulheres que lutaram e foram assassinados pelo regime militar.
“A resistência armada do Araguaia conduzida pelo PCdoB foi realizada num período dos mais duros da ditadura, sem nenhuma liberdade política para o povo e constante repressão sanguinária”, destacou Renato.
Ele salientou que “coube ao PCdoB, naquele momento, na sua consequente luta de resistência ao regime brutal, dar uma resposta de amor e coragem à nação e ao povo brasileiro, abrindo caminho a uma maior resistência que, acumulando forças, levou ao fim o regime de chumbo”.
Renato fez uma analogia com o pronunciamento de Karl Marx sobre a Comuna de Paris, “quando afirmou que o seu significado foi um ‘assalto aos céus‘, porquanto a classe operária dava suas primeiras respostas de ruptura contra o regime capitalista”.
Compromisso radical
Luciana considera que, na trajetória de um século de lutas, o Araguaia é um capitulo heróico da história do PCdoB e do povo brasileiro. Para ela, o golpe militar em 1964 foi o batismo de fogo do PCdoB, recém-organizado.
“O desafio da nação era derrotar a ditadura militar e conquistar a democracia e a liberdade. Jornada que demandou duas décadas e custou muitas vidas”.
Ela avaliou que o Partido contribuiu com a interpretação correta sobre o “significado nefasto” e o alcance da ditadura, assim como com a definição da política de alianças e com as formas de luta adequadas para combatê-la.
O cerne da orientação tática foi a frente ampla, com a combinação de luta política de massas, bandeiras democráticas e patrióticas e o recurso a luta armada, pontua a dirigente comunista.
“Os comunistas, ao protagonizá-la, expressaram uma vez mais a radicalidade de seu compromisso com a democracia. A resistência do Araguaia elevou o animo da luta geral contra a ditadura e quebrou o mito de um regime que se proclamava intocável”, afirmou.
Luciana também observa que os moradores da região, apesar das atrocidades, espelharam-se nos guerrilheiros e guerrilheiras para elevar o nível de suas lutas. “Transcorridos 50 anos, a resistência armada do Araguaia ainda é um tema recorrente da agenda política, acadêmica e cultural do país”.
“Muitas gerações e inclusive a nossa juventude tem no exemplo dos heróis e heroínas do Araguaia, uma fonte que os inspira e motiva ao engajamento da luta social e política pela construção de um mundo novo”, concluiu ela.
Últimas consequências
Adalberto Monteiro, secretário de Formação do PCdoB, considera que a guerrilha retrata que “os comunistas vão até as últimas consequências quando o tema é a liberdade e a democracia”.
Segundo sua análise, o PCdoB é um partido forjado em combater regimes autoritários, desde o seu nascedouro. Ele nasce enfrentando o autoritarismo dos coronéis da República Velha. Posteriormente, lá está o PCdoB na época do nazifascismo, expresso no Brasil pelo integralismo, reunindo e agregando para combater o fascismo na década de 1930 e 1940.
“Nos tempos de paz, o PCdoB é uma alavanca para ampliar a democracia”, complementa Adalberto. Foi assim com a Constituinte de 1946, assim como na redemocratização com a Constituição de 1988.
“Nos tempos em que a liberdade entra em eclipse, o PCdoB adota diferentes formas de luta”, resumiu Adalberto. As circunstancias que levaram o PCdoB a recorrer à luta armada remontam a 1968, com o Ato Institucional no. 5, o terror de estado com violência aberta para prender e assassinar opositores políticos. “Diante de tantos lutadores e lutadoras sendo torturados e assassinados, corria a pergunta: será que não é possível fazer nada? Sim, impõe-se reagir e resistir”, declarou.
Ele demonstrou como o tema da guerrilha do Araguaia continua presente na cultura, na política e na ciência social, como uma fonte de luz para os revolucionários nesse tempo de neofascismo do governo Bolsonaro.
Adalberto despediu-se agradecendo as palavras do historiador Romualdo, ao mencionar que a história precisa ser fidedigna aos fatos, mas não precisa ser “fria e ascética”. “Você foi a um só tempo fiel aos fatos e narrou de forma empolgante e emocionante”, elogiou ele o relato do historiador (leia abaixo).
“Cinquenta anos depois, a guerrilha do Araguaia continua a ecoar no século XXI, continua sendo fonte de energia para a luta transformadora. Forte de energia para inspirar as novas gerações. O coração dos guerrilheiros e guerrilheiras segue a pulsar nos corações da juventude revolucionária do século XXI. O Araguaia segue pulsando forte no chão do século XXI, agora na luta contra a extrema direita, para libertar o país do desastre que é o governo do presidente de cunho neofascista que é o Bolsonaro”, concluiu o dirigente do PCdoB.
O paradoxo da documentação perdida
O historiador Fernando Garcia garante que, nestes quase 14 anos de CDM, a guerrilha é um dos principais temas de pesquisa, embora seja um paradoxo pela dificuldade de acesso a documentação sobre o período. “O número de documentos é inversamente proporcional a sua importância”, resume.
Para ele, a guerrilha foi um dos pontos mais altos da história do PCdoB, resultado de uma elaboração política, de uma engenharia organizacional, que contou com a experiência dos principais dirigentes e da energia de aguerridos militantes.
Ele fez questão de responder aos autores que acusam os militantes de inconsequentes na luta armada empreendida no Pará. “Aventureiro é quem olha para a história de forma anacrônica. A guerrilha do Araguaia olhava para as inúmeras lutas de libertação que aconteciam pelo mundo, na Argélia, em Cuba, no Vietnã, entre outras, como as próprias lutas do povo brasileiro, desde o início da colonização”, defende.
As condições da guerrilha não permitiam acumular fotos, panfletos ou registros por questão de segurança. Fernando conta que conhecemos a guerrilha pelo relato de dirigentes e guerrilheiros que sobreviveram, e relatos de familiares dos desaparecidos. “A ditadura, por sua vez, fez uma verdadeira operação limpeza para não deixar vestígios dessa luta de resistência do povo brasileiro. A maioria dos corpos continua oculta da sociedade, dos familiares e do partido, pois seriam uma prova da resistência e da violência do estado”, diz o pesquisador.
Ele conta que o próprio governo produziu documentos confidenciais que comprovam a existência da guerrilha e do terrorismo de estado. “As forças armadas acumulam documentos produzidos pelos guerrilheiros. Sabemos que tem muito mais escondidos pelo Exército”.
Ele acredita que o estado precisa devolver os corpos e dizer o que aconteceu lá. É preciso que haja julgamento e sentença. “O estado precisa devolver os documentos saqueados das casas dos dirigentes e militantes, e encontrados com os guerrilheiros. Precisa trazer a público a pilha de documentos encontrados na casa da Lapa, em 1976, após a chacina dos dirigentes comunistas”, pontua.
Em janeiro de 1975, o jornal A Classe Operária trata de uma reunião do Comitê Central do PCdoB, que produziu um documento importante, em novembro de 1974. O PMDB havia ganhado dois terços das casas parlamentares, numa surra democrática do povo na ditadura, em meio à guerrilha. “Nesse documento, Angelo Arroyo diz que a saída também está por aí, pelas eleições e pela democracia. A partir daquela reunião, as três bandeiras do partido são o fim dos atos de exceção, a anistia para os banidos políticos e uma nova Constituinte, já. Se deflagram novas cores para a tática do PCdoB que se revelou muito acertada, dez anos depois”, declara Fernando.
“É com a materialidade da história, com direito a verdade que se faz democracia”. Fernando ressaltou a disponibilidade no portal Grabois (www.grabois.org.br), na área do CDM, da coleção do jornal A Classe Operária do período e os documentos oficiais do Partido que foram produzidos.
Heroismo e solidariedade
O Zezinho do Araguaia diz que só acredita no que “aquelas mulheres”, as guerrilheiras, eram capazes de fazer, porque viu. “Me emociono até hoje, ao falar delas. Nossas professoras de coração e alma”.
“Na Bahia, tem a Luzia, que sobreviveu. O sofrimento que aquela companheira passou, esteve presa, entrou, saiu e não falou nada de nenhum companheiro”, conta ele.
“A Dina, o povo conserva até hoje a casa em que ela morou”, diz ele.
Esse carinho pelos guerrilheiros se deve ao clima de união e solidariedade que eles e elas passaram para a população local. “A nossa roça era a última que era trabalhada. Primeiro a gente fazia a roça de todo mundo, depois a nossa. A colheita era feita por todos e depois dividido o dinheiro”.
Zezinho atravessava o rio Araguaia a nado, passando pelos jacarés, para fazer o transporte entre os destacamentos da guerrilha. As distâncias entre eles giraram um raio de 100 quilômetros.
Justiça para os desaparecidos
Diva Santana, irmã de Dinaelza Santana Correia, a Dina, falou em nome dos familiares dos desaparecidos. Em sua opinião, 12 de abril representa a resistência a luta daqueles bravos combatentes travaram ao enfrentar um número poderoso em contingente e quantidade de armas.
“12 de abril é um marco onde se comemora a resistência dos bravos combatentes e lembra as atrocidades que as forças armadas, com policiais, fizeram com aquele povo, que até hoje são marcados. Uma luta que continua pelo resgate à memória e a justiça que queremos, mesmo que muitos desses torturadores estejam mortos, para que a população saiba. Precisamos nos livrar desse estado violento e do arbítrio”, discursou Diva.
Ela conta que a logística dos guerrilheiros era a mata, enquanto os militares usaram a mão de obra de pistoleiros e de camponeses forçados a caçar os guerrilheiros.
As pesquisas feitas pelo Ministério Público Federal, pesquisadores, familiares, advogados, historiadores, apontam para um número muito maior de desaparecidos, conforme os depoimentos dos camponeses é tomado.
Ela diz, também, que o uso de apelidos pelos guerrilheiros também dificulta o conhecimento, pois os camponeses só os conheciam por esses disfarces.
Sonia Haas, irmã de João Carlos Haas Sobrinho, o Dr Juca, também considera esta uma data importante para trazer ao conhecimento dos brasileiros uma página que não foi virada, que não entrou para os livros de história das escolas. “São 50 anos da morte do João Carlos, e continuamos lutando por respostas. Não vamos nos calar!”
“Meu irmão saiu de casa em 1966, quando eu tinha 7 anos e deixou um buraco na nossa família. Uma pessoa muito presente, alegre, que dava atenção a todos. Por isso, resolvi procurar por ele”, disse Sônia.
Sua primeira visita ao Araguaia com os parentes foi em 1987. Lá, encontrou muitas histórias, memórias e carinho que os camponeses de Xambioá tinham por esse jovem que passou por lá.
Ela conhecia João Carlos como um menino muito inteligente e dedicado, uma liderança na faculdade, “que teve o impulso de lutar por um mundo melhor, com igualdade social para os brasileiros”.
“Temos a obrigação com esses jovens atingidos pela ditadura militar de não nos calar, de falar sobre eles e sua luta. Não deixar morrer esse movimento”, concluiu.
Anacronismo histórico e falácias
Osvaldo Bertolino observa que a pesquisa do professor Romualdo revela que, quando os guerrilheiros chegaram ao Araguaia, havia uma grande demanda por justiça. “Aquele povo era mal-tratado, escravizado, roubado, explorado, massacrado, vítima de violências. A chegada dos guerrilheiros deu uma dignidade e um senso de justiça que pode ser traduzido numa certa consciência política”, analisa ele.
Ele observa também que o historiador escreveu sobre a doutrina de Segurança Nacional, que mostrou “porque esses golpistas eram tão ferozes, brutais e fascínoras”. Ele compara as práticas do regime brasileiro a doutrina Truman, que levou à guerra suja que existiu no Vietnã, na Coreia e se expressou na Guerrilha do Araguaia.
O professor Romualdo enfatiza que não se pode transpor uma época pela outra, sob o risco do anacronismo. Ele se refere aos textos que surge eventualmente usando parâmetros atuais para analisar contextos de épocas muito distintas, como aquele período. “Naquela época havia uma guerra fria, ideológica, que envolvia disputa entre o bloco capitalista e o socialista. Hoje, não. O que há é uma disputa entre países capitalistas”, diz ele, quando se compara a luta da esquerda contra a ditadura militar e contra o avanço da extrema-direita atual.
“Assim, onde havia governos democráticos, os EUA entravam para interferir e derrubá-los e impedir que o Brasil trilhasse um caminho diferente daquele atrelado aos EUA e seus interesses”, declara.
Com o acirramento da violência da ditadura, a partir de 1968, a juventude e a resistência foi ficando cada vez mais emparedada entre ir para o exílio, fazer luta armada na cidade, onde a repressão era mais intensa ou ser presa, torturada e até morta. “Então surgiu a possibilidade de fazer um trabalho político num lugar que o regime não conhecia e, a partir daí, empreender a luta de libertação”, diz o historiador.
O trabalho sutil de envolvimento dos camponeses começa a chamar atenção, analisa Romualdo, conforme esses guerrilheiros se unem a eles para enfrentar as ameaças de grileiros. “Na primeira campanha contra a guerrilha, iniciada em 12 de abril de 1972, o Exército não sabia o que estava enfrentando”.
É naquele momento em que João Amazonas e Elza Monerat voltam para São Paulo para escrever o documento 50 anos de luta do Partido Comunista do Brasil. Romualdo conta que Elza avisa Amazonas que a região está cercada, e ele, então, volta para São Paulo e se esconde.
Ressalte-se que não foram os guerrilheiros que começaram a guerrilha, pois ainda estavam em preparação, envolvimento da população, conhecimento daquela área e atender demandas que o estado não atendia. “As pessoas que foram atraídas para a região pela propaganda desenvolvimentista do regime militar na Amazônia, são abandonados à mercê de jagunços e latifundiários grileiros. Grandes empresas paulistas e empresários compram terras na região”, contextualiza ele.
Assim, esses guerrilheiros montam farmácias, fazem atendimento médico. “A Dina saía de madrugada pelo rio para fazer partos”.
Iam se tornando conhecidos, mas só na segunda e terceira campanhas, conseguiram adesão dos camponeses para a resistência e enfrentamento. “Porque ainda não estavam preparados”, salienta.
Entre outubro de 1972 e 1973, os militares vão se infiltrar no meio da população, como foi o caso do Major Curió, para espionar os guerrilheiros. Eram funcionários da Sucam (Superintendência de Campanha de Saúde Pública), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e repórteres com crachás da Rede Globo, segundo ele.
Quando voltam na segunda campanha, aprisionam muitos moradores e destroem suas roças. “Começa uma operação de barbárie em que a população vai saber quem é o terrorista dessa história”, diz Romualdo.
Mesmo depois da guerrilha, os jagunços do Major Curió permaneceram na região de forma conspiratória, ameaçando e amedrontando a população. Eram agentes do SNI (Serviço Nacional de Inteligência).
“Quando chegamos aos governos Fernando Henrique e Lula, percebe-se um sentimento de vontade de falar, por parte daqueles camponeses. Uma mistura de sentimento de carinho pelos guerrilheiros com raiva pela forma como foram tratados pelo governo. Muitos falavam claramente: Os terroristas eram eles!”, enfatiza.
“Infelizmente, existem historiadores que estigmatizam os guerrilheiros, são anacrônicos em suas observações e expressam em suas teses de doutorado situações que são impossíveis de serem comprovadas, porque as pessoas que podiam comprovar foram mortas. São trabalhos absurdos do ponto e vista da honestidade histórica. São porta-vozes das narrativa dos militares que conseguem publicar seus livros por editoras com muita propaganda”, critica.
Osvaldo acrescenta que o que aconteceu no Araguaia é um retrato de como a estrutura social formada no Brasil por suas classes dominantes trata as lutas de resistência. “As operações limpeza, sumindo com provas da luta, o apagamento da história proibindo que se falasse da guerrilha”.
Assim como, após a Segunda Guerra, os americanos ficaram no Rio Grande do Norte e criaram o campo de concentração de Paraná-Mirim para comunistas, no Araguaia, o Major Curió continuou sua perseguição na região após a Guerrilha.
Mas Romualdo insiste que, apesar da repressão militar, aquele povo do Araguaia conseguiu se levantar a fazer a Guerra dos Perdidos, que, lamentavelmente, poucos conhecem. Este é o assunto de seu segundo livro.
Romualdo conta como Curió avança seu controle absoluto e violento sobre a região, elegendo seus prefeitos, espalhando seus pistoleiros, e se estruturando a partir do controle sobre Serra Pelada.
“A Guerra dos Perdidos é uma tentativa do governo de expulsar aquela população de lá, mas são recebidos a bala pelos camponeses. A igreja, por meio da Comissão Pastoral da Terra, participa da resistência, quando padres são presos e assassinados”, relata.
Isso continua com tentativas de impedir a organização sindical dos camponeses. “Três dirigentes sindicais vão sendo assassinados. E não são mortes por vingança como dizem as narrativas policiais, mas essas pessoas foram mortas por agentes do SNI. O Curió tinha mais de 300 arapongas a serviço dele em Serra Pelada”, acusa.
O PCdoB esteve presente nesses momentos, com muitos desses militantes filiados ao Partido. Então é uma falácia, na opinião de Romualdo, dizer que o PCdoB abandonou essa população após a guerrilha. “O Partido se aliou à igreja progressista em busca de justiça para aquele povo”.
Ele ainda observa que os militares não abriram trégua com a destruição da guerrilha, mas continuaram perseguindo os dirigentes como Lincoln Oest, Carlos Danieli e Luiz Guilhardini, que eles sabiam que faziam o vínculo entre o Partido e a os militantes do Araguaia. Assim como mataram Angelo Arroio e Pedro Pomar na chacina da Lapa, porque sabiam que eles eram perigosos para o regime. “Enquanto a maioria foi presa e torturada, esses dois foram mortos numa encenação de resistência armada. Dizimaram a direção do Partido”, diz ele, sobre as acusações levianas de que o partido abandonou o Araguaia.
Mesmo assim, acrescenta o historiador, Paulo Fonteles foi para a região, se constituiu como advogado dos trabalhadores rurais, elegeu-se deputado, assumiu o debate sobre terras na Constituinte e quando perdeu a eleição foi assassinado. “Foi no período da Constituinte que mais morreu representantes dos trabalhadores rurais na região, devido ao surgimento da UDR (União Democrática Ruralista). Mas Fonteles foi muito importante para fortalecer a relação entre o Partido e os sindicalistas locais”, encerrou.
Assista à íntegra da live comemorativa aos 50 anos da Guerrilha do Araguaia: