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Eletrobras e Petrobras precisam retomar capacidade de gerar excedente econômico

31 de maio de 2022

Especialistas defendem em seminário que a perda gradual de controle estatal sobre estas empresas estratégicas impede a geração de excedentes para investir na sociedade, restringindo sua produção a geração de lucro para acionistas.

Especialistas defendem em seminário que a perda gradual de controle estatal sobre estas empresas estratégicas impede a geração de excedentes para investir na sociedade, restringindo sua produção a geração de lucro para acionistas.

O debate sobre a crise do setor energético no Brasil e os desafios para a sua recuperação continuou, nesta segunda (30), tratando mais especificamente do caso da Eletrobras, em vias de priatização, no próximo dia 13 de junho. A Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Claudio Campos, terminou o Seminário “O Desmonte do Setor de Energia – Petrobras e Eletrobras – e os Caminhos para a sua Reconstrução”. 

O tema desde seminário, além de atual, dada a tentativa de desmonte realizada pelo atual governo, vai estar muito presente no processo eleitoral. Assim, o debate procurou responder sobre a situação da Eletrobras, seu papel no desenvolvimento nacional os motivos do Governo Bolsonaro para querer privatizá-la. Com isso, foram oferecidos subsídios para discutir com a população o alto custo da energia elétrica e como fortalecer a empresa.

A criação da Petrobrás (1953) e da Eletrobras (1962) foram marcos fundamentais na afirmação da soberania nacional, superando a ineficiência das companhias estrangeiras que aqui operavam, e permitindo um grande salto no desenvolvimento do país. 

Para debater o tema, foram convidados especialistas que não apenas são profundos conhecedores da real situação dessas duas empresas, como tiveram a experiência de dirigir ou trabalhar nelas ou na agência reguladora. 

Nilson Araújo disse que neste momento, se deflagrou o processo de doação da Eletrobras. O governo espera arrecadar R$ 67 bilhões para ceder o controle da empresa, quando o TCU fala que deveria ser ao menos R$ 140 bi, embora especialistas falem em R$ 400 bilhões, ao comparar com empresas similares no mundo.

“Isso é um crime de lesa pátria, um crime contra a segurança e a soberania nacional pelo significado estratégico que tem a energia em qualquer processo de desenvolvimento, não podendo estar sob controle estrangeiro”.

Ele considera que esta eleição não é comum e precisa unir todos na trincheira. De um lado, diz ele, o candidato antinação, o entreguismo deslavado, o autoritarismo, obscurantismo, o antipovo, e o negacionismo científico corporificado na figura de Jair Bolsonaro. E por outro lado, a defesa da nação, a soberania nacional, a democracia, o bem estar do povo, a defesa da ciência, da cultura e do desenvolvimento.

Aldo Arantes foi convidado para uma breve homenagem ao ex-deputado constituinte Haroldo Lima, falecido em 24 de março de 2021. Ele destacou a importância do amigo na questão da energia e do petróleo, durante toda a sua trajetória na luta contra a ditadura, na Constituinte e depois na Agência Nacional do Petróleo.

O golpe final

O engenheiro civil Ildo Sauer é ex-diretor de Gás da Petrobras, ex-diretor do Instituto de Energia e Ambiente. Possui doutorado em Engenharia Nuclear – Massachusetts Institute of Technology (1985) e atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo.

O engenheiro mostrou a luta, desde Getúlio, para enfrentar a Light e criar a Eletrobras, que vai se consolidar apenas com João Goulart. A emergência do ultraliberalismo imposto por Washington, com o fim do socialismo soviético, ataca o monopólio estatal do petróleo com reformas constitucionais. É quando se cria a lei de concessões para a Eletrobras, durante os governos Collor e FHC, particularmente com a Lei 9478 de 6 de agosto de 1997. Além de favorecer a privatização, essas mudanças reduzem a capacidade do estado de incluir essas empresas como alavancas de um projeto nacional de desenvolvimento.

Ildo Sauer explica que essas mudanças visaram a beneficiar acionistas em detrimento do consumidor, ao impedir que seja gerado excedente de energia que possa ser dividido entre os brasileiros. Agora, os ataques de Bolsonaro aos neoliberais encastelados na Petrobras (devido aos reajustes da gasolina), paradoxalmente, apontam para uma tentativa de golpe para privatizá-la, na medida em que tenta colocar a opinião pública contra a empresa. 

Ele lamenta que a PPI não tenha sido alterada, já que ela existe, desde 1938, pois o Brasil era importador. Além disso, a venda generalizada de ativos visa cristalizar um “ponto de não retorno”, segundo ele. Sua leitura é de que a pressão de Bolsonaro sobre os acionistas minoritários procura congelar preços até sua eleição, para, então, dar o golpe final. 

Sauer considera uma vergonha que ainda haja um milhão de famílias brasileiras às escuras, apesar da promessa de universalização do consórcio de empresas. Ele conta como, desde 2003, propôs uma reorganização do sistema energético para garantir universalidade de acesso e gerar excedentes econômicos que poderiam financiar áreas sociais do governo. No entanto, ele acredita que o primeiro golpe com a consolidação da privatização da Eletrobras será o aumento do custo da energia, ao contrário do que se diz. O segundo será a venda das usinas hidrelétricas que poderiam ampliar o potencial de geração de energia eólica, fotovoltaica, de biogás e biomassa, mas se tornarão um obstáculo a isso. Além disso, o controle privado sobre a água dos reservatórios gera outros problemas.

Ele considera criminoso que o Congresso tenha exigido que o excedente econômico de Itaipu vá para o fundo da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Este fundo, segundo ele, serve para investir em usina de gás natural, onde não tem gasoduto nem gás, “para favorecer um mero investidor que tem sob sua conta de aluguel uma parcela significativa do Congresso”.

Ildo Sauer critica a permanência das usinas termoelétricas na matriz, com alto custo e baixa participação, implantadas desde 2012. Ele considera uma mentira dizer que a hidrologia (chuvas) é um problema, pois ela sempre foi variável. “O que faltou foi planejar usinas de outro tipo, contratá-las com outro modelo de precificação e ampliar e implementar a cadeia produtiva brasileira. A maior parte dos equipamentos é importada. Energia fotovoltaica só não tem mais no Brasil, porque um dia depois da minha demisão, fecharam a fábrica de silício fotovoltaico, que a Petrobras estava fazendo em Minas Gerais com parceiros”.

Ele critica também o fato de o governo ter “sucumbido ao pato amarelo da Fiesp”, mantendo o custo da energia muito baixo. As reformas do setor não foram feitas em 2003, “mas transformadas numa negociação com o mercado” por meio de Medida Provisória, mantendo o parâmetro anterior de FHC. Com isso, ele critica o fato do modelo não ter sido alterado, favorecendo o golpismo atual nas estatais.

Quando o governo assinou decreto para privatizar a Petroleo e Pre-Sal S.A., perdeu a capacidade de gerenciar todo o excedente por contratos de partilha. Para o professor Ildo, é uma questão de soberania nacional controlar o ritmo de produção para participar de acordos internacionais, garantir que o excedente econômico do petróleo seja devolvido ao povo brasileiro. Ele enfatizou que é preciso dizer, desde já, que tudo que for feito com essas empresas será revogado. Ele sugere que isso seja feito por meio de referendo para conhecimento amplo da população. 

Após o debate, o professor esclareceu que o fato da essência do modelo energético prevalecer do mesmo jeito que Fernando Henrique deixou, não se dá por falta de propostas, mas de apoio político. “O que fazer, nós sabemos; é só voltar às propostas de 2003, que foram negligenciadas”.

Assim, ele defende que é possível privatizar e garantir os interesses do estado. “O precisa é fazer os capitalistas prover o que mais podem, capital e capacidade de gestão para produzir expansão, mas o preço não pode vir da loteria da hidrologia e da eologia, mas da gestão de excedentes”, concluiu.

É só respeitar o estatuto

O engenheiro eletricista Roberto D’Araújo é diretor do Instituto Ilumina. Com mestrado em Engenharia de Sistemas e Controles pela PUC/RJ, fez pós-graduação em Power Systems Operation & Planning (Waterloo University – Canadá) e estágio técnico na Bonneville Power Administration (Oregon – EUA). Foi chefe da Assessoria de Métodos e chefe de Departamento de Estudos Energéticos e de Mercado de Furnas Centrais Elétricas, além de membro do Conselho de Administração de Furnas, de 2003 a 2005. 

O professor fica extremamente incomodado com o debate sobre o preço de venda da Eletrobras, que ele considera “mais um sete a um” contra o Brasil, por admitir vender algo que não deveria ser vendido. Além disso, aponta os disparates entre avaliações de preço do mercado e do governo.

Ele mostrou um relatório de 2003 do Genese (Grupo de Estudo da Nova Estruturação do Setor Elétrico), liderado por Luiz Pinguelli Rosa, em que ele defende que a privatização não era o único processo em curso, mas a ideologia de que o mercado é melhor regulador de serviços essenciais. “Tivemos soluções, mas, infelizmente, não fomos ouvidos. Mas eu não desisto”.

Ele mostrou como o mercado de energia elétrica é lucrativo, por ter baixas taxas de operação. A regulação ruim do modelo adotado permite apropriação de renda indevida por quem está nesse mercado. Outro dado apresentado revela que há um déficit de oferta que poderia ser coberto com investimento em mais uma usina geradora. 

Roberto explicou como o modelo definido por Fernando Henrique determina um custo para energia, mesmo que ela não seja vendida, favorecendo uma lucratividade que torna atrativo para o agente privado e as termelétricas entrarem. Não fosse o alto custo, mesmo com farta geração, as termelétricas não aceitariam entrar, porque não poderiam esperar o custo da energia chegar a seu patamar. “Nenhum mercado do mundo tem variação de 2.200%, mas a gente vai naturalizando e se acostumando com isso”.

Ele demonstra também como o setor privado não tem investido nada em geração de energia, preferindo incorporar as termelétricas. Com isso, se questiona que sentido fará entregar a estatal para privados. Ele ainda revela o atraso do Brasil em energias eólica e solar (12%), enquanto a Dinamarca já tem 70% de eólica em sua matriz.

A partir de 2012, há uma dependência tripla pelas usinas térmicas, devido a falta de interesse em investimento em outras fontes mais baratas. Ele criticou o desrespeito ao estatuto da Eletrobras pelos governos, que em vez de compensar as diferenças entre mercado e operação, prejudicou ainda mais a empresa. 

FHC obrigou a Eletrobras a comprar as distribuidores desprezadas pelo setor privado. Para isso, teve que se endividar com um fundo de Reserva Global de Regulação (RGR) e ainda teve que gerar energia gratuita para o mercado livre (grandes consumidores empresariais), o que encarece a energia para o mercado cativo, formado pelo consumidor residencial. “Depois disso, veio a termificação com ampla contratação pelo setor privado, a preços ruins, de usinas movidas a diesel, em pleno século XXI”, diz D’Araújo.

Para ele, mais que discutir a privatização, é preciso entender a Eletrobras como uma empresas desmontada. Ele lembrou que a argumentação de que a empresa era cabide de emprego, é falaciosa por provar que ela sempre teve menos funcionários que as empresas privadas. O Brasil, segundo ele, é o único país que exige que as usinas amortizem tarifas para as empresas. Isso derruba o preço da Eletrobras, também.

Eletrobras precisa beneficiar sociedade toda

O economista Aurélio Valporto é presidente da Abradin – Associação Nacional dos Investidores e Acionistas Minoritários em Empresas de Capital Aberto, com MBA em Finanças pela FGV. 

Valporto afirmou que, embora fale em nome dos acionistas que se beneficiam da alta lucratividade do setor de energia, é preciso pensar o tema como economista, tratando as questões em benefício de todos, tanto do mercado como do Brasil. Ele exemplifica o que acontece hoje com a lucratividade da Petrobras, que considera prejudicial para todo o resto da cadeia produtiva do país.

As declarações foram feitas durante o debate sobre a crise do setor energético no Brasil e os desafios para a sua recuperação, que continuou, na segunda (30), tratando mais especificamente do caso da Eletrobras, em vias de privatização, no próximo dia 13 de junho. O seminário foi realizado pela Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Claudio Campos.

“Quanto mais abundante e barata a energia, mais o organismo econômico vai prosperar e beneficiar o seu povo, assim como os investidores de todas as empresas”, disse ele, que defende que o mercado de capitais é fundamental para a socialização da economia, ao permitir que a população seja sócia do capital. Nos EUA, 80% da população detém ações de empresas, tornando sua economia mais socializada que a da China, na opinião dele.

Valporto diz ser contra a privatização de monopólios por gerar falta de concorrência na geração de energia. Ele também considera que este processo de privatização tem vários vícios, como a precificação que não considera ativos ocultos, como endividamentos com amortização erroneamente corrigidas pela justiça, que remuneraram inadequadamente. Se o bloco de controle que adquirir a empresa questionar e pleitear isso, pode ser um motivo para aumento de tarifas.

Itaipu também está sendo precificada a R$ 1,2 bi, um valor irrisório. Por outro lado, Furnas perdeu uma arbitragem que implicaria em bilhões de ressarcimento para a construtora da usina Santo Antônio, o que inviabilizaria a privatização. 

O governo, segundo Valporto, não pode abrir mão das reservas de energia, como o armazenamento das eólicas, que ele chama de baterias de energia. 

Ele critica o modo como o governo Bolsonaro não garante o papel da Petrobras no abastecimento de combustíveis, assim como a manutenção da Paridade de Preços Internacionais (PPI), que considera uma política deletéria.

Em sua opinião, não adianta trocar a direção da empresa a todo momento, se o governo não tiver uma política exógena que a oriente. A Petrobras não vai mudar a PPI se isso não vier como uma imposição exógena do governo.

Valporto também critica a desindustrialização no Brasil pelo efeito nocivo sobre a economia, toda baseada em produção e exportação de produtos primários. Na opinião dele, o Brasil não tem política industrial há 30 anos. Sua entidade lutou contra a venda da Embraer, mais uma medida do atual governo que contribuiu para desindustrializar o país.

Pilar estruturante de industrialização 

A economista Clarice Ferraz é professora da Escola de Química da UFRJ, com mestrado em Energia pela École Polytechnique Fédérale de  Lausane (EPFL), mestrado e especialização em Gestão Pública e Meio Ambiente pela Universidade de Genebra, e doutorado em Ciências Econômicas e Sociais pela mesma universidade. Também fez pós-doutorado pelo Instituto de Economia da UFRJ e é diretora do Instituto Ilumina.

Ela falou da privatização da Eletrobras como a perda de um elemento chave para a estruturação da transição energética justa. Foi com o objetivo de produção de energia barata e universalizado que a empresa foi criada. Ela também vê a empresa como um pilar estruturante da industrialização brasileira, como se diz da Petrobras.

Ela concorda que o futuro está sendo decidido hoje, com a definição do padrão de desenvolvimento e custo da energia. “Qualquer que seja o ponto de alavancagem de um projeto de industrialização, sem energia barata, está fadado ao fracasso”, disse ela.

Ela apontou também a importância da Eletrobras como empresa de geração de energia limpa e renovável. Um fator que tem sido definidor das dificuldades energéticas em outros países que dependem de combustíveis fósseis. Inclusive, ela salientou que a Petrobras precisa ser pensada como alavanca de desenvolvimento nacional, e não apenas como produtora de combustíveis, pois isso a define como uma empresa com mandato para acabar. “Só é possível defender essas empresas em nome de um projeto nacional”, declarou. Se elas não aderirem a um projeto de descarbonização da geração de energia elas perdem seu sentido para o futuro.

O processo de privatização da Eletrobras, independente dos roubos, subavaliações e irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), é uma condenação do projeto nacional de desenvolvimento do país. Ela salienta, assim, a necessidade de pensar estas estatais como vetoras de geração de uma cadeia produtiva pensada para a transição energética que supere os combustíveis fósseis.

Clarice citou o caso alemão, que já vinha falando num processo recessivo leve, após a pandemia, mas agora com a guerra na Ucrânia fala em algo mais severo devido ao alto custo de energia. “Sem energia barata, a economia não deslancha”, afirmou. Clarice se questiona porque os EUA estimulam o conflito, que ela considera um tiro no pé da própria economia.

Uma indústria poluente pode ficar vulnerável a regulações internacionais que são usadas por potências econômicas para protecionismo de sua indústria e seus produtos. “Somos os primeiros colocados para ser bem sucedidos num projeto de transição para energias limpas. Por que não nos preparamos para fazer isso?”

Ela concorda com Aurélio sobre como o processo de privatização pode desarticular todo um sistema, gerando perdas de mais valia para toda a cadeia de beneficiários. A centralização da Eletrobras é o que permite a gestão inteligente e eficiente das diferentes bacias hidrográficas, que permite uma atenção as deficiências regionais, algo que se perde com a fragmentação. 

Ela apontou como o regulador de energia falha no cumprimento das suas funções. “O regulador não consegue nem controlar uma empresa do Amapá”, lembra ela sobre os apagões na empresa privada daquele estado do Norte. Com isso, ela pontua quais outros problemas podem surgir da falta de de regulação com a privatização generalizada do setor.

Na opinião dela, é essencial ter a Eletrobras e seus ativos, que são monopólios naturais, para desenvolver o projeto nacional. Sem ela não é possível. “Estamos contratando uma explosão tarifária, um problema de segurança nacional relacionado a Eletronuclerar e um problema seríssimo de geopolítica que é o desrespeito ao Paraguai por Itaipu”, resume ela.

Ela aponta também que o sistema de mercado guarda uma dessincronização no mundo das energias renováveis. Essas energias não vão caber nessa fórmula, e dependem de políticas desenvolvidas fora do mercado. “O custo do despacho na ponta, num dia de sol ou vento, pode ser zero. Como remunerar o investidor com preço zero? Ao contrário, sem vento e sol, o preço pode ser infinito. No Texas, botaram o teto em R$ 9 mil dólares por dias, falindo pessoas e industrias. Esse sistema de mercado não comporta transição e renováveis, pois sequer consegue dar preço”, explicou. 

“Temos que ficar com a Eletrobras, para retomar o papel que sempre foi dela”.

Crise energética e governabilidade

O engenheiro Ícaro Chaves é secretário-geral da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobrás desde 2018 e atuou nas Centrais Elétricas do Norte do Brasil, foi do Conselho Deliberativo da Caixa de Assistência do Setor Elétrico – EVIDA – representando os empregados até 2021.

O engenheiro falou como dirigente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobrás, onde analisa as ilegalidades do processo da privatização por dever de ofício e sempre se surpreende com novos mecanismos inaceitáveis neste processo. Ele destaca como a possibilidade de privatização na Eletrobras, no próximo dia 13 de junho, pode afetar a governabilidade do país no futuro, conforme se intensifique uma crise energética.

“Eu duvido que algum governo sobreviva a uma empresa que para de gerar energia e passa a cobrar o que ela quiser pelo pouco que produzir”, alerta ele, sobre as inúmeras crises hídricas que certamente virão nos próximos anos.

A análise foi feita durante o Seminário “O Desmonte do Setor de Energia – Petrobras e Eletrobras – e os Caminhos para a sua Reconstrução”. O debate sobre a crise do setor energético no Brasil e os desafios para a sua recuperação, continuou, na segunda (30), tratando mais especificamente do caso da Eletrobras, em vias de privatização, após discutir o desmonte da Petrobras. O seminário foi realizado pela Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Claudio Campos e também discutiu o papel da Petrobras nesse processo, na mesa anterior.

Para Íkaro, a Eletrobras será um problema do amanhã, mais difícil de ser resolvido que a Petrobras, por se tratar de um produto/serviço peculiar. Um produto universal complicado de ser substituído por outro, com baixa elasticidade na demanda, pois não pode ser deixado de comprar, independente do custo, o que leva a energia elétrica a ser um produto com a capacidade de dominação total da economia.

Ele comparou o caso britânico, em que a flexibilidade no trato da energia se resolve abrindo novas termelétricas, por não poder contar com os recursos hídricos que o Brasil dispõe. Com isso, o Brasil está empregando os piores modelos de matriz energética, mesmo podendo contar com capacidade de geração de energia limpa e renovável.

Íkaro apontou as irregularidades que cercam o processo de privatização da Eletrobras, conforme observadas pelo próprio TCU na subavaliação. O que está subavaliado, segundo ele, diz respeito ao valor adicionado às concessões de 22 usinas hidrelétricas, com seus regimes prorrogados por mais 30 anos como produtor independente. Todo o sistema de transmissões da Eletrobras está sendo entregue gratuitamente, explica ele. “Mais de cem ativos sendo vendidos por R$ 0,00, sem que a União receber nada pela perda do controle desse ativo”.

“O que está sendo vendido é o direito da Eletrobras, privada, vender uma energia que hoje é barata por um preço mais caro, ainda assim com subavaliação de mais de 100%, comprovada matematicamente”, resumiu.

Ele também explicou como o setor eletronuclear se insere nessa privatização, ainda que de maneira inconstitucional, talvez sob controle de fundos de investimento estrangeiros ou algum fundo soberano de outro país. Pois 70% do capital deste setor será da Eletrobras privatizada, o que coloca um delicado setor que deveria ser monopólio da União sob controle de outros países.

Concluído o crime, como qualifica a privatização, Íkaro acredita que um próximo governo pode sofrer as consequências de uma crise energética, pois as secas serão uma certeza no futuro. Os efeitos do apagão sobre a eleição de FHC, em 2001, ou o tarifaço de energia no governo Dilma, em 2015, tiveram reflexos claros sobre as popularidades desses governos. Da mesma forma, Michel Temer teve suas pretensões atingidas pela greve de caminhoneiros, assim como a inflação de combustíveis corrói a possibilidade de reeleição de Bolsonaro.

Ele citou como a Espanha enfrenta grave crise energética sem possibilidade de reação de seu governo de esquerda, devido à privatização da Iberdrola, uma gigante que só beneficia acionistas com as tarifas mais caras de sua história. No Brasil, a Eletrobras já é uma das empresas que mais distribui dividendos para acionistas, enquanto a população está em “crise”. A solução de Bolsonaro para a inflação não é controle de ganhos, mas de impostos, reduzindo recursos para investimentos sociais dos estados, para manter intocado o lucro dos empresários. 

Segurança energética é algo que se perderá no país, pois energia elétrica sofre grandes limitações para ser importada em caso de crise, sendo muito sensível pela falta de estoque. “Estamos entregando armazenamento estratégico de nossas hidrelétricas que serão cada vez mais valiosas, pois podem, inclusive, exportar energia por armazenamento”, diz ele, explicando que o Brasil será o primeiro país do mundo a vender suas hidrelétricas, pois nem os EUA fizeram isso.

Outro problema tarifário, segundo o engenheiro, diz respeito ao custo de amortização da construção das hidrelétricas que já foi pago pela população. Agora, que ela poderia se beneficiar de custos mais baixos, vai começar a pagar por preços ainda mais altos. “É como se um condômino tivesse amortizado todas as prestações de seu apartamento e, quando achava que ia pagar só o condomínio, voltou a pagar novamente pelas prestações”, compara.

Íkaro lembrou que, nos EUA, a participação estatal no setor é maior que no Brasil, com 70%, sob a justificativa de que as usinas não são apenas fábricas de energia elétrica. Elas são valiosos estoques de água para irrigação, para consumo animal, até para o lazer, turismo e consumo humano. “Se não fosse a usina da Chesf, não haveria transposição do rio São Francisco de forma alguma”.

Quando os opositores da privatização afirmam que estão sendo privatizados os rios, dizem que é exagero, mas o representante dos trabalhadores prova isso lendo o contrato de concessão que a Aneel pretende assinar: as áreas lindeiras aos reservatórios das usinas e as ilhas desses reservatórios serão de responsabilidade das concessionárias, podendo controlar as atividades dessas áreas e fazer contratos de concessão para uso delas. “Todos terão que pedir autorização para utilização de margens desses rios, até mesmo agricultores para plantio”, citou.

Ele é contra um referendo revogatório da privatização, porque não houve sequer audiência e formação de Comissão Especial na Câmara dos Deputados para discutir o assunto. A privatização foi definida por meio de Medida Provisória. “A população é majoritariamente contra a privatização e sua opinião foi flagrantemente desrespeitada”.

Não basta cancelar a privatização, na opinião dele, mas aprovar uma Medida Provisória que cancele a lei 14.182, que reduz a um quarto o poder de voto da União entre os acionistas, mesmo ela sendo o maior deles com 45% das ações. Para ele, seria fácil retomar o controle sobre a empresa, devido às características desta privatização.

Também seria necessário descotizar a energia, pois na opinião dele, a Eletrobras não deveria ter a função de gerar excedentes financeiros, como tem feito a Petrobras, mas excedentes de energia para alavancar o desenvolvimento da nação e energia barata e limpa para o povo. Ele ainda citou os “jabutis” legislativos contrabandeados para o contrato de privatização, como a contratação de gás natural onde nem tem gasoduto.