Boas vindas ao Portal Grabois, conheça nossa marca
O que você está procurando?

A dimensão estratégica da Cultura no programa de governo Lula-Alckmin

7 de julho de 2022

Especialistas consultados explicam os avanços programáticos da candidatura Lula em relação ao fomento cultural e arquitetura institucional para romper com a destruição causada por Bolsonaro.

Especialistas consultados explicam os avanços programáticos da candidatura Lula em relação ao fomento cultural e arquitetura institucional para romper com a destruição causada por Bolsonaro.

por Cezar Xavier

A extinção do Ministério da Cultura (MinC), após 34 anos de existência, realizada no primeiro dia de governo de Jair Bolsonaro, já apontava como múltiplos setores da cultura seriam atingidos, desde os artistas até os gestores públicos, passando pelos pesquisadores e pelo próprio mercado editorial.

Desta forma, as diretrizes do programa de um eventual governo Lula-Alckmin procuraram resgatar a autoestima do setor, assim como reconstruir o que foi desmontado, recriando o Ministério. Segundo especialistas consultados pelo Portal Vermelho, o texto ainda avança sobre conceitos que vigoraram nos governos Lula e Dilma.

A diretriz número 25 destaca a cultura como uma “dimensão estratégica do processo de reconstrução democrática do país e da retomada do desenvolvimento sustentável”. Defende a institucionalização e o fomento para criar condições de qualificação, de trabalho, dinamizando a economia da cultura, valorizando a cultura periférica, para citar apenas alguns itens.

Arquitetura interministerial

Este caráter estratégico da cultura chama a atenção dos entrevistados. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) observa que as diretrizes apontam o tema da cultura na centralidade de um processo de reconstrução do país e retomada dos rumos de um projeto nacional de desenvolvimento. 

Segundo ela é preciso avançar para além do retorno do Ministério, se comprometendo em recriar, também, “a arquitetura institucional da gestão cultural vilipendiada pelo governo Bolsonaro”.

O especialista em Cultura e Desenvolvimento pela UFBA, Javier Alfaya, notou que Lula, além da promessa de recriar o Ministério, fala em comitês ou comissões de cultura. “Suponho que seja expressão de uma tentativa de políticas interministeriais, em que o MinC teria interfaces com outros ministérios, como o da Educação, do Turismo, da Comunicação e da Ciência e Tecnologia”, diz ele, defendendo esse caráter estratégico do tema em outras pastas. 

A secretária de Culturas de Petrópolis (RJ), Diana Iliescu, concorda com esta perspectiva interministerial. “É muito acertado envolver tecnologia e turismo com a cultura. Na minha experiência municipal, são as duas pastas com as quais mais me relaciono diretamente, para fortalecer a cultura”.

Javier também salienta a necessidade da cultura estar “injetada” no centro das formulações de estado, como, por exemplo, a questão tecnológica digital, onde se dá uma grande disputa, hoje.

Os dois temas, do turismo e da tecnologia, estão expostos nas diretrizes 84 e 86, como estratégia para inserir o Brasil na era do conhecimento. “Será necessário uma estratégia econômica que contemple junto do fomento à ciência, à tecnologia e à inovação, os elementos da economia criativa e da economia da cultura e que acelere a transição digital, o uso da inteligência artificial, a biotecnologia e a nanotecnologia, em processos produtivos sofisticados com maior valor agregado”, diz a diretriz.

Na diretriz 86, a candidatura fala em estimular a indústria do turismo, “grande fonte de geração de empregos, por meio da valorização da cultura, do patrimônio histórico e da biodiversidade brasileiras e do ecoturismo”.

O ex-secretário das Culturas de Niterói, Leonardo Giordano, diz que o bolsonarismo acabou tornando evidente para as diretrizes de programa de governo tratar a cultura como prioridade. “O governo Bolsonaro priorizou a destruição das políticas culturais como forma de quebrar a espinha dorsal de qualquer chance de termos um projeto nacional de desenvolvimento. Por isso, ela é uma chave importante e o Lula percebe isso”, disse.

As diretrizes do programa de um eventual governo Lula-Alckmin recebem uma contribuição fundamental com a recente aprovação das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, que inovam e superam as dificuldades de fomento cultural. Esta é a opinião de especialistas consultados pelo Portal Vermelho. Vetadas por Bolsonaro, as leis dificultam a guerra de seu governo contra os artistas e gestores culturais ao democratizar o acesso e devolver ao Estado a capacidade de regulação. O Congresso derrubou o veto presidencial com a mobilização de artistas e gestores culturais.

A diretriz 26 do programa de governo de Lula-Alckmin destaca o financiamento cultural. Defende a “implantação do Sistema Nacional de Cultura e a adoção da política de descentralização de recursos para Estados e o maior número possível de municípios, além de políticas para reestruturar a cadeia produtiva cultural, severamente prejudicada durante a pandemia e duramente perseguida pelo atual governo”.

Fomento cultural referencial

Jandira, autora da nova legislação, acrescenta que será necessário compreender que a aprovação das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2 inauguram um novo modelo de financiamento à cultura no Brasil, de forma descentralizada e no âmbito do pacto federativo. “Será necessário criatividade e imaginação política para que a cultura seja semente para germinar a primavera brasileira”, declara.

Diana considera determinante e mais atual do que nunca a descentralização de recursos, inaugurado na sua forma mais democrática com a Lei Aldir Blanc. “É fundamental o investimento público para estimular e qualificar as cadeias produtivas”, afirmou.

Leonardo também destaca a coordenação nacional e garantia de recursos “na ponta” por meio da implementação do Sistema Nacional. “A aprovação da lei Aldir Blanc 2 é na minha opinião a mais revolucionária ferramenta de fomento à cultura na ponta. Tenha certeza que Lula vai cumprir essa legislação e vai passar a ser referência das políticas culturais no Brasil e garantir que estados e municípios tenham fomento público chegando a cada uma das localidades”. 

Javier diz que a política de estado não pode tratar a cultura como uma “área de pedintes”. “Historicamente, se concedem recursos e verbas para a cultura, porque é preciso manter a tradição, atender o pleito dos artistas, manter aspectos da cultura popular”, lamenta. Para ele, estas verbas devem ser investidas pelo caráter estratégico que a cultura tem no desenvolvimento econômico do país.

Guerra ideológica

Alexandre Santini considera que a candidatura Lula/Alckmin reacendeu as esperanças do setor cultural brasileiro. Mestre em Cultura e Territorialidades pela UFF, ele foi diretor de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, entre 2015 e 2016. A partir desse testemunho, ele denota a desconstrução das políticas públicas e instituições do setor, associada à guerra cultural bolsonarista.

“O governo promoveu um grande retrocesso em tudo que se construiu no país em termos de políticas culturais, expresso no legado político e na matriz conceitual das três dimensões da cultura- simbólica, econômica e cidadã – construída e formulada nos governos Lula a partir da gestão do ex-ministro Gilberto Gil”. 

Santini destaca o fato da cultura e da arte gerarem cerca de 6 milhões de empregos diretos e responderem por 4% do Produto Interno Bruto. Números que podem aumentar muito com investimento adequado e estratégico.

A concepção do que é cultura e a orientação político-ideológica das ações do ministério flutuaram, ao longo dos anos, com tantas forças políticas diferentes assumindo. Com Celso Furtado (1986-1988), as diretrizes focavam na democratização do acesso. O neoliberal Francisco Weffort (1995-2002), defendeu a regulação do mercado privado para captação de recursos. A passagem de Gilberto Gil (2003-2008) e Juca Ferreira (2008-2012 e de 2014-2016) retomaram o protagonismo do Estado na elaboração de políticas culturais.

A institucionalização do Ministério sempre fortaleceu o fomento. Em momentos de crise, sem o reconhecimento ministerial, a Cultura é sempre o primeiro orçamento contingenciado. No caso do Governo Bolsonaro, a desimportância do setor cultural se reflete nas seis pessoas que ocuparam o cargo de secretário.

O primeiro foi Henrique Pires, que deixou o posto após acusar o governo de tentar censurar um edital ligado à temática LGBTQIA+. Depois vieram José Paulo Martins e Ricardo Braga, com breves passagens. O secretário seguinte seria o diretor teatral Roberto Alvim, afastado após discursar inspirado em propaganda nazista. Em seguida, foi a atriz Regina Duarte, afastada depois de interromper uma entrevista na TV na qual minimizou a ditadura militar. Atualmente, o cargo está com o também ator de TV, Mário Frias, que costuma circular armado pela secretaria para intimidar os servidores.

A guerra ideológica empreendida por Bolsonaro se refletiu neste tema, evidentemente, como as diversas polêmicas envolvendo práticas explícitas de racismo e censura na Fundação Zumbi dos Palmares. A ideologização, no entanto, vem acompanhada de cortes orçamentários, reformas legislativas, desmonte das capacidades técnicas, ataques a artistas e gestores culturais, assim como autoritarismo e assédio moral nas relações institucionais. 

Do ponto de vista conceitual, rejeitam a herança africana e indígena, defendendo uma visão colonizada e rasa de cultura. A teorização olavista acha que há uma guerra ideológica, na medida em que uma suposta hegemonia do marxismo cultural precisa ser atacada. Isso se faz impedindo o fomento e distribuição de projetos de certas entidades, como o Instituto Vladimir Herzog ou o filtro ideológico a filmes como Mariguella e Medida Provisória.