Domenico Losurdo avesso a neopopulismos
Ao identificar no imperialismo dos Estados Unidos a principal força de contenção do desenvolvimento soberano dos povos e nações de todo o mundo, Losurdo retoma a questão da formação dos blocos regionais
Ao identificar no imperialismo dos Estados Unidos a principal força de contenção do desenvolvimento soberano dos povos e nações de todo o mundo, Losurdo retoma a questão da formação dos blocos regionais, entendendo-os como alternativas de reposicionamento das lutas nacionais, que as fortalece, e não como ameaças à independência e à soberania.
Artigo de Rita Coitinho publicado originalmente no Blog da Boitempo em 06.03.2023
Deveria a esquerda lutar contra a existência da União Europeia? Há, no mundo de hoje, a configuração de uma disputa interimperialista? A questão nacional está superada? Nessas e noutras questões concentram-se os escritos selecionados por Emiliano Alessandroni para compor Imperialismo e questão europeia, obra póstuma de Domenico Losurdo, que vem acompanhada de textos críticos essenciais do próprio organizador e de Stefano Azzarà.
Tendo desenvolvido sua carreira em uma era de declínio da esquerda revolucionária europeia, Losurdo não se rendeu ao modismo neopopulista, caracterizado pelo “aborrecimento” com a forma partidária e pela tendência de dissolver os partidos revolucionários nas multidões. Tal tendência, tão bem caracterizada nos ensaios reunidos na obra, é marcada pela ideia de esgotamento da questão nacional e pela condenação indiscriminada dos vários “imperialismos”. Dessa avaliação, que atribui equivalência de papéis à Europa e aos Estados Unidos, decorreria a posição, amplamente difundida na esquerda comunista europeia, de que é necessário combater a União Europeia, tratada como manifestação do imperialismo alemão e, em certa medida, francês, sobre os demais países do bloco e sobre o resto do mundo.
Essa leitura, para Losurdo, sofre de uma miopia política evidente, aproximando-se de uma visão populista, que concebe a história como conspiração. Tal visão, presente em movimentos políticos dos Estados Unidos no século XIX e renascida com contornos neoproudhonianos no fim do século XX no seio da própria esquerda e, também nos dias de hoje, na new right, vê no povo a personificação dos mais altos valores humanos. Assim, bastaria neutralizar os poderosos e os traidores para se chegar ao reino da justiça e da felicidade.
Losurdo enfrenta a questão antieuropeísta retornando a Lênin, para quem “o capital financeiro é uma força tão grande e tão decisiva em todas as relações econômicas e internacionais, que é capaz de subordinar, e de fato subordina, mesmo os Estados que contam com uma independência política mais completa”. Retoma também Mao Tsé-Tung, que já apontava a supremacia dos Estados Unidos no cenário internacional.
Nessa linha, Losurdo afirma: “É preciso reiterar com veemência: a questão nacional nunca foi tão aguda”. A luta contra a subjugação política das nações intensifica-se e, diante dela, a União Europeia não se constitui como o adversário, mas como possível mecanismo de articulação das nações continentais em uma luta de resistência ao domínio dos Estados Unidos. Desse modo, não é possível compreender a situação internacional de nossa era sem que se reconheça que em 1991 os Estados Unidos alcançaram uma vitória que se assemelha a uma vitória napoleônica, impondo tanto à Europa quanto ao Japão a renúncia ao tradicional “direito soberano da nação”, ou seja, o recurso ao uso da força e à ameaça do uso da força.
Ao identificar no imperialismo dos Estados Unidos a principal força de contenção do desenvolvimento soberano dos povos e nações de todo o mundo, Losurdo retoma a questão da formação dos blocos regionais, entendendo-os como alternativas de reposicionamento das lutas nacionais, que as fortalece, e não como ameaças à independência e à soberania. Um raciocínio, sem dúvida, de grande originalidade nos marcos do marxismo de nossa época, que recoloca em chave criativa os desenvolvimentos de Lênin, Mao e Gramsci. Uma leitura imprescindível para os nossos dias.
Rita Coitinho é socióloga, doutora em Geografia Humana pelo Programa de Pós Graduação em Geografia na Universidade Federal de Santa Catarina, escritora e tradutora. Integrante no Núcleo de Estudos Materialismo Histórico e Geográfico “Nino Gramsci” da UFSC. Colaboradora no CHAM – Centro de Humanidades da Nova Universidade de Lisboa. Mestra em Sociologia pela Universidade de Brasília (2007) e graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004).