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    Notícias da FMG

    A centenária evolução programática do PCdoB

    Ao comemorar seus cento e um anos de existência, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) apresenta um extenso acervo de interpretações do país e do seu povo


    Ao comemorar seus cento e um anos de existência, o Partido Comunista do Brasil
    (PCdoB) apresenta um extenso acervo de interpretações do país e do seu povo

    Por Osvaldo Bertolino

    As ações dos comunistas no Brasil decorrem de uma concepção programática concebida
    e desenvolvida no leito do processo civilizatório que iluminou o futuro da humanidade
    ao suplantar as fases históricas em que a ciência não pôde se desenvolver. Desde Karl
    Marx e Friedrich Engels, o conhecimento científico sobre as transformações sociais
    ganharam impulso e chegaram ao pensamento de Vladimir Lênin, o leninismo.

    O Partido Comunista do Brasil surgiu, em 25 de março de 1922, como expressão do
    leninismo, formulando sua linha programática com base no que se podia compreender, à
    época, sobre a interpretação da realidade nacional pelo marxismo-leninismo. Sob
    ataques dos setores dominantes da sociedade, ainda totalmente impregnados de
    escravismo, o Partido procurou seu caminho, com erros e acertos, empunhando a
    bandeira da democracia, do progresso social e da soberania nacional.

    Os primeiros passos na elaboração programática se deram já no II Congresso, em maio
    de 1925, com a concepção dualista “agrarismo-industrialismo”, baseada nas análises do
    dirigente Octávio Brandão – ele e Astrojildo Pereira eram então os principais teóricos
    do PCB – que seriam publicadas em livro homônimo em 1926 como “ensaio marxistaleninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classe no Brasil”, segundo o
    subtítulo da obra.

    Dizia, em síntese, que os interesses agrários, em conluio com os do imperialismo angloamericano, eram os principais entraves para a industrialização e o progresso do país.
    Para Brandão, uma terceira revolta – a primeira foi o levante do Forte de Copacabana
    em 1922 e a segunda o movimento de São Paulo de 1924 – deveria unir “o Exército e
    Marinha, o Rio e São Paulo, o Sul e o Norte, o proletariado, a pequena burguesia urbana
    e a grande burguesia industrial”. E ressalvava: “O proletariado entrará na batalha como
    classe independente, realizando uma política própria.”

    As turbulências dos anos 1930 e 1940 adiaram a atualização programática para 1954,
    quando se realizou o IV Congresso. Convocado no começo de 1930 e em meados de
    1940, inviabilizado nas duas ocasiões pela repressão. Primeiro pela ascensão do
    nazifascismo, que chegou com relativa força no Brasil, expresso sobretudo pela política
    do Estado Novo do governo de Getúlio Vargas, e, depois, pelo anticomunismo da
    Doutrina Truman – a política externa do governo dos Estados Unidos sob o comando do
    presidente Harry Truman –, o esquadro geopolítico do imperialismo no pós-Segunda
    Guerra Mundial que abrangia o governo brasileiro do general Eurico Gaspar Dutra, que
    jogou os comunistas na ilegalidade.

    No IV Congresso, o Projeto de Programa, elaborado por uma comissão liderada por
    Maurício Grabois, histórico dirigente comunista, após passar pelo debate em todo o
    Partido”, resultou num Programa sucinto, contendo proposições sobre a dominação
    imperialista, o governo brasileiro, a revolução agrário-anti-imperialista e a frente única.
    Outro dirigente comunista histórico, Diógenes Arruda Câmara, disse que o Programa
    era fruto da formação do PCB, dos sucessos e insucessos dos seus trinta e dois anos de
    vida e de dois anos de trabalho coletivo.

    A VI Conferência, que reorganizou o Partido em 1962, após a criação do Partido
    Comunista Brasileiro (PCB) em 1961 pelo grupo que assumiu as teses que revisaram os
    princípios do marxista-leninista vindas do XX Congresso do Partido Comunista da
    União Soviética (PCUS), de 1956, aprovou um Manifesto-Programa, que apontava
    como principais responsáveis pela miséria do povo “a espoliação do Brasil pelo
    imperialismo, em particular o norte-americano, o monopólio da terra e a crescente
    concentração de riquezas nas mãos de uma minoria de grandes capitalistas”.

    Em maio de 1988, o PCdoB realizou seu VII Congresso e elaborou um novo Programa
    que, segundo Renato Rabelo, dirigente comunista, desenhava a fisionomia do Partido.
    Ele resgatou a evolução do pensamento e da linha programática do Partido, reunindo
    “rico ensinamento para os comunistas brasileiros”. Constatou que, desde a fundação do
    PCdoB até o começo da década de 1950, prevalecia no movimento comunista o
    Programa da Terceira Internacional, dissolvida em 1943. Foi quando começaram a
    surgir os primeiros programas dos partidos comunistas fora do poder.

    No Partido Comunista do Brasil, segundo Renato, o primeiro passo foi o Manifesto de
    Agosto, de 1950, que definiu algumas conclusões estratégicas e apontou o caminho
    revolucionário. Mas ainda encarava a realidade de forma estreita e sectária. O IV
    Congresso, de 1954, aprovou o primeiro Programa, que analisou em profundidade a
    situação do país, reafirmando o caminho revolucionário, um grande avanço político no
    Brasil, com repercussão internacional.

    O documento, lembrou Renato, elaborado no contexto do combate ao imperialismo
    norte-americano, que realizava ampla preparação de guerra com o monopólio das armas
    nucleares e invadira a Coreia, no âmbito do cerco militar à União Soviética, fixava-se
    nessa tarefa. No Brasil, o Programa definiu como questão central o combate à
    “militarização intensiva” da economia e da vida política. O país poderia tornar-se
    importante aliado militar do imperialismo estadunidense.

    Renato apontou como debilidade do Programa a ideia de que a burguesia nacional seria
    aliada para toda a etapa da revolução democrática e anti-imperialista. “Alimentava
    ilusões com referência ao capital estrangeiro”, criticou. “O Programa ainda trata de
    forma mecânica a saída revolucionária, não apresentando as formas viáveis de como
    abordá-la”, afirmou.

    Segundo Renato, a evolução do debate interno resultou no Programa da reorganização
    de 1962, ajustado à realidade que emergiu das transformações na economia brasileira.
    “Os monopólios estrangeiros montam várias indústrias de ponta sob seu controle. Vão
    se formando grupos monopolistas e os consórcios financeiros.”

    Pela primeira vez o Partido indicou que as dificuldades para o avanço social se
    encontravam localizadas em três elementos fundamentais: o imperialismo, o latifúndio e
    os grupos monopolistas nacionais associados ao capital estrangeiro. “O Programa está
    centrado na necessidade de liquidar o regime atual e construir um novo regime antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista. Acentua como linha dominante a
    impossibilidade de resolver os problemas fundamentais do povo nos marcos do então
    regime vigorante.”

    O Programa de 1962 representou um grande avanço para o Partido, mas persistiram
    limitações ligadas às questões conjunturais da época do governo do presidente João
    Goulart, observou. Para Renato, “os objetivos imediatos não são suficientemente
    considerados. Acentua somente a conquista do governo democrático e popular pela
    revolução, não havendo uma relação dinâmica entre os objetivos estratégicos e as
    tarefas fundamentais que estavam na ordem do dia”.

    Sobre o Programa do VII Congresso, Renato avaliou que ele avançava em muitas
    coisas, levando em conta a experiência passada. “Encerra elevada crítica teórica em
    relação à estratégia e à tática. Manifesta compreensão maior do conhecimento dialético.
    Reflete uma concepção mais avançada, marxista-leninista, de como encarar o caminho
    estratégico. Busca situar as conclusões programáticas na evolução da realidade objetiva
    da história e no desenvolvimento estrutural de nossa sociedade, relacionando-as com a
    situação de hoje, com as questões imediatas fundamentais”, sintetizou.

    O Programa era direto e simples, composto de três partes essenciais. Na primeira,
    analisava o desenvolvimento do país com suas contradições que impediam o progresso
    social, na segunda esclarecia o caráter do novo regime a ser alcançado – nacional,
    democrático e popular – e na terceira tratava do caráter da frente única contra o
    imperialismo, contra o latifúndio e contra a grande burguesia ligada ao capital
    estrangeiro.

    Renato também analisou as questões essenciais que definem o rumo do Programa, as
    etapas estratégicas da revolução, que passariam pela superação da dependência externa,
    a caminho do socialismo. “As transformações capitalistas produzidas no país, sobretudo
    a partir da década de 1960, não modificaram, no fundamental, a existência de duas
    etapas estratégicas da revolução no Brasil”, constatou.

    Renato finalizou examinando a ação imediata pela democracia, pelo progresso e pela
    independência nacional. “Diante do exposto, o nosso Programa procura relacionar a
    conquista do poder com a importância da luta pelas liberdades, componente
    fundamental da nossa orientação tática”, afirmou. “O nosso Partido chega ao VII
    Congresso mais coeso, temperado e unido em torno da sua direção. Temos hoje um
    Programa mais avançado e mais justo. Temos um eficaz instrumento de luta e
    destacadas bandeiras de combate. Reunimos melhores condições de avançar e crescer
    mais ainda.”

    Com a crise do socialismo do final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a luta pelo
    socialismo ganhava nova dimensão, disse Renato, referindo-se ao que ele considerou
    um salto de qualidade no pensamento estratégico do PCdoB, o processo iniciado no
    VIII Congresso, em 1992, e que chegou à VIII Conferência, em 1995, que aprovou um
    novo Programa. Suas formulações têm o conteúdo das conclusões do VIII Congresso,
    resultado das inovações teóricas propostas por Amazonas, síntese do novo patamar
    teórico dos comunistas do Brasil.

    Em 2009, o PCdoB iniciou o debate do que seria a atuação do Programa, o Novo
    Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND), que, na formulação de Renato – agora
    presidente do Partido –, a proposta do NPND se inseria na trajetória do país, que já
    passou por dois saltos civilizatórios – o primeiro no período da Independência, da
    Abolição e da Proclamação da República; o segundo iniciado com a Revolução de 1930.
    Para ele, o Brasil chegou à crise de perspectivas na década de 1980, agravada com o
    neoliberalismo dos anos 1990, que aprofundou os impasses nacionais, e agora precisa
    descortinar caminhos para um terceiro processo civilizatório.

    Segundo Renato, era “preciso colocar o Programa de cabeça para cima.” Seria, na
    verdade, uma recomposição entre tática e estratégia, ideia contida no projeto do novo
    Programa socialista para o Brasil que seria debatido e aprovado no XII Congresso,
    convocado para novembro.

    Havia, de acordo com Renato, desenvolvimento desproporcional da parte estratégica,
    com grande detalhamento do que seria o almejado sistema socialista, uma especulação
    sobre o futuro, seguindo ainda o método de copiar experiências externas. Para ele, o
    Programa deveria situar o objetivo estratégico definindo sua essência. Não seria
    possível ir além disso.

    Diferente da tática, cujos desafios são visíveis. “A definição da tática, do caminho, para
    se alcançar a transição ao socialismo requer que seus fundamentos sejam explicitados.
    Precisa estar baseada em ideias conclusivas e objetivos claros, evitando excessos
    analíticos ou narrativos que podem levar à falta de clareza quanto ao foco. Ideias
    afirmativas e conclusivas permitem que o objetivo maior fique mais nítido no
    Programa.”

    A renovação não alteraria a essência do Programa. Era uma atualização para adequá-lo
    à situação do Brasil e do mundo. Renato destacou, no binômio estratégia e tática, a
    realidade brasileira, a evolução histórica de uma nação nova, com duas conquistas
    civilizatórias, referindo-se aos processos da Independência, da Abolição, da República e
    da Revolução de 1930, quando o país entrou efetivamente no capitalismo.

    Havia um terceiro desafio, o do grande passo civilizacional, representado pela abertura
    da transição ao socialismo. “O Programa do Partido faz parte do enfrentamento desse
    desafio, o de construir uma nação poderosa e justa, democrática, com justiça social e
    que fomente a integração continental. A alternativa socialista se impõe, nas condições
    atuais de crise do sistema capitalista. Ela se torna mais nítida e presente.”