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Era Digital: É necessário reduzir poder das redes

6 de abril de 2023

Companhias que controlam os meios digitais decidem, segundo seus critérios exclusivos, o que permitirão disseminar. Artigo do professor titular da Escola de Comunicação da UFRJ, Marcos Dantas, sobre a regulação das plataformas. Publicado em O Globo em 04.04.2023.

Aconteceu comigo. Empreguei num post uma palavra que, fora de contexto, pode ter conotações negativas (não era o caso, no contexto, mas…). Meu post não foi nem enviado, mas minha conta foi suspensa por um dia.

Aconteceu em abril de 2015. O Ministério da Cultura postou no Facebook uma fotografia antiga de um casal indígena. Por óbvio, a mulher estava nua. A página foi derrubada pelo Facebook. Dias depois, ameaçado de ação na Justiça, ele voltou atrás e publicou a foto.

Na França, em 2015, uns tresloucados, influenciados por vídeos no YouTube que circulavam à vontade, meses após meses, assassinaram 130 pessoas em bares e restaurantes.

No Brasil, em janeiro de 2023, centenas de alucinados — estimulados por meses e meses de mensagens que circulavam livremente no WhatsApp, Telegram, Facebook, YouTube — promoveram enorme baderna em Brasília, destruindo patrimônio público e pondo em xeque o Estado Democrático de Direito.

Em todos os casos, algo em comum. As grandes companhias americanas que controlam os meios digitais de comunicação social em rede, mais conhecidos por “plataformas”, gozam de total, absoluto, completo poder para decidir, segundo seus critérios exclusivos, o que permitirão disseminar ou não pelas suas redes.

É necessário reduzir esse poder.

Em sua grande parte, as mensagens que por elas circulam não passam de banalidades entre amigos e amigas ou famílias. Em boa parte, são mensagens políticas, mas nos termos aceitos em qualquer democracia liberal. No meio delas, vem o lixo racista, misógino, obscurantista, quando não terrorista ou abertamente criminoso.

Tirar uma mensagem ou perfil criminoso do ar leva tempo, seja por força de uma torrente de “denúncias” nas próprias redes (que só legitima o já total poder discricionário que elas detêm), seja por ação na Justiça. Enquanto isso, já se consumaram seus efeitos deletérios. Mas, vimos, é possível bloquear na fonte, num tempo inferior a um segundo, qualquer mensagem. Não precisaria esperar tanto.

Porém, como o algoritmo, em eterno treinamento, pode errar, também pode levar tempo, além do estresse, restaurar mensagens ou perfis legítimos.

É possível resolver essa dificuldade: lei regulatória. A lei deixará claro que esses meios reticulares não são “provedores de aplicações”, mas empresas que faturam impulsionando conteúdos. Logo são por eles também responsáveis, tanto quanto uma empresa jornalística é responsável pelo que seu repórter escreve e é publicado. Ou uma empresa de engenharia é responsável pelo prédio que seu engenheiro projetou… e veio abaixo. Empresas jornalísticas ou de engenharia tomam seus cuidados para evitar problemas.

A lei estabelecerá claramente os princípios e regras que delimitam esses “cuidados”. Regulamentações infralegais (em permanente aprimoramento pela aprendizagem da inteligência humana, não dos algoritmos) “moderarão” esses princípios e regras.

Será necessária uma autoridade pública que sirva de canal administrativo para acolher e dar provimento a justas reclamações quando os “cuidados” forem excessivos, de modo a determinar, em poucas horas, ou mesmo minutos, a revisão de casos injustificáveis — determinação a ser cumprida de imediato pelos controladores dos meios, sob as penas da lei. Em vez de tratar dos casos de remoção, aliás a ser bem tipificados, a lei tratará das garantias de recuperação.

Claro, para isso, as plataformas terão de manter no Brasil um grupo executivo para rapidamente rever algum equívoco. Sugestão: a autoridade pública já existe em embrião. É o Comitê Gestor da Internet no Brasil, cuja constituição multissetorial pode assegurar o aprimoramento de uma regulamentação democrática e plural da liberdade de expressão nas “redes sociais”, ao mesmo tempo garantindo os pilares do Estado de Direito e da economia de mercado.

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Marcos Dantas é Professor Titular (aposentado) da Escola de Comunicação da UFRJ, professor e pesquisador dos Programas de Pós Graduação em Comunicação e Cultura (ECO-UFRJ) e em Ciência da Informação (IBICT-ECO/UFRJ). Foi por três mandatos consecutivos um dos representantes da comunidade acadêmica no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br). É membro do Conselho de Administração do Núcleo de Informação e Comunicação do Ponto BR (NIC.Br). É presidente da Fundação Maurício Grabois – Seção Rio de Janeiro.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.