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Cem dias do governo Lula – um novo rumo para o país

11 de abril de 2023

Osvaldo Bertolino avalia os cem primeiros dias do governo Lula.

Por Osvaldo Bertolino

O Brasil voltou. A ideia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de sintetizar os
primeiros cem dias do seu governo, completados segunda-feira (10), nessa curta frase
transcende às realizações do período. A rigor, elas começaram antes da posse do
presidente. Assim que o resultado das eleições se confirmou, iniciou-se o processo da
chamada PEC da transição, a Proposta de Emenda Constitucional aprovada antes da
posse do presidente, que garantiu recursos para o Bolsa Família, o Auxílio Gás e a
Farmácia Popular, entre outras iniciativas que demandavam urgência, até então
inviabilizados pela emenda do teto dos gatos.

As calamidades encontradas nessas áreas são amostras das irresponsabilidades do
governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, além da afronta à democracia e a adoção de
uma política econômica entreguista, amarrada a um controle fiscal restritivo e
parasitário, a raiz da atual contenda em torno da elevada taxa de juros imposta com mão
de ferro pelo Banco Central dito “independente”. Nessas duas vertentes estão
condessadas o que se pode chamar de “herança maldita”, a exemplo do que ocorreu
quando Lula assumiu a Presidência em 2003, agora com o agravante de que houve uma
ofensiva ainda mais aguda contra a democracia e a soberania nacional.

A volta do Brasil pode ser traduzida como rompimento com a linha dita ultraliberal, o
paroxismo do projeto que prioriza o Estado como comitê administrativo da hipertrofia
financeira, vindo do processo golpista de 2016. No discurso sobre os cem dias de
governo, Lula voltou a criticar a alta da taxa de juros com contundência. Estão
brincando com o país e com o povo, resumiu, diagnóstico que remete à política do
governo Bolsonaro que legou tragédias como a mortandade na pandemia da Covid-19 e
a criminosa situação na Terra Indígena Yanomami.

Nessa volta do Brasil, as barreiras do passado contra os interesses do povo também
voltaram a se levantar com os atentados perpetrados pelas hordas bolsonaristas em 8 de
janeiro, ainda esperançosas de um golpe que remetesse o país para as trevas do
autoritarismo, rescaldo do golpismo tantas vezes atiçado por Jair Bolsonaro. A
condução firme e serena no enfrentamento à ousadia bolsonarista deu ao governo mais
autoridade moral e institucional para promover as mudanças no rumo da retomada da
normalidade democrática, demarcando bem os campos depois da trágica experiência
autoritária do bolsonarismo.

Há também os êxitos na recolocação do país no cenário global, onde de fato o Brasil
voltou. Na retomada do diálogo internacional, o presidente Lula conversou,
presencialmente ou por contato telefônico, com cerca de trinta chefes de Estado e de
governo. O governo restabeleceu a tradição de política externa independente, condizente
com as condições brasileiros na geopolítica e no comércio internacional. O presidente
realizou praticamente uma viagem por mês.

Visitou em janeiro a Argentina e o Uruguai e, em fevereiro, foi aos Estados Unidos.
Além de reforçar a integração regional sul-americana, com a reintegração a blocos de
países como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a
União de Nações Sul-americanas (Unasul), Lula se destacou nas relações democráticas entre os países, além da recuperação de posições históricas em organismos
internacionais, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU). O presidente
também recebeu o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, para tratar de temas
como meio ambiente, democracia e acordo entre Mercosul e União Europeia.

A aguardada viagem à China, o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009,
agora realizada, é o marco principal dessa retomada, depois dos estremecimentos
provocados pelo bolsonarismo. A ideia era fechar o ciclo inicial de retomada dos
contatos internacionais com essa viagem, adiada por problemas de saúde do presidente.

Além das relações comerciais, que incluem a questão tecnológica, constam da pauta
assuntos climáticos e a geopolítica, com destaque para o conflito na Ucrânia.
Lula tem agendadas também visitas ao Oriente Médio e à Ásia. No Japão, participará, a
convite do primeiro-ministro japonês Fumio Kishida, da reunião do G7 – grupo dos
países mais industrializados –, que se realizará entre 19 e 21 de maio na cidade de
Hiroshima. Assim, o Brasil vai retomando seu protagonismo, reconstruindo o diálogo
inclusive com potências como os Estados Unidos, a Comunidade Europeia e a China,
além de países árabes e outros atores globais, cumprindo uma das principais metas
anunciadas por Lula em seu discurso da vitória.

No âmbito ministerial, as mudanças são igualmente significativas, conforme
demonstrou a reunião sobre os cem dias de governo. Lula destacou, por exemplo, as
medidas adotadas pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia, comandado pela
presidenta do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Luciana Santos, entre elas o
reajuste de bolsas de estudo e pesquisa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), o fortalecimento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação e a agenda de transição energética.

Ao fazer o balanço desse início de governo, Lula ressaltou a obsessão pela retomada do
crescimento econômico. Esse é o ponto central, que passa obrigatoriamente pelo
investimento público. O destaque do presidente para o papel dos bancos estatais revela
sua disposição de acionar as alavancas do Estado para impulsionar rapidamente a
economia. Entre eles, o principal é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), que precisa retomar a política da Taxa de Juros de Longo Prazo
(TJLP), seu principal instrumento de fomento da economia. Há ainda as empresas
estatais, também polos capazes de puxar esses investimentos, em especial a Petrobras.

Em seu discurso dos cem dias de governo, Lula afirmou que o país retomou a
capacidade de planejamento de longo prazo, traduzido em um grande programa que
trará de volta o papel do setor público como indutor dos investimentos estratégicos em
infraestrutura, empregando as alavancas do Estado para a promoção de políticas de
desenvolvimento específicas e parcerias com o setor privado. Com essa premissa, ele
sinaliza que o investimento público deve conduzir o setor privado para o que anunciou
como retomada das obras paradas e aceleração das que estão em ritmo lento, além de
selecionar novos investimentos estratégicos. Nesse projeto, está o investimento de fora,
assunto que certamente faz parte de sua agenda internacional.

O grande desafio para a retomada da economia será a questão política, em especial a
formação de uma base parlamentar, tarefa ainda inconclusa. Dela depende, por
exemplo, os passos seguintes do chamado “arcabouço fiscal”, o centro do debate
político nesse momento, condicionado ao jogo de forças estabelecido. É possível
concluir, das falas do presidente, que sua ideia é uma regulação da economia pelo
Estado para a retomada de um mercado de massas, só possível com crescimento
econômico, sem perder de vista o problema fiscal e a taxa de juros, atualmente uma bola
de chumbo atada ao tornozelo da produção.

Ao definir que esse será o rumo, Lula sinaliza que enfrentará as restrições com firmeza
para afastá-las decididamente. Está evidente que a crise atingiu uma extensão que põe
em risco todo o aparelho econômico do país e uma clara e ampla consciência sobre a
necessidade da retomada do desenvolvimento, com uma inflexão firme, contínua, da
política macroeconômica de modo a conter a escalada dos juros e empurrar os
investimentos em direção ao setor produtivo – que inclui os trabalhadores –, que precisa
ser mobilizado para apoiar o governo na superação dos obstáculos.

Um primeiro passo nessa direção está em andamento, com a tramitação da proposta de
“arcabouço fiscal” no Congresso Nacional, que pode ser ajustada e melhorada, tendo em
vista a retomada do crescimento econômico. Essa jornada implicará num combate sem
trégua à política de juros altos. O setor produtivo, que comporta a premissa do emprego
e dos direitos sociais, tem pela frente a forte pressão do sistema financeiro, puxada pelo
Banco Central, um combate que exige, além de mobilização social, uma intensa luta
política e de ideias para dar sentido real de mudança à nova correlação de forças que vai
se formando no país.

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