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Morre Theodomiro Romeiro, primeiro condenado a morte pela ditadura

16 de maio de 2023

Theodomiro Romeiro dos Santos, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) no período da ditadura militar e primeiro civil a receber uma sentença de morte no Brasil republicano, morreu aos 70 anos.

Theodomiro Romeiro dos Santos, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) no período da ditadura militar e primeiro civil a receber uma sentença de morte no Brasil republicano, morreu em Olinda (PE) aos 70 anos.

Morreu no último domingo (14/05), aos 70 anos de idade, Theodomiro Romeiro dos Santos, o primeiro homem condenado pela ditadura militar brasileira quando tinha apenas 18 anos de idade. 

Em seu Twitter, a presidenta nacional do PCdoB e Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, lembrou que Theodomiro Romeiro foi um ícone da resistência à ditadura militar.

“Primeiro homem condenado à morte no período republicano, enfrentou bravamente nove anos de prisão política e muita tortura. Último exilado brasileiro, ao retornar ao país, tornou-se respeitado juiz do trabalho. Personagem da nossa história, deixa grande exemplo de coragem e defesa da democracia. Meus sentimentos aos amigos e familiares”, registrou Luciana Santos.

Leia abaixo matéria publicada originalmente em O Tempo sobre a trajetória de Theodomiro

Theodomiro Romeiro dos Santos, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) no período da ditadura militar e primeiro civil a receber uma sentença de morte no Brasil republicano, morreu em Olinda (PE) aos 70 anos.

Juiz do Trabalho, ele atuou como magistrado por cerca de 20 anos e estava aposentado desde 2012. Seis anos depois, sofreu um grave AVC hemorrágico e desde então convivia com sequelas da doença. Morreu neste domingo (14) de forma serena, em casa, segundo familiares.

“Theo foi o mais célebre preso político da ditadura. Era um sujeito muito generoso e solidário que se tornou um símbolo ao ser condenado à morte aos 18 anos. É uma dor muito grande perdê-lo”, diz o jornalista Emiliano José, amigo que foi companheiro de cela de Theodomiro.

Theodomiro nasceu em Natal (RN) e iniciou sua militância política de contestação à ditadura militar ainda muito jovem, no Rio Grande do Norte. Veio morar em Salvador aos 17 anos, época em que estudou no colégio Maristas e participou de ações armadas como um assalto ao Banco da Bahia.

Por sua ligação com o clandestino PCBR, foi preso em outubro de 1970 em um ponto de ônibus nas proximidades do Dique do Tororó, em Salvador. Junto com ele, foi preso o também militante Paulo Pontes.

Os policiais algemaram os dois militantes um ao outro, mas não recolheram seus pertences. Quando já estava no banco de trás da viatura da política, Theodomiro sacou uma arma que estava em uma pasta e atirou no Sargento da Aeronáutica Walder Xavier de Lima, que morreu em decorrência dos ferimentos.

Os militares levaram Theodomiro à sede da Polícia Federal, onde ele foi preso, violentamente agredido, colocado no pau-de-arara e torturado com choques elétricos. Depois, foi transferido para a galeria destinada aos presos políticos da penitenciário Lemos Brito, em Salvador, onde passaria nove anos.

Theodomiro foi julgado em março de 1971 pelo Conselho Especial da Aeronáutica e acabou sendo sentenciado à morte com base em um dispositivo legal que permitia a pena capital em casos considerados como crimes de guerra. A pena, contudo, foi alterada para prisão perpétua e depois reduzida para 16 anos de prisão em regime fechado.

“Depois de preso, o primeiro momento que tive a certeza de que não seria morto foi quando ouvi a sentença de morte. […] Foi a divulgação e repercussão de minha prisão que me salvou. Minha condenação à morte, eu senti, iria assumir uma dimensão muito grande, o que, de fato, aconteceu”, disse Theodomiro em 1979 em entrevista concedida ao jornalista José de Jesus Barreto.

Pouco antes da aprovação da Lei da Anistia, Theodomiro fugiu da prisão em agosto de 1979 em meio a um clima de relaxamento das prisões políticas. “Ele achava que estava jurado de morte e tinha certeza que a anistia não o alcançaria por ele ter cometido um crime de sangue. Daí a decisão de fugir naquele momento”, lembra Emiliano José.

Do lado de fora do presídio, raspou a barba para mudar a fisionomia e pegou um táxi até o cemitério do Campo Santo, onde encontrou outros militantes do PCBR e planejou sua fuga de Salvador.

Primeiro, foi levado para uma fazenda no sul da Bahia. Depois, com o auxílio de padres jesuítas, foi abrigado para um convento na cidade de Vitória da Conquista, no sudoeste baiano. De lá, seguiu para um sítio em Bom Jesus da Lapa, cidade que fica às margens do rio São Francisco.

Convencido pelo então dirigente do PCBR Bruno Maranhão, Theodomiro foi para o Rio de Janeiro e de lá seguiu para Brasília, onde teve ajuda de parlamentares de oposição à ditadura como Chico Pinto e Airton Soares, na época no MDB. O plano era entrar em uma embaixada e criar um fato político.

Acabou escolhendo a Embaixada do Vaticano, onde chegou vestido de padre, pediu uma audiência com o então núncio apostólico e avistou a imprensa. Acabou ficando na embaixada, onde chegou a receber uma correspondência com uma bomba, que acabou sendo identificada e desarmada antes de o pacote chegar em suas mãos.

Em dezembro de 1979, embarcou para o México. De lá, seguiu para o exílio em Paris, na França permaneceu até o fim da ditadura militar e expiração da sua condenação.

Theodomiro voltou ao Brasil em 1985, fez faculdade de Direito e depois acabou sendo aprovado em um concurso para Juiz do Trabalho. Entre 2000 e 2004, foi presidente da Associação de Magistrados Trabalhistas. Em nota, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região lamentou a morte do juiz aposentado.

A história do preso político é contada no livro Galeria F, de autoria do jornalista Emiliano José, e no documentário de mesmo nome dirigido por Emília Silveira. Em entrevista à Folha, em 1995, ele disse que luta armada deveria ser esquecida “não no sentido histórico”, mas no sentido de “permitir uma convivência democrática” entre as forças que dela participaram.

Theodomiro deixa mulher, a também juíza aposentada Virgínia Lúcia de Sá Bahia, e quatro filhos: Bruno, Fernando Augusto, Mário e Camila. O velório e o enterro acontecem nesta segunda-feira (15) no Cemitério Morada da Paz, no Recife.

Leia abaixo a íntegra da Carta de Haroldo Lima quando Theodomiro fugiu da prisão.

Carta de Haroldo Lima

prisioneiro político:

Salvador, ala política da Penitenciária Lemos de Brito, 19/8/79

Ao Senador Teotônio Villela,
Aos Srs. parlamentares,
Aos movimentos de anistia
À Imprensa
Ao povo em geral

VIVA A LIBERDADE:

Levo ao conhecimento da nação que o preso político Theodomiro Romeiro dos Santos, que cumpria pena nesta Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador, empreendeu a busca de sua liberdade.

Theodomiro era um menino de 12 anos quando os generais derrubaram o governo constitucional do Brasil e monopolizaram todo o poder em 1964. Adolescente, aos 16 anos, participou do movimento estudantil e popular de sentido democrático que ascendeu em 1968 e trabalhou em comunidades de base da Igreja Católica. Tornou-se ardoroso integrante da grande e heróica resistência democrática e popular que se desenvolveu desde então, por todo o país. Aos 17 anos, para escapar à sanha do terrorismo oficial que assolou a Pátria, passou à vida clandestina. Em uma noite de outubro de 1970 com então 18 anos, é atacado por um grupo armado, em uma rua de Salvador. Ninguém, a ele se identificou. Ninguém lhe apresentou mandado de detenção. Nem mesmo voz de prisão lhe é dada. Era um seqüestro, absolutamente ilegal e absurdo, como se tornara rotina nos negros tempos de Médici. Amordaçado e algemado foi jogado em um veículo que disparou atrás de seu companheiro Getúlio Cabral. Defendendo-se como podia atirou em um de seus seqüestradores, que depois veio a falecer, ocasião em que se revelou tratar-se de um sargento da aeronáutica. Getúlio consegue escapar. Dois anos depois, assassinado no Rio, teve sua morte anunciada pelo 1o Exército. Pode-se imaginar como o jovem seqüestrado foi recebido pelos torturadores do regime lotados na Bahia. Um Tribunal especial foi montado após, para proceder ao julgamento do caso. Os jurados eram todos oficiais superiores do regime, lotados na Aeronáutica, a corporação à qual pertencia o sargento morto, todos pessoalmente indicados para tal tarefa pelo Min. da Aeronáutica. Seria difícil serem acometidos de alguma crise de isenção. O retrato da figura franzina de Theodomiro, imberbe no seu rosto de quase-criança, algemado com as mãos às costas, altivo, pleno de idealismo ante o conselho de guerra, que lha mandava pôr termo à vida por suposta ameaça à Segurança Nacional é flagrante e expressivo de um regime desvairado, registro pungente de um tempo de terror. Pronunciado o veredicto – matar – os protestos jorraram e um coro se levantou dentro e fora do País, exigindo a vida de Theodomiro. Os generais recuaram. O Superior Tribunal Militar transformou a pena de morte em prisão perpétua e rebaixou-a depois para trinta anos. Com a emergência da nova Lei de Segurança Nacional a sua condenação é fixa em 10 anos e meio. Sendo menor de 21 anos quando foi preso, teria direito à Liberdade Condicional após 1/3 de pena cumprida, ou seja, após cinco anos e meio. Já tinha cumprido quase 9. Requereu liberdade condicional. O Juiz pressionado, negou-lhe a condicional. Seus defensores recorreram ao Superior Tribunal Militar. As esperanças, que eram pequenas, reduziram-se quando na votação de outros recursos do promotor da Bahia contra Theodomiro nove (…?) generais-juizes se declararam pesarosos por não poderem votar a favor do recurso extemporâneo, contristados por não descobrirem na Lei uma saída que permitisse uma maior penalização do acusado. Nem por decoro a passionalidade era escondida. Nesse meio tempo, chega ao Congresso o projeto de anistia do governo. Ao clamor popular que se ergueu no país pela anistia ampla, geral e irrestrita, a todas as vítimas dos atos e leis de exceção o governo responde com um projeto que prevê anistia ampla, geral e irrestrita para os seus torturadores. E, anistia parcial para as vítimas de exceção. Os seviciadores de milhares de brasileiros, os terroristas fanáticos e bárbaros que jogaram bombas de guerra contra estudantes indefesos da PUC de São Paulo, contra sedes de jornais independentes e organismos como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, os que raptaram e torturaram Bispos, padres e Freiras, os que assassinaram centenas de militantes antifascistas na “cadeira do dragão”, “pau de arara”, “geladeira”, na pancada e no açoite, estes estariam anistiados. Theodomiro não, assim como todos os que pegaram em armas contra um regime que implantou pela força das armas e pela força das armas se mantém? Como pode falar em Segurança Nacional quem, ao urdir o traiçoeiro golpe de 1964 o fez em cumplicidade com potência estrangeira – os Estados Unidos – e de acordo com plano de desembarque de tropas dessa potência agressiva em terras brasileiras, caso houvesse resistência? Que nacionalidade de fato defendem esses que transformam o nosso país no paraíso das multinacionais, entregaram ao estrangeiro o controle dos bancos de produção fundamentais, as riquezas minerais, a Petrobrás, a Amazônia? Que moral têm para se outorgar a função de tutor da pátria quem depois de gerir os destinos do país como quis e bem entendeu por quase 15 anos e levou-o a situação de descalabro econômico-financeiro, político e institucional, em que hoje se encontra? Que credencial adquiriu quem lançou todo o pesado ônus de um desenvolvimento dependente e deformado por cima das classes trabalhadoras aprofundando como nunca o fosso entre ricos e pobres? Que honorabilidade ostenta quem criou para si as mordomias e convive com os grandes, cíclicos, escândalos econômicos? Que legitimidade enfim pode ter quem subtraiu do povo o direito ao voto livre, quem castrou partidos políticos, a autonomia do legislativo e do judiciário. Não; em definitivo esse regime militar não tem origem nem folha de serviço que lhe creditem respeito público. Governa: é um fato, decorre da força; não é um direito, não decorre de consentimento popular. Não pode arvorar-se a disciplinar quem merece e quem não merece, anistia. Quem pode exercer esse juízo é o povo. E o povo vem clamando, ao seu modo, incansavelmente, há anos, como querendo “lançar um grito desumano para ver se é escutado”, pela anistia ampla, geral e irrestrita. Do Amazonas ao Rio Grande do Sul, em meio às centenas ou aos milhares de atos que sobretudo agora se realizam, nem um só é por anistia parcial, nem uma só voz conceituada se levanta para defender o projeto dos generais. Entretanto, o direito da força ainda é lei. E a força pressiona pela anistia parcial e discriminatória. Theodomiro não quis mais ficar como um joguete ao sabor de juizes que não assinam uma liberdade condicional de pré-requisitos todos preenchidos; nem da intolerância de generais-juizes que lastimam não encontrar saída legal para prejudicar um preso. Nem da vontade dos “duros”, de quem se diz não estarem ainda preparados para “assimilar” a anistia ampla. Há menos de uma semana nasceu-lhe o segundo filho, tal qual o primeiro, gerado na prisão. Deu-lhe o nome de um companheiro morto pela ditadura. E rompeu com o cativeiro.

Que seja feliz Theo. E que apareça breve, ou retorne breve à nossa Pátria LIVRE. Não há preço para a LIBERDADE.

Levo ao conhecimento também de todos, que ingressarei hoje na justa greve de fome que presos políticos do Brasil estão fazendo pela anistia ampla geral e irrestrita e contra a anistia parcial do governo. Tomarei meu lugar na trincheira dessa luta logo após encaminhar esta carta aos seus destinatários, para que dela tome conhecimento o povo brasileiro.

E VIVA A LIBERDADE.

HAROLDO LIMA