Walter Sorrentino: a tarefa do PCdoB na governabilidade e na frente ampla
A análise foi apresentada durante o Encontro ocorrido entre os dias 19 e 21 de maio, que reuniu na sede paulistana, e em modo remoto, mais de 200 professores.
O primeiro vice-presidente do PCdoB, Walter Sorrentino, fez uma meticulosa apresentação de fundamentos da posição do Partido sobre a conjuntura política do Governo Lula, a um conjunto de professores da Escola Nacional de Formação João Amazonas. A análise foi apresentada durante o Encontro ocorrido entre os dias 19 e 21 de maio, que reuniu na sede paulistana, e em modo remoto, mais de 200 professores.
Em sua análise, ele pontua os desafios atuais deste início de governo, ao passo que acenou para a tática direcionada ao êxito do governo Lula, “na perspectiva do projeto estratégico dos comunistas”.
“O 3o. governo Lula tem o desafio de forjar o apoio de uma expressiva maioria política e social no país, a fim de consolidar a normalidade democrática”, afirmou. Sem isso, torna-se mais difícil a implementação do projeto vitorioso nas urnas.
Um governo de entregas
Sorrentino repetiu em diversos momentos a necessidade de que o governo promova “entregas” concretas e imediatas para continuar garantindo o apoio de uma sociedade, que não canaliza sua indignação por meio de mobilizações. Apesar do cenário internacional de crise, ele considera que é possível aproveitar oportunidades para o Brasil.
“A orientação econômica precisa produzir resultados concretos e imediatos, desde já, e abrir caminho para a retomada vigorosa do papel do Estado, para os investimentos e a nova industrialização, no horizonte de 4 anos de mandato, numa realidade internacional que é de crise, mas também de grandes oportunidades estratégicas”, sintetizou.
Mas o dirigente considera o início de governo “vigoroso”, conforme o presidente Lula restaura em cem dias as conquistas perdidas pelo povo, retomando todas as políticas públicas progressistas e democráticas. Ele citou as conquistas garantidas com a recuperação de R$ 208 bi ao orçamento, com a vitória da PEC da transição: Minha Casa Minha Vida, reposição orçamentária em Ciência, Tecnologia e Inovação, Cultura, Saúde, Educação e outras áreas sociais; e empreenderá a retomada dos investimentos e obras públicas.
A recuperação da política de valorização do Salário Mínimo, instituiu novas modalidades e valores para o Bolsa Família e aumentou a isenção do Imposto de Renda. Está em pauta nova formulação de direitos do trabalho, principalmente no que diz respeito aos trabalhadores precários- e aprovou no Congresso a Lei de Igualdade de Remuneração entre homens e mulheres em cargos equivalentes. “Tais medidas têm grande impacto para fazer girar a roda da economia, especialmente para o setor popular. Dada a partida, agora se prepara uma nova geração de políticas públicas”, avalia ele.
Sorrentino apontou ainda realizações no campo político com o reordenamento do papel dos militares no governo, especialmente após o levante golpista. “Com determinação, autoridade e habilidade, Lula, como Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, as conduz a sair da política e se concentrar na Defesa Nacional”, disse. Por outro lado, ele cita a retomada da participação civil no governo por meio de Conselhos.
A geringonça
Para o dirigente partidário, Lula precisa se desvencilhar de obstáculos e melhorar a correlação de forças a seu favor. Para vencer a eleição foi preciso “engenho e arte” para empreender a construção de um amplo leque de forças democráticas, de qualquer extração em defesa do Estado democrático de direito. “Ele liderou a derrota da infamante tentativa de golpe e a resistência democrática contra o famigerado levante de Bolsonaro, na véspera, que profanou os poderes da República. Mas havia um alerta: não subestimar os perigos ainda presentes”, disse, lembrando a polarização e acirramento da disputa contra a extrema-direita.
A correlação de forças políticas foi decidida no 1o turno: Lula não alcançou base de apoio no Congresso, pondera Sorrentino, apontando que sua construção ainda está em andamento. Ele contabiliza que a Federação Brasil da Esperança, que inclui PT, PV e PCdoB, elegeu 80 deputados e as forças progressistas de esquerda e centro-esquerda não alcançaram 135 votos (como se viu na votação do marco do saneamento). No Senado, os resultados foram ainda mais desfavoráveis. Quatro dos maiores estados da Federação – São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná – todos no Sudeste e Sul –
elegeram governadores que apoiaram Bolsonaro como presidente, 3 deles no 1o. turno.
Desta forma, Lula assume diante de “uma realidade de vida nacional degradada em todas as suas dimensões, economia estagnada há anos, investimentos públicos mínimos, orçamento público ficcional, renda escassa, com alta e regressiva carga tributária que pesa sobre a classe média e os de baixa renda, agravada pela carestia de vida em curso”.
“O Estado foi desmontado em boa medida. A infraestrutura logística está sucateada, milhares de obras públicas estão paralisadas, há crises de segurança pública, miséria e insegurança alimentar. É esta página que precisa ser virada”, diagnosticou.
Uma construção laboriosa será forjar a base de sustentação estável no Congresso, “em meio a uma situação pródiga em embates diários e muitas contradições”. Para ele, essa tarefa da coordenação política deve envolver diretamente o presidente Lula, porque se trata de um dos mais conservadores e reacionários Congresso da história.
“Não pode ser apenas um presidencialismo de coalizão, é preciso muito mais, uma espécie brasileira de geringonça portuguesa, no rumo de pactuar as condições essenciais para a retomada do desenvolvimento brasileiro”, sugeriu, mencionando a frente de partidos progressistas em Portugal, que tem fortalecido seus governos.
O Brasil voltou
Sorrentino também elencou as inúmeros realizações diplomáticas do governo Lula que retomam o protagonismo global do país. Viagens, acordos de grande alcance e a presidência do Banco de Desenvolvimento dos BRICS. A vocalização da busca pela paz e da agenda ambiental marcam a ênfase pelo multilateralismo do Brasil no mundo.
A retomada do papel do integracionismo latino-americano por meio do fortalecimento do Mercosul, da UNASUL e da CELAC, estabelece o Brasil como fator de estabilidade democrática e impulsionador do desenvolvimento da região.
No clima de crise financeira, bancária e creditícia, que impactará com inflação e recessão a economia ocidental, afeta o Brasil, que poderá, dependendo das circunstâncias, se beneficiar da liquidez internacional por meio de investimento externo.
Sorrentino lembrou que a pandemia e a guerra aceleram a transição na quebra de cadeias de produção e suprimentos. “Estão em curso tendências à regionalização de cadeias em blocos e nações, regressão da deslocalização de empresas e até a progressiva substituição do dólar como moeda hegemônica das trocas comerciais e reservas”, afirmou.
Para ele, a proposta de paz, cessar fogo e saída negociada para o conflito na Ucrânia feita pelo Brasil “é o lugar certo para situar o país como ator na cena global”. O PCdoB defende a necessidade de viabilizar um acordo de paz que atenda às legítimas preocupações de segurança de todas as partes envolvidas, o que exige a manutenção da condição de neutralidade em relação a blocos militares. “[O PCdoB] afirma que a origem desse conflito foi o expansionismo dos EUA por meio da OTAN, que vem realizando uma política de cerco progressivo da Rússia há duas décadas, em clara ameaça às fronteiras e à segurança nacional da Rússia. O liberalismo descarnado dos EUA e UE querem transformar o líder de um governo fascistizante, Zelensky, num paladino”, ressaltou.
Batalha da comunicação
Para Sorrentino, um ponto nodal do governo tem sido insuficiências na batalha das narrativas. A hegemonia das plataformas digitais deforma a consciência sobre temas fundamentais de governo, canalizando a indignação popular como ocorreu no 8 de janeiro.
“O que falta é clareza, estratégia, plano e condução segura no seio do governo nessa questão nevrálgica”, avalia. Neste quesito, o PCdoB tem papel destacado, seja pelo comitê Gestor da Internet (CGI), com a jornalista Renata Mielli, seja por protagonizar a relatoria da legislação que formula novos parâmetros de responsabilização para as bigtechs, com o deputado Orlando Silva. “Será um passo gigante se for aprovada”.
Entrave macroeconômico
Outra baliza do governo, segundo Sorrentino, é relançar a economia no caminho do desenvolvimento soberano, abrindo caminho por meio de investimentos públicos e privados, o fortalecimento do Estado nacional e uma nova industrialização.
“O maior obstáculo para fazer a economia decolar é a política monetária: a taxa básica de juros em 13,75%, em um país empobrecido, sem inflação de demanda, onde vivem mais de 100 milhões de brasileiros e brasileiras em situação de insegurança alimentar”, apontou.
O governo indica uma Reforma Tributária como a maior proposta ao Congresso, neste primeiro ano. Antes disso, o dirigente comunista apontou a lei ordinária de nova regra fiscal para substituir o “teto de gastos” como um dos grandes testes de força do governo no Congresso. O arcabouço fiscal acabou sendo aprovado com folga na Câmara.
A grande aliança em torno da vitória de Lula pressupunha uma política fiscal que também acalmasse o mercado financeiro. Sorrentino considera que a proposta aprovada é restritiva e, mesmo assim, é vista com desconfiança pelo mercado que só se interessa por garantir superávit primário para remunerar regiamente a dívida pública.
“Mais concretamente, o Banco Central autônomo foi uma das maiores conquistas conservadoras ocorridas durante o governo Bolsonaro”, avaliou. Assim, o BC tornou-se o quartel-general daqueles que têm o claro propósito político de impedir o êxito do governo Lula, em sua opinião.
A correlação entre política fiscal e política monetária, para reduzir juros e estabilizar a dívida pública é algo que o governo conduzia e não tem mais a mesma liberdade. Mesmo com a dívida pública administrável em torno de 75% do PIB, sendo apenas interna e em moeda soberana, o mercado exige austeridade draconiana do governo.
Para Sorrentino, o PCdoB precisa apoiar o governo neste teste de forças, que é uma “afronta ao interesse nacional”. “[O Partido] pondera o sentido restritivo do pacote, busca ampliar as margens de manobra quanto às exceções à regra, ao ritmo com que se pretende alcançar equilíbrio do déficit já em 2024, a necessidade de manter as despesas constitucionais e outras exceções à regra para permitir maiores investimentos, e não criminalizar a gestão orçamentária, mas garantir-lhe flexibilidade e prazos mais dilatados”, analisa.
De qualquer forma, Sorrentino ressalta que o governo conseguiu tirar do contingenciamento a política de valorização do salário mínimo, o Bolsa Família, assegurou os gastos obrigatórios constitucionais, além de enterrar o famigerado teto de gastos.
Haddad prevê aumento da arrecadação penteando receita e despesa. “Mas com juros a 13,75% e economia recessiva, acho que é pedir muito”, desconfiou.
Apoio popular
É preciso aumentar a aprovação do governo e garantir maioria na sociedade, defende o dirigente. O fato de 26% dos que votaram em Lula acharem o governo apenas regular é um indicativo que precisa mudar. Ele citou os casos de governos progressistas vizinhos, como Argentina, Chile e Colômbia, em que os presidentes eleitos por pressão social caíram nas pesquisas e perderam sustentação.
Em sua opinião, faltou linha de ação política clara e consequente nesses governos para manter o clima plebiscitário com que foram eleitos. Isso não deve partir apenas do governo, embora o sucesso econômico do governo seja fator indispensável.
“É preciso um núcleo estratégico pensando nisso, envolvendo o governo e as forças organizadas com sua própria autonomia – isso ainda não existe”, alertou. Acrescenta ainda que, a história mostra que é necessário forjar frente única para a mobilização social, a conscientização maior da sociedade, motivar e canalizar a indignação com movimentos amplos.
“Isso solicita alvos definidos, unidade, bandeiras, formas de luta, muita estratégia e logística”, afirmou, acrescentando que um alvo importante de conscientização social deveria partir de uma campanha em pactuação ampla contra os juros extorsivos.
Tarefas táticas
A partir desta reflexão, o líder do PCdoB sintetiza a orientação partidária para tarefas táticas e estratégicas, a partir da definição de que o Partido deve lutar centralmente pelo êxito do governo. Esta é a essência da tática partidária, “que não é adesista nem voluntarista, pois compreende nossa autonomia para, ao lado do apoio, fazer a crítica e luta construtiva necessária”.
É preciso equilibrar essa posição com o cuidado de não subestimar a força social, política e econômica da extrema-direita. Para isso, é preciso sempre lutar pela frente ampla democrática.
O PCdoB também tem que ocupar um lugar político próprio vocalizando mais suas próprias opiniões, “como na regra fiscal, ou na Lei das fake news ou na Guerra da Ucrânia”, sugere ele. “Não é tão somente uma disputa dos rumos do governo, mas essencialmente uma disputa da sociedade. O PCdoB tem que ir mais ao povo, alcançar maior inserção, ajudar a unificar forças para isso, desenvolver campanhas e ações”, convocou.
Sorrentino avalia que o Brasil tem reservas e alavancas decisivas para a retomada dos investimentos públicos induzindo os privados, seja pela Petrobras, o BNDES, ou as grandes empresas nacionais de engenharia que precisam ser recuperadas. “Temos também um parque científico de monta para isso. Com isso, setores da burguesia industrial brasileira, desempoderados politicamente, podem ser atraídos por interesses objetivos, para empreender a nova industrialização”, acrescenta.
O cenário internacional, repleto de perigos, também traz oportunidades. Sorrentino acredita na possibilidade de unir interesses regionais, o papel dos BRICS e do Novo Banco de Desenvolvimento, como força de atração de investimentos.
“Não há dúvida de que isso, no caso do Brasil e da América Latina, tem um significado objetivamente contra-hegemônico, tendo em vista a dependência neocolonial do país em relação aos círculos dirigentes financeiros dos EUA e da União Europeia”, ponderou.
Po isso, a esquerda debate alternativas, diante do que a primeira onda progressista foi incapaz de realizar para a retomada do desenvolvimento soberano e o que a nova onda enfrenta de entraves econômicos e políticos.
“O desafio do tempo nesta nova onda progressista que vivemos é avançar teórica e politicamente para uma economia do desenvolvimento nos termos do mundo atual, que sustente políticas econômicas inovadoras face ao completo naufrágio do neoliberalismo senil e das políticas macroeconômicas do Consenso de Washington”, afirmou.
A identidade do PCdoB
Outro ponto estratégico que avança para uma tática é o fortalecimento do PCdoB, que encontrar favorecimento no novo cenário de confiança de Lula, reforçada pelo comando do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), pela presidente nacional do Partido, Luciana Santos, além de participar de papeis estratégicos em outros ministérios e conselhos.
Ele avalia como vigoroso o início do projeto estratégico do MCTI, com a reativação dos investimentos na área, forte protagonismo nos acordos firmados nas viagens de Lula ao exterior, em que Luciana esteve presente a todas. Assim, a institucionalidade atual é forte alavanca ao fortalecimento do partido, em sua opinião. “A condição é chegar ao povo e fortalecer a identidade do partido”, enfatizou, apontando a necessidade de agir pela base, nos territórios, junto aos trabalhadores e o povo.
Para o dirigente comunista, o Partido já acumula valores de um partido de ação política e institucional, militante e combativo para servir aos trabalhadores e ao povo; de luta pela maior equidade social; indispensável à democracia e à pluralidade da esquerda brasileira.
Agora, ele quer valorizar mais a noção de um partido para a ressignificação do socialismo e do comunismo aos olhos da sociedade. “Nossa leitura da China sob direção do Partido Comunista é fulcral, não como modelo nem exemplo, mas como uma experiência que demonstra a superioridade concreta do socialismo”, exemplificou.
Para além das lutas particulares, ele defende que é preciso ser cada vez mais universalista diante da divisão provocada por Bolsonaro na sociedade. “Ligar cada uma e todas as demandas pelas quais lutamos a um projeto de nação nos termos propostos pelo PCdoB”.
Sorrentino diz que o PCdoB precisa de mais votos, “ser eleitoralmente um partido do tamanho das nossas ideias”. Em diálogo com o encontro de professores, ele vê esperança na capacidade de formar quadros nesse espírito. “Amplitude, sagacidade, tática orientada pela estratégia. Infundir essa política no posto de comando da construção partidária. As novas gerações dirigentes do partido precisam legar isso aos 101 anos! Vocês serão os monitores da formação dos quadros que liderarão isso”, afirmou.
(por Cezar Xavier)