Por Osvaldo Bertolino

Há 70 anos, em 27 de julho de 1953, o armistício de Panmunjon encerrou a Guerra da Coreia. De 1950 a 1953, os combates contra a ocupação estadunidense ceifaram 3 milhões de vidas.

O receio era de que a manifestação no Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo, terminasse em tiro. Um grupo de policiais mal-encarados esgueirara até próximo ao local em que algumas mulheres erguiam uma faixa com o dizer “Os soldados nossos filhos não irão para a Coreia” e prendeu a líder delas, Elisa Branco. “Prenderam a Elisa”, gritou-se. Os mal-encarados ameaçaram empunhar as armas, mas recuaram diante da reação da massa. Esperaram terminar o desfile para conduzir Elisa à delegacia, com o reforço da tropa de choque. Era 7 de setembro de 1950, Dia da Independência. A batalha que os comunistas travavam contra as ameaças de nova guerra mundial entrava em uma nova fase com a guerra da Coreia e o Dops de São Paulo havia proibido manifestações em defesa da paz. 

O deputado do Partido Comunista do Brasil Pedro Pomar — eleito em 1947 pelo Partido Social Progressista (PSP) — acompanhou o caso com especial atenção. Sabia que aquelas faíscas eram sinais de que a fogueira anticomunista estava novamente sendo abanada. Deixou isso claro em artigo que escreveu no jornal Imprensa Popular, intitulado Imitemos e multipliquemos o exemplo de Elisa Branco. Ela não praticou nenhum crime de morte, não envenenou a alimentação vendida ao povo, não falsificou remédios, não especulou com os preços, não explorou nem oprimiu nenhum ser humano, disse. “Numa palavra, não praticou nada capaz de justificar sua detenção e condenação a quatro anos e três meses de prisão”, escreveu.

Segundo ele, a atitude de Elisa Branco significou, sem dúvida, uma ação corajosa, heroica para aqueles tempos de violência. Representou um chamamento enérgico aos soldados, filhos do povo, para não seguirem ao sacrifício em uma guerra promovida pelo banditismo do imperialismo norte-americano. “Quem, como Elisa Branco, tem a coragem de defender sua opinião e lutar por ela constitui uma ameaça aos imperialistas e seus lacaios”, completou. 

Campanha comunista mundial

Elisa cumpriu um ano e pouco de prisão na Casa de Detenção em São Paulo. O Advogado do Partido Comunista do Brasil, Sinval Palmeira, impetrou habeas corpus em seu favor no Supremo Tribunal Federal (STF), que negou o pedido. Elisa só seria libertada depois do julgamento no STF em 20 de setembro de 1951, quando foi absolvida. Durante o período em que esteve presa, os comunistas promoveram uma mobilização que ganhou proporções mundiais e contou com a participação de celebridades, como o poeta chileno Pablo Neruda. Recebida com festa ao deixar a prisão, Elisa liderou uma passeata pelas ruas do centro de São Paulo, sendo saudada com flores e espocar de fogos. Em 1952, recebeu, na União Soviética, o Prêmio Internacional Stálin da Paz.  

Para Pedro Pomar, as campanhas de massa eram decisivas. Uma delas, em defesa da paz, merecia atenção especial. Logo após a realização do Segundo Congresso Mundial dos Partidários da Paz, em Varsóvia, Polônia, no começo de 1951, ele escreveu um artigo no jornal Imprensa Popular, com o título Popularizemos as realizações do II Congresso da Paz. No Manifesto aos povos do mundo, aprovado no evento, estavam consubstanciadas as aspirações dos povos, disse ele. A paz não se espera, conquista-se, enfatizou.

No Brasil, a tarefa era ampliar e fortalecer o Movimento Brasileiro de Defesa da Paz e transformar o Brasil em um baluarte da causa da paz mundial por intermédio de uma firme e continuada ação de massas. Tudo isso dependia, em grande medida, de uma ampla campanha de esclarecimento popular, escreveu.

Feras de Harry Truman

A formação dos Conselhos de Paz nas empresas, em bairros, repartições, escolas, fazendas, quartéis e navios era um fator importantíssimo para popularizar as resoluções do Congresso de Varsóvia, segundo Pedro Pomar. Uma boa propaganda das decisões do Segundo Congresso Mundial da Paz não poderia ser feita sem levar em conta a ameaça de Assis Chateaubriand de convencer o governo a mandar vinte mil jovens para morrer na Coreia — conforme denunciou a juventude em uma pichação na sede do seu conglomerado de jornais do grupo Diários Associados.

Na Câmara dos Deputados, Pedro Pomar denunciou que o Brasil estava tão envolvido com esse clima que o governo perseguia a irmã e a filha de Luiz Carlos Prestes, obrigando-as a deixar o país. Ele relembrou o episódio da entrega de Olga Benário à Gestapo por Getúlio Vargas e Filinto Müller e falou do recuo do chefe do Estado Novo em 1945 para concluir que as forças do fascismo se agruparam em torno do governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, o general eleito em 1945, quando retomaram a ofensiva. Naquele momento, disse Pedro Pomar, Prestes era vítima de novas perseguições — bandos policiais estavam à sua caça por toda parte e sua filha, uma criança, não era deixada em paz.

O diretor do colégio onde a filha de Prestes estudava foi chamado e coagido a expulsá-la. “Agora, Anita Leocádia Prestes viu-se obrigada a deixar o país, em vista da situação em que nos encontramos”, protestou. Segundo Pedro Pomar, a filha de Prestes corria o risco de ser presa como refém. “Isso fez com que suas tias providenciassem sua saída para o estrangeiro, a salva da sanha assassina das feras de Truman (Harry Truman, o presidente dos Estados Unidos), das quais nos diz Prestes que são piores do que as feras de Hitler”, afirmou.

Revolução cintila na China

Uma violenta tempestade se formara debaixo da calma aparente do pós-Segunda Guerra Mundial. Enormes áreas coloniais e semicoloniais do globo, agitadas com as novas esperanças de liberdade pelo exemplo da vigorosa vitória das forças democráticas, estavam despertando e ameaçando subverter a pesada estrutura do imperialismo.

A revolução havia cintilado na China e começava a irromper na Coreia. Eram acontecimentos anunciados como o fim dos tempos, obras de uma “conspiração moscovita”. O mundo capitalista, que se debatia nas garras da crise antes do início da Segunda Guerra Mundial enquanto a União Soviética embarcava em uma era de progresso, armava-se febrilmente para impedir o avanço do socialismo.

O mito-propaganda da “ameaça comunista” trazia de volta o ramerrame dos velhos chavões que inundaram o mundo pelas ações do nazifascismo no entreguerras. O Brasil estava envolvido nessa guerra de nervos até o pescoço — em uma sessão do Conselho de Segurança da ONU, presidida por Dutra, fora aprovada uma resolução que reforçava a adesão do governo brasileiro às ameaças guerreiras. 

Estabilidade mundial por um frágil fio

O regime norte-americano pretendia fazer da bomba atômica uma espécie de nave capitânia da sua política externa, baseado em algum direito divino de saquear os recursos do globo para atender aos confortos da sua elite. Era uma diretiva proclamada sem subterfúgios e reticências. O campo socialista, liderado pela União Soviética, preparava-se para ser atacado a qualquer momento. Nesse cenário, a luta pela paz se impunha sobre qualquer outra. A estabilidade mundial que emergiu da Segunda Guerra Mundial estava sustentada por um frágil fio.

Pedro Pomar analisou esse cenário em artigo, publicado no jornal Voz Operária de 24 de junho de 1950, sobre a admissão da China revolucionária na ONU. A objeção da maioria “anglo-ianque” era refletida no Brasil pelas posições de Raúl Fernandes, ministro do Exterior da “ditadura americana de Dutra”. Segundo Pedro Pomar, Osvaldo Aranha, a pedido do secretário-geral da ONU, o norueguês Trygve Halvdan Lie, declarou-se favorável ao ingresso dos representantes do governo de Mao Tse-tung por considerá-lo o único que representava o povo chinês e também porque seria uma grande contribuição à causa da paz entre os povos.

As forças democráticas e progressistas brasileiras podiam ver naquele episódio a aplicação da divisão do mundo em dois campos — o da paz e da democracia, que visava ao entendimento e à cooperação pacífica entre os povos, e o das potências imperialistas, encabeçada pelo governo Harry Truman, dos Estados Unidos, dirigente do campo da reação e da guerra, afirmou. Pedro Pomar elogiou a atitude da União Soviética, que exigia a expulsão dos agentes de Chiang Kai Shek (líder das forças que lutaram contra a Revolução e foram se refugiar na ilha de Taiwan) da ONU e a sua substituição pelos legítimos representantes do povo chinês, comprovando sua condição de baluarte da paz.

Controle de armas atômicas

Os comunistas do Brasil deveriam se integrar de corpo e alma na campanha mundial contra a bomba atômica e em defesa da paz. Pedro Pomar havia escrito na edição do dia 10 de junho de 1950 do jornal Voz Operária o artigo Milhões de assinaturas contra a bomba atômica defendendo um vigoroso empenho dos democratas na campanha por coleta de assinaturas. O Congresso Mundial dos Partidários da Paz, reunido em Paris em 1949, elegera um Comitê Mundial e recomendou a organização, em cada país, de comitês nacionais.

O movimento ganhou força quando, em março de 1950, o comitê permanente do Congresso Mundial dos Partidários da Paz, reunido em Estocolmo, lançou um apelo pela proibição da bomba atômica em uma campanha de assinaturas em sua defesa. Os comunistas brasileiros iniciaram uma campanha contra o envio de tropas à Coreia e a utilização de armas atômicas. Conseguiram mais de 4,2 milhões de assinaturas.

“Exigimos a interdição absoluta da arma atômica, arma de terror e de extermínio em massa de populações. Exigimos o estabelecimento de um vigoroso controle internacional para a aplicação dessa medida de interdição. Consideramos que o governo que primeiro utilizar a arma atômica, não importa contra que país, cometerá um crime contra a humanidade e será tratado como criminoso de guerra. Pedimos a todos os homens de boa vontade no mundo inteiro que assinem este apelo”, dizia o texto do abaixo-assinado.

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Da biografia Pedro Pomar — ideias e batalhas