Por Osvaldo Bertolino

Na tarde de 20 de setembro de 1961, o cientista Julius Robert Oppenheimer, considerado o pai da bomba atômica, retratado no badalado filme do diretor Christopher Nolan, chegou à Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro, onde fez uma palestra, em inglês, à noite, intitulada Reflexões sobre a cultura e a ciência. Foi ouvido por mais de duzentas pessoas. “Muito se fala em acabar com as bombas atômicas. Isso me agradaria muito, mas não nos devemos iludir a esse respeito”, afirmou. “O mundo jamais será o mesmo, não importa o que fizermos com as bombas atômicas, porque o conhecimento de como fabricá-las não pode ser banido.”

Leia também – A guerra da Coreia e o heroísmo da comunista Elisa Branco

Após a palestra, Oppenheimer foi ao Itamaraty para ser condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul pelo ministro das Relações Exteriores, San Tiago Dantas. De bom humor, num gesto inesperado tirou do bolso um pequeno canivete e abriu a lapela do paletó para que a condecoração fosse colocada. Segundo o ministro, em entrevista coletiva após a cerimônia, o cientista havia dito a ele que a melhor forma de governo é aquela que permite a um homem ser leal para com a sua pátria sem deixar de ser leal com a espécie humana.

Esse pensamento lhe custara uma dura perseguição nos Estados Unidos, quando ele se opôs ao uso da bomba atômica como arma de destruição em massa. Oppenheimer chefiou o “Projeto Manhattan”, criado em 13 de agosto de 1942, que instalaria em Los Alamos, no estado do Novo México, e Oak Ridge, no Tennesee, laboratórios que custaram mais de US$ 2 bilhões. Em 16 de julho de 1945, no deserto do Alamogordo, Novo México, foi lançada a primeira bomba experimental. Quase dois anos depois, Oppenheimer foi acusado por um agente do Escritório Federal de Investigações de ter recebido um espião soviético ainda na fase inicial do projeto da bomba atômica.

O início da perseguição foi precedido de uma campanha de cientistas para que o controle da bomba atômica ficasse com uma organização internacional. Falando na Comissão Mista de Comércio e Assuntos Militares do Senado, em outubro de 1945, Oppenheimer disse que bombas cada vez mais destrutivas poderiam ser fabricadas. E alertou que o poderio militar dos Estados Unidos havia sido aumentado, mas não por muito tempo, referindo-se ao que seria chamado de corrida armamentista. “Os esforços para limitar a posse do segredo aos cientistas americanos só servirão para fazer crer aos outros países que estamos aperfeiçoando a força atômica em laboratórios secretos”, advertiu.   

Um abaixo-assinado de cientistas dos Estados Unidos e da Inglaterra reuniu mais de dezessete mil assinaturas apoiando o controle internacional. Um projeto de lei governista no Senado para a criação da pesquisa do programa atômico foi definido por cientistas como ameaça à liberdade científica. Era uma evidente tentativa de criar um instrumento de dominação do mundo, alertaram. O presidente norte-americano, Harry Truman, havia dito que a bomba atômica seria o escudo da política dos Estados Unidos.

Explosões no Japão

O caso deflagrou uma escalada de perseguição a Oppenheimer. Em 1958, quando estava na França para fazer palestras na Sorbone ele foi descrito pela agência de notícias Ansa com aparência de velho, aos 54 anos de idade, “fisicamente acabado”. Um jornal avaliou sua postura como de “extrema prudência”. “Parece que tem receio. Que não se julga um homem livre”, escreveu. Segundo a Ansa, era difícil para ele sentir-se livre depois de ter fabricado uma bomba capaz de destruir num instante duas cidades e dado a sua aprovação àqueles lançamentos, referindo aos ataques a Hiroshima e Nagazaki, no Japão.

É difícil sentir-se livre depois de ter lutado em vão contra a “obra do Diabo” e tolerado acusações, calúnias, ostracismo, disse a agência. Um jornalista italiano lhe perguntou: “É verdade que, assistindo à primeira explosão atômica, o senhor pronunciou os versos apocalípticos do Baghavad Gita (texto religioso hindu escrito em sânscrito) ‘Tornei-me a própria morte, eu faço estremecer os mundos’”? Oppenheimer respondeu: “Pode parecer literatura, mas é a verdade. Pronunciei aqueles versos e talvez compreendesse pela primeira vez na minha vida o que é o pecado.”

Após as explosões no Japão, Oppenheimer pediu demissão, recusada pelo governo. “Eu não sou um fabricante de armas”, alegou. Desde então, passou a ser acusado de filocomunista. Em 1949, quando a União Soviética anunciou a sua bomba atômica, as acusações subiram de tom. E o governo dos Estados Unidos tirou do cofre um antigo projeto, intitulado “Bomba de hidrogênio”, a bomba H. Oppenheimer se opôs frontalmente à iniciativa. Ele e outros cientistas apresentaram o plano “vista”, que defendia no lugar da bomba H armas atômicas táticas, que seriam instaladas na Europa.

Oppenheimer conseguiu a aprovação de Dwight Eisenhower, comandante das forças atlânticas em Paris, mas não convenceu a Marinha e a Aeronáutica. Truman ordenou a fabricação da bomba H. Uma farta documentação começou a circular no governo, acusando Oppenheimer de ser espião soviético. Diziam, segundo o jornal The New York Times, que ele fora comunista na década de 1930, namorara uma comunista e se casou com a bióloga Katherine Puenning, também comunista. Um relatório do Federal Bureau of Investigation (FBI) apresentou documentos que provariam seu passado comunista.

Vigia noturno

As acusações eram falsas, mas já havia chegado o macarthismo, a feroz campanha anticomunista comandada pelo senador Joseph McCarthy. Eisenhower substituiu Truman como presidente dos Estados Unidos e consolidou o afastamento de Oppenheimer de todo acesso aos segredos das bombas atômica e de hidrogênio. Uma junta especial da Comissão de Energia Atômica assumiu o processo. Segundo o jornal italiano Paese-Sera, Oppenheimer sofria perseguição também da indústria do petróleo e de energia elétrica por suas ideias de motores atômicos.   

Oppenheimer esteve no Brasil também em agosto de 1953, analisando o trabalho do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. “Tenho a impressão de que o Brasil fez maiores progressos no terreno da energia atômica do que qualquer outro país do hemisfério ocidental, exceto os Estados Unidos e o Canadá”, afirmou. O professor José Leite Lopes, do Centro de Pesquisas Físicas e da Faculdade Nacional de Filosofia, fez estudos sobre eletrodinâmica quântica, com orientação de Oppenheimer, no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, nos Estados Unidos. Lá estava também Albert Eisntein, que pouco antes de morrer declarou: “Se eu tivesse que escolher profissão, seria vigia noturno, para poder dizer o que quisesse.”

Em 1961, na palestra na Academia Brasileira de Ciências, Oppenheimer disse: “Muito me preocupa que neste mundo de mudanças e desenvolvimento científico tenhamos perdido, num grau tão sensível, a capacidade de conversar.” Na Inglaterra, o matemático Bertrand Russel e outros pacifistas haviam sido presos. Numa carta aberta ao líder soviético Nikita Kruschev e a Eisenhower, Russel escreveu: “Nunca, como na hora em que vivemos, houve tantos motivos para pensar-se que o gênero humano percorre um caminho que desemboca num precipício sem fundo.”