A necessária reforma tributária
Na realidade, os vícios do atual sistema tributário brasileiro refletem as grandes limitações de competência e espírito público de certos legisladores e bem assim de setores de nossa população
Por Durval de Noronha Goyos Jr
A Câmara dos Deputados aprovou, em julho de 2023, uma proposta de emenda constitucional objetivando uma reforma tributária (PEC04519) para a racionalização, ao menos formal, da hoje insana cobrança de impostos sobre bens e serviços, intrincada, complexa e sem paralelos internacionais, na categoria de impostos indiretos. Com as alterações aprovadas, 5 tributos serão extintos, que representaram cerca de 38% da arrecadação em 2021, dos quais 3 são federais: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); o Programa de Integração Social (PIS); e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
Conforme a proposta aprovada pela Câmara Baixa, o IPI, o COFINS e o PIS-PASEP serão substituído pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), ao passo que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) substituirá o atual Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS), de competência dos Estados, e o Imposto sobre Serviços (ISS), de competência dos municípios. Assim, a CBS e o IBS constituirão um tributo indireto, na linha dos impostos sobre valor agregado, praticados mundo afora, com maior simplicidade e sem o efeito da tributação em cascata, que onera o consumidor, em última instância.
A iniciativa foi bem acolhida, excetuando-se a oposição lunática, porque o sistema atual é de difícil compreensão, complexo para o cumprimento e oneroso na forma e na incidência acumulada. Ele também reduz a competitividade internacional do País. Contudo, o progresso na formatação deve necessariamente ser acompanhado de um tratamento lógico e razoável do patamar de tributação, ainda a ser definido. Este se faz necessário porque tributamos mais mediante os impostos indiretos do que pelos diretos, o que é uma grande injustiça social, já que os primeiros, incidentes sobre o consumo, atingem a todos.
Na realidade, os vícios do atual sistema tributário brasileiro refletem as grandes limitações de competência e espírito público de certos legisladores e bem assim de setores de nossa população. Já na Constituição Federal de 1988, estabeleceram-se prebendas, vantagens e sinecuras para certos segmentos corporativos, sociais, econômicos, culturais, religiosos e assistenciais. A tais regalias, acrescentem-se os dispêndios extravagantes com os proveitos espúrios para setores como a magistratura e o Ministério Público.
Mantidas todas as exceções tributárias hoje existentes nos impostos indiretos, a carga fiscal resultante da reforma será a maior do mundo, no direito fiscal comparado, situando-se por volta de 28,4%, conforme análise realizada pelo IPEA. Tal patamar elevadíssimo retiraria em muito as vantagens da positiva simplificação formal e representaria um obstáculo para o crescimento econômico e social do povo brasileiro, de maneira a reduzir a competitividade internacional na atração de investimentos e no custo das exportações do Brasil.
Assim, não serve apenas uma reforma na forma. É importante também que seja feita uma reformulação das exceções hoje aplicáveis aos impostos indiretos, limitando-as àquelas de inegável importância social, eliminando-se as sinecuras ilegítimas. Sem tal medida, de cunho tanto moral como econômico, a reforma tributária de muito pouco valerá. Em contrapartida, para uma maior justiça social e adequada contribuição ao País, impõe-se a revisão da tributação direta, trazendo-a ao patamar internacional. De fato, o Brasil é hoje um paraíso fiscal para os bancos e para os rentistas.
Durval de Noronha Goyos Jr é jurista e escritor.