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    Cultura

    O comunismo na poesia de Drummond

    Carlos Drummond de Andrade se aproximou do Partido Comunista do Brasil na década de 1940.

    Por Theófilo Rodrigues

    Se o baiano Jorge Amado foi o grande romancista brasileiro, o mineiro Carlos Drummond de Andrade foi o principal poeta.

    Drummond nasceu em 31 de outubro de 1902 na cidade de Itabira-MG e faleceu aos 84 anos em 17 de agosto de 1987 no Rio de Janeiro.

    Poucos sabem sobre esse registro histórico, mas Drummond foi comunista. Na década de 1940, o poeta aproximou-se do Partido Comunista do Brasil como grande parte do mundo cultural naquele momento. E essa aproximação foi mais do que apenas um flerte, como alguns sugerem. Drummond chegou a dirigir o jornal do partido, a Tribuna Popular, ao lado de um coletivo formado por nomes como Pedro Mota Lima, Aydano do Couto Ferraz, Álvaro Moreira e Dalcídio Jurandir, e esteve cotado para ser candidato a deputado federal por Minas Gerais em 1945, na famosa eleição que elegeu pelo PCB o senador Luiz Carlos Prestes e os deputados Jorge Amado, João Amazonas, Maurício Grabois, Gregório Bezerra e Carlos Marighella, entre outros.

    Nesse mesmo ano de 1945, lançou A rosa do povo, seu livro de poesias mais politizado. A obra foi escrita no contexto da 2a. Guerra Mundial. Nela, algumas poesias exaltam a grande vitória da União Soviética contra os nazistas, em particular na batalha de Stalingrado ocorrida em 1943.

    Em Carta a Stalingrado, Drummond assegura que “a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem”. Essa Ordem, com letra maiúscula, é o comunismo no imaginário do poeta.

    Já em Telegrama de Moscou, Drummond diz: “Aqui se chamava / e se chamará sempre Stalingrado. / – Stalingrado: o tempo responde”. Nos dois casos, o poeta errou, ao menos no curto prazo. Em 1961, após o processo de desestalinização implementado pelo governo de Nikita Khruschov, a cidade passou a se chamar Volgogrado. E o socialismo, décadas depois, caiu no país. Claro, nada que não possa mudar no longo prazo para comprovar a poesia do mineiro.

    Drummond se afastou do partido em fins da década de 1940, mas A Rosa do povo, obra de um poeta revolucionário, permanecerá na memória dos comunistas para sempre.

    Theófilo Rodrigues é mestre em Ciência Política pela UFF e doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio. Realizou Pós-Doutorado em Ciências Sociais na UERJ. 

    Reproduzimos abaixo duas poesias de Drummond que constam em A Rosa do Povo: Carta a Stalingrado e Telegrama de Moscou.

    Carta a Stalingrado

    (Drummond)

    Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
    O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
    outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
    e o hálito selvagem da liberdade
    dilata os seus peitos, Stalingrado,
    seus peitos que estalam e caem,
    enquanto outros, vingadores, se elevam.

    A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
    Os telegramas de Moscou repetem Homero.
    Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
    que nós, na escuridão, ignorávamos.
    Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
    na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
    no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
    na tua fria vontade de resistir.

    Saber que resistes.
    Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.
    Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.
    Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
    Saber que vigias, Stalingrado,
    sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes
    dá um enorme alento à alma desesperada
    e ao coração que duvida.

    Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
    As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
    Débeis em face do teu pavoroso poder,
    mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
    as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,
    aprendem contigo o gesto de fogo.
    Também elas podem esperar.

    Stalingrado, quantas esperanças!
    Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!
    Que felicidade brota de tuas casas!
    De umas apenas resta a escada cheia de corpos;
    de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.
    Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,
    todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
    mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
    ó minha louca Stalingrado!

    A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,
    apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,
    caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,
    sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?
    Uma criatura que não quer morrer e combate,
    contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,
    contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,
    contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate,
    e vence.

    As cidades podem vencer, Stalingrado!
    Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
    Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
    Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
    a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.

    Telegrama de Moscou
    (Drummond)

    Pedra por pedra reconstruiremos a cidade.
    Casa e mais casa se cobrirá o chão.
    Rua e mais rua o trânsito ressurgirá.
    Começaremos pela estação da estrada de ferro
    e pela usina de energia elétrica.
    Outros homens, em outras casas,
    continuarão a mesma certeza.
    Sobraram apenas algumas árvores
    com cicatrizes, como soldados.
    A neve baixou, cobrindo feridas.
    O vento varreu a dura lembrança.
    Mas o assombro, a fábula
    gravam no ar o fantasma da antiga cidade
    que penetrará o corpo da nova.
    Aqui se chamava
    e se chamará sempre Stalingrado.
    – Stalingrado: o tempo responde.