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O comunismo na poesia de Drummond

17 de agosto de 2023

Carlos Drummond de Andrade se aproximou do Partido Comunista do Brasil na década de 1940.

Por Theófilo Rodrigues

Se o baiano Jorge Amado foi o grande romancista brasileiro, o mineiro Carlos Drummond de Andrade foi o principal poeta.

Drummond nasceu em 31 de outubro de 1902 na cidade de Itabira-MG e faleceu aos 84 anos em 17 de agosto de 1987 no Rio de Janeiro.

Poucos sabem sobre esse registro histórico, mas Drummond foi comunista. Na década de 1940, o poeta aproximou-se do Partido Comunista do Brasil como grande parte do mundo cultural naquele momento. E essa aproximação foi mais do que apenas um flerte, como alguns sugerem. Drummond chegou a dirigir o jornal do partido, a Tribuna Popular, ao lado de um coletivo formado por nomes como Pedro Mota Lima, Aydano do Couto Ferraz, Álvaro Moreira e Dalcídio Jurandir, e esteve cotado para ser candidato a deputado federal por Minas Gerais em 1945, na famosa eleição que elegeu pelo PCB o senador Luiz Carlos Prestes e os deputados Jorge Amado, João Amazonas, Maurício Grabois, Gregório Bezerra e Carlos Marighella, entre outros.

Nesse mesmo ano de 1945, lançou A rosa do povo, seu livro de poesias mais politizado. A obra foi escrita no contexto da 2a. Guerra Mundial. Nela, algumas poesias exaltam a grande vitória da União Soviética contra os nazistas, em particular na batalha de Stalingrado ocorrida em 1943.

Em Carta a Stalingrado, Drummond assegura que “a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem”. Essa Ordem, com letra maiúscula, é o comunismo no imaginário do poeta.

Já em Telegrama de Moscou, Drummond diz: “Aqui se chamava / e se chamará sempre Stalingrado. / – Stalingrado: o tempo responde”. Nos dois casos, o poeta errou, ao menos no curto prazo. Em 1961, após o processo de desestalinização implementado pelo governo de Nikita Khruschov, a cidade passou a se chamar Volgogrado. E o socialismo, décadas depois, caiu no país. Claro, nada que não possa mudar no longo prazo para comprovar a poesia do mineiro.

Drummond se afastou do partido em fins da década de 1940, mas A Rosa do povo, obra de um poeta revolucionário, permanecerá na memória dos comunistas para sempre.

Theófilo Rodrigues é mestre em Ciência Política pela UFF e doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio. Realizou Pós-Doutorado em Ciências Sociais na UERJ. 

Reproduzimos abaixo duas poesias de Drummond que constam em A Rosa do Povo: Carta a Stalingrado e Telegrama de Moscou.

Carta a Stalingrado

(Drummond)

Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem,
enquanto outros, vingadores, se elevam.

A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir.

Saber que resistes.
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.
Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.
Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
Saber que vigias, Stalingrado,
sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes
dá um enorme alento à alma desesperada
e ao coração que duvida.

Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder,
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,
aprendem contigo o gesto de fogo.
Também elas podem esperar.

Stalingrado, quantas esperanças!
Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!
Que felicidade brota de tuas casas!
De umas apenas resta a escada cheia de corpos;
de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,
todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!

A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,
apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,
caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,
sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?
Uma criatura que não quer morrer e combate,
contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,
contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,
contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate,
e vence.

As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.

Telegrama de Moscou
(Drummond)

Pedra por pedra reconstruiremos a cidade.
Casa e mais casa se cobrirá o chão.
Rua e mais rua o trânsito ressurgirá.
Começaremos pela estação da estrada de ferro
e pela usina de energia elétrica.
Outros homens, em outras casas,
continuarão a mesma certeza.
Sobraram apenas algumas árvores
com cicatrizes, como soldados.
A neve baixou, cobrindo feridas.
O vento varreu a dura lembrança.
Mas o assombro, a fábula
gravam no ar o fantasma da antiga cidade
que penetrará o corpo da nova.
Aqui se chamava
e se chamará sempre Stalingrado.
– Stalingrado: o tempo responde.