Sobre o discurso de ódio
De fato, como disse Umberto Eco, ‘as mídias sociais deram direito à palavra para legiões de imbecis’, que anteriormente falavam apenas nos botecos
Por Durval de Noronha Goyos Jr
Em julho de 2021, a Assembleia Geral da ONU expressou preocupações internacionais a respeito “do crescimento exponencial e proliferação do discurso de ódio” tendo então adotado uma resolução objetivando “promover o diálogo inter-religioso e intercultural, e bem assim a tolerância” no combate a esta prática abominável, que ameaça a estabilidade social e agride a ordem jurídica dos países. A referida resolução proclamou o 18 de junho como o Dia Internacional do Combate ao Discurso de Ódio, uma iniciativa, tanto importante como, oportuna.
Ao fazê-lo, o diploma reconheceu a necessidade da contraposição à discriminação, à xenofobia e ao discurso de ódio, conclamando os povos a se engajar nos esforços para repudiar o execrável fenômeno, de acordo com as normas do direito humanitário internacional. Para tanto, a ONU lançou um plano de ação para a oposição ao discurso de ódio, a ser seguido por seus membros. Em realidade, o fenômeno não é nada novo, mas foi magnificado nos últimos anos através das tecnologias de comunicação e pela mídia social.
De fato, como disse Umberto Eco, “as mídias sociais deram direito à palavra para legiões de imbecis”, que anteriormente falavam apenas nos botecos. O discurso de ódio foi ainda impulsionado por ideologias espúrias de extrema direita, que buscam aumentar o número de seguidores ao explorar os piores sentimentos da alma humana. Este último desdobramento deu o conteúdo maligno, nefando e perverso para as mídias sociais, que é utilizado sem controles e sem limites.
No passado, os marcos e as barreiras a tais manifestações eram estabelecidos pelos valores éticos da sociedade, transmitidos pelas famílias, escolas, entidades religiosas e laicas. O Catecismo católico ensina que o ódio é uma manifestação do sentimento de hostilidade, um pecado grave e contrário à caridade. Por sua vez, o budismo leciona que a convivência com respeito e confiança é uma condição essencial para a construção de um mundo melhor.
A eficácia destes controles sociais diminuiu pela cobiça desmedida, pela busca pelo poder e pela maldade exacerbada, que se institucionalizou. É certo que os discursos de ódio são capitulados como crimes face ao direito internacional e ao direito interno dos países, inclusive o do Brasil. No entanto, a ação das empresas das plataformas midiáticas, que lucram com a visibilidade dada pelas aberrações, e a pouca eficácia do Poder Judiciário na sua repressão, levam ao seu crescimento desmedido.
São crimes relacionados ao discurso de ódio, dentre outros, a xenofobia, a intolerância religiosa, o racismo, a misoginia, a calúnia, a injúria, a difamação, a apologia ao crime (inclusive o de tortura) e a incitação à conduta delituosa. Algumas outras manifestações criminosas na Internet dizem respeito à pedofilia, ao tráfico de armas /drogas, ao canibalismo, ao terrorismo, aos ataques à Democracia, à receptação, a atendados à saúde pública, e às fraudes generalizadas, inclusive aquelas de ordem financeira.
A iniciativa da ONU é importante por dar uma orientação para o combate ao discurso de ódio. A luta contra tal monstruosidade dá-se, todavia, no âmbito doméstico e passa pela educação institucional e familiar. Faz-se ainda necessária a rápida repressão das práticas criminosas, devido à velocidade do meio virtual, que grandes males podem causar num pequeno decurso de tempo. Impõe-se mesmo a regulamentação e controle das plataformas midiáticas, verdadeira terra de ninguém.
DURVAL DE NORONHA GOYOS JR., Jurista e escritor.