Diogo Santos: “investimento público não é concorrente do investimento privado”
Entrevista com o professor Diogo Santos sobre a economia no Brasil
O economista Diogo Santos considera que “foi o regime macroeconômico vigente no Brasil um dos maiores obstáculos para o sucesso da política industrial nos governos Lula I e II e no governo Dilma”. Com êxitos variados, aquela experiência deixou aprendizados, mas não conseguiu reverter a tendência de regressão da estrutura produtiva do país.
Diogo falou sobre a indústria nacional durante o encontro de sindicalistas no dia 5 de setembro, via teleconferência. Para ele, “é preciso corrigir o erro dos governos anteriores em conceber o investimento público e privado como concorrentes”.
Diogo Santos é economista. Mestre e doutorando em Economia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É economista do Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead) da UFMG. É membro da Fundação Maurício Grabois.
A apresentação de Diogo baseou-se na Nota Técnica sobre política industrial elaborada para a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
“O pressuposto equivocado de que o aumento do gasto público provoca uma redução do investimento privado gerou um regime fiscal que, ao contrário de servir para retirar o país da crise econômica, aprofundava a própria crise”, afirmou.
Para o economista, “a indústria de transformação em geral, esteve aquém do desempenho médio da economia. No núcleo da erosão dessas bases se encontra a regressão produtiva vivida pelo país há mais de três décadas”.
A exposição foi uma síntese do texto de sua autoria “Política Industrial a Serviço de uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento para o Brasil”. No texto, considera que o Teto de Gastos significou uma profunda alteração na capacidade do Estado atuar a favor do crescimento econômico. “A rigidez dessa regra de gasto público, direcionada exclusivamente para a geração de caixa para pagamento de juros da dívida pública, em um país em que já existem três outras regras fiscais (Regra de ouro, Lei de responsabilidade fiscal e Regra de superávit primário), concedeu à burguesia financeira um nível de controle sobre o orçamento público sem paralelo no mundo”.
O economista avaliou que “a grande conquista da aprovação da nova regra fiscal, chamada Novo Arcabouço Fiscal foi retirar a antiga regra, o Teto de Gastos da Constituição, podendo agora ser revista democraticamente. Trata-se do espaço para o crescimento do investimento público.
EMPRESA NACIONAL
Ele considera que o sistema de crédito é uma alavanca imprescindível para o crescimento industrial do país. E que, nesse sentido, “o desmonte do BNDES com o fim da taxa de juros cobrada pelo banco abaixo das taxas de mercado (TJLP), era um modo encontrado de contornar as elevadas taxas de juros”.
A segunda observação é que deve-se também rever a revogação do artigo 171 da Constituição que define o conceito de empresa brasileira de capital nacional. Este artigo garantia ao Estado brasileiro o poder realizar políticas de fomento exclusivamente para empresas de controle totalmente nacional. O artigo 171 foi revogado pela emenda constitucional nº 6, de 15 de agosto de 1995, portanto “durante o período da fracassada tentativa de realizar uma modernização produtiva baseada no desmonte dos instrumentos estatais de indução do desenvolvimento nacional”. Diogo citou também que deve-se garantir que no acordo Mercosul-União Europeia, o Brasil não perca soberania para a utilização das compras públicas como instrumento de indução da nova industrialização.
PRIVATIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DO TRABALHO
Diogo considera que as mudanças trazidas pela lei 13.429/2017, que ampliaram a possibilidade de terceirização e a lei 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, significaram “uma ampliação do controle privado dos capitalistas sobre as relações entre estes e a classe trabalhadora e uma redução da regulação pública destas relações conquistadas no Brasil ao longo do século 20”. Disse que “a justificativa principal do setor empresarial e de economistas liberais era de que o crescimento dos salários a partir de meados dos anos 2000 estava na raiz da queda da lucratividade das empresas. Mas, para o economista eram “mais relevantes o aumento da concorrência com produtos importados, após a crise de 2008 e a elevação do endividamento das empresas, em especial aquelas com maiores volumes de dívidas em moedas estrangeiras”.
Afirmou que as reformas trabalhistas facilitaram as demissões de trabalhadores e também as contratações em condições salariais piores com o objetivo de reduzir custos de produção. “Acontece que além de custos, os salários dos trabalhadores são a principal fonte de demanda para a produção de bens de consumo. Por conta disso, a sustentação dos níveis de emprego em momentos de desaceleração econômica é um fator que contribui para evitar que a economia caia ainda mais, uma vez que os trabalhadores empregados sustentam a demanda por consumo. Porém, ao facilitar as demissões, as reformas trabalhistas quebram essa proteção da economia contra as recessões”, argumentou o palestrista.
MOBILIZAÇÃO
Para Diogo, “a política industrial, para ter êxito duradouro, deve ser elaborada como núcleo de uma estratégia nacional de desenvolvimento”, vale dizer, “a política industrial deve explicitamente ter como objetivo a transformação social e redução da grave desigualdade socioeconômica existente no país”. “A política industrial, mais do que um fim em si mesma, deverá ser na atualidade um instrumento a serviço da recomposição das condições socioeconômicas necessárias para a consolidação da nação brasileira na direção da transformação da vida do povo”. Diogo defende a “uma forte base social de sustentação a uma política de industrialização”. Para ele “é o elemento decisivo”.