Orlando Silva (PCdoB-SP): o policial e a história de uma conspiração
Por Osvaldo Bertolino
A condenação do policial militar reformado João Dias Ferreira por crime de calúnia por ter acusado em 2011 o então ministro do Esporte Orlando Silva, representante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no ministério do governo da presidenta Dilma Rousseff, é apenas a ponta de um iceberg. “É um absurdo a Justiça demorar doze anos para condenar um caluniador. O dano na imagem para um político é irreparável. Ao menos você limpa a sua honra, que é o nosso bem maior”, afirmou Orlando ao jornal Folha de S. Paulo.
O caso começou num momento de ataques violentos ao governo, logo após a posse de Dilma. A primeira crise grave se deu com o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, investigado pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal por suposta improbidade administrativa entre 2006 e 2010, denunciada pelo jornal Folha de S. Paulo. O ministro acabou demitido.
Em 16 de junho de 2011, a presidenta recebeu líderes do PSB, do PCdoB e do PDT. Dilma afirmou que havia uma luta pela agenda política, na qual a mídia pretendia impor a sua. O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, avaliou que a presidenta estava percebendo o jogo da oposição e da mídia golpista, consciente de que, primeiro, tentaram jogar o ex-presidente Lula contra ela e, agora, faziam de tudo para implodir sua base de sustentação política.
Na verdade, a mídia fazia uma ofensiva em larga escala, que atingia também o PCdoB. A revista Época, do Grupo Globo, publicou, no final de julho de 2011, matérias com ataques pessoais a Haroldo Lima, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) – também representante do PCdoB no governo –, mera reedição da acusação de “aparelhamento” do qual ele havia sido vítima no jornal Correio Brazielense, seguindo o rastro de uma manobra do PSDB para criar uma CPI da Petrobras no Senado, sob a alegação de que a Polícia Federal encontrou irregularidades em contratos e doações firmados pela construtora Camargo Corrêa na construção da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco.
Renato reagiu com indignação: “Época tenta enxovalhar uma legenda de noventa anos que, se manchas tem em sua bandeira, são de sangue de seus militantes que morreram na luta contra as ditaduras e pela democracia.” A publicação sem provas, nem indícios, e sem ouvir o acusado – regras éticas básicas do jornalismo – foi uma agressão ao PCdoB, considerou. “Além da mentira, da calúnia, a matéria destila o preconceito de um conservadorismo que não admite que forças progressistas, como o PCdoB, ou lideranças da esquerda, exerçam responsabilidades relevantes na democracia brasileira.”
Em audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, Haroldo informou que uma ação da Advocacia Geral da União pedia reparação da Época por danos morais.
Escalada midiática
A mídia havia escolhido o PCdoB como bola da vez. Logo depois, a revista Veja atacou o Partido com a acusação de que “uma estrutura dentro do Ministério do Esporte” desviava “dinheiro público”. Em entrevista a jornalistas da TV Brasil e Rede Brasil, em São Paulo, Renato rechaçou as acusações. “A reportagem lança uma acusação caluniosa ao PCdoB de desvio de dinheiro público para “caixa dois” de campanha. E qual prova apresenta? Nenhuma. Não há na reportagem absolutamente nada para sustentar tão grave acusação.”
Renato informou que o ministro Orlando Silva estava no México a trabalho e, em entrevista coletiva, apresentou uma defesa nítida e firme. Uma nota do Ministério do Esporte também desmontou a acusação. Segundo Renato, seguro e convicto de que tudo não passava de calúnia e armação, Orlando apresentou um pedido ao ministro da Justiça para que a Polícia Federal investigasse a denúncia.
A revista baseou-se em depoimento de João Dias Ferreira, ligado a organizações não-governamentais, sobre convênios do programa Segundo Tempo do Ministério do Esporte. Na Polícia Federal, ele disse não ter provas para incriminar Orlando. Em audiência no Senado, o ministro classificou a matéria como “acusação vil e mentirosa” e desafiou os acusadores a provar o que diziam.
O caso era também uma repetição de ataques do começo do ano, quando os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo publicaram calúnias semelhantes. Na ocasião, as publicações não obtiveram eco. Agora, o caso se espalhou pela mídia e virou instrumento de uma ofensiva da oposição contra o governo.
Diante da escalada midiática, o ataque mobilizou setores da esquerda. Uma campanha de apoio e solidariedade ao ministro, puxada pela União da Juventude Socialista (UJS), se espalhou pelas redes sociais, com ampla repercussão, e chegou à mídia. Renato participou e escreveu: “PCdoB incomoda poderosos que concentram toda artilharia pesada contra nós. Resistiremos.” Em entrevista ao site Terra Magazine, ele afirmou que “a reportagem da Veja era um jornalismo vulgar, com interesse político”.
O PCdoB considerou o ataque um caso grave, que precisava ser desmascarado no programa nacional de rádio e TV que iria ao ar dia 20 de outubro de 2011. “O Partido tem se preocupado, dentro de suas condições, em explicar à opinião pública o que está acontecendo e vamos fazer isso na TV”, afirmou Renato.
No programa, ele disse:
“Para levar o Brasil a um novo patamar de desenvolvimento, o PCdoB propõe um pacto entre o governo, os trabalhadores e o setor produtivo nacional. Junto com a presidenta Dilma, o nosso Partido colabora com noventa anos de história em defesa do que é do povo, um princípio que colocamos em prática todos os dias, fiscalizando e não tolerando qualquer tipo de desvio de conduta.
Toda e quaisquer acusações contra o PCdoB se revelaram, mais cedo ou mais tarde, mentiras, denúncias sem prova, tentativas fracassadas de atacar a imagem do partido que mais cresce. O PCdoB cresce justamente por entender que o que é do povo é sagrado. Nunca nos intimidamos de qualquer luta. Já enfrentamos ditaduras, delatores e provocadores. Sempre resistimos. Não vai ser agora que vamos nos intimidar diante daqueles que querem manchar a nossa história.”
No dia seguinte, antes de participar da Conferência estadual do PCdoB no Rio de Janeiro, Renato recebeu um telefonema de Lula. “Acabei de receber uma ligação telefônica do nosso ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se solidarizando com nosso Partido e com o nosso ministro Orlando Silva. Ele disse: ‘Vocês têm que resistir, o ministro tem que resistir’. E devemos. A história de nosso Partido é a resistência.”
O evento, realizado num hotel no centro da cidade, se transformou em um ato de desagravo a Orlando. Nas faixas espalhadas pelo auditório foram escritas frases de apoio ao ministro e ao Partido. Renato destacou que o crescimento da pasta, que ganhava dimensão com a realização da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, despertou a cobiça de vários setores. “O Ministério era um patinho feio, que não interessava a ninguém. Mas virou um cisne de ouro. Por isso, passou a ser muito cobiçado”, discursou. Outras conferências nos estados aprovaram moção de defesa do Partido e de solidariedade a Orlando.
Orgulho do PCdoB
Em 25 de outubro, Renato reuniu-se com a presidenta Dilma. Antes, participou de almoço-reunião da bancada comunista na Câmara dos Deputados. Na saída, cercado por um mar de microfones, declarou: “Não posso adiantar nada por uma questão de ética. Nós ainda vamos conversar com a presidenta. Vocês vão ter que esperar algumas horas e nós depois vamos procurá-los para falar sobre a nossa posição, a posição do Partido, a posição do ministro.”
No dia seguinte, Orlando entregou o cargo. “Nosso Partido não pode ser base de instrumento de nenhum tipo de ataque ao governo”, afirmou o ministro em entrevista coletiva, ao lado de Renato. Seis dias depois, Aldo Rebelo assumiu o Ministério. Na transmissão de cargo, Renato discursou e, em resposta aos agradecimentos e homenagens dirigidas a ele, fez um elogio a Orlando, a quem definiu como “destemido e orgulho do nosso Partido”.
No mesmo dia, o colunista do jornal O Globo Ricardo Noblat requentou o caso e fez uma série de ataques ao PCdoB, em especial a Renato, acusado de se comportar com “brilhante cinismo” na entrevista coletiva concedida após a transmissão do cargo no Ministério do Esporte. No dia seguinte, na tribuna da Câmara dos Deputados, a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) declarou: “O senhor Noblat rebaixa o jornalismo, ataca com intrigas e futricas, como se isso pudesse, nem que por um momento, atingir a dignidade e a honra do presidente do meu Partido.”
Um documento com mais de quinhentas assinaturas de intelectuais, profissionais liberais e personalidades do mundo das artes e das ciências manifestou solidariedade ao PCdoB. Em carta pública, Renato expressou “profundo agradecimento pela solidariedade emprestada a nosso Partido, em meio aos torpes ataques movidos pelo campo político reacionário e por veículos dos monopólios dos meios de comunicação”.
O PCdoB entrou com ações, penal e indenizatórias, contra as editoras Abril, que editava a Veja, e Globo, responsável pela Época. “Já tínhamos, no decorrer desse enfrentamento, o compromisso de que iríamos lutar em todas as frentes, inclusive a judicial, sobretudo procurando construir ações contra dois órgãos de imprensa que nos atacaram de forma mais agressiva”, declarou Renato, que participou da entrega do processo na Vara Civil Especial de Brasília. As ações ainda percorrem os labirintos da Justiça.