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É preciso comunicar melhor a ciência e a produção da universidade

9 de outubro de 2023

Evento realizado na UFG discutiu mecanismos da desinformação e como fomentar uma cultura de rede de divulgação da ciência e da universidade

A desinformação tem sido uma questão na sociedade contemporânea que tem gerado não só polarização política, mas problemas de ordem prática, como diminuição da cobertura vacinal e até mesmo casos extremos de violência. Nas eleições de 2018, redes articuladas foram capazes de inflamar uma cultura de ódio e permitiram que um nome até então desconhecido alçasse a presidência. Nesse contexto, é preciso entender essas articulações e o papel da ciência, da universidade e das instituições no combate à desinformação.

Para mostrar como opera esse fenômeno e como funcionam hoje no Brasil as redes de interesse nas plataformas digitais, a Universidade Federal de Goiás (UFG) trouxe, por meio do evento “Jornadas pela prevalência das ideias democráticas e progressistas”, na última quarta-feira (4/10), o sociólogo Marcus Nogueira e a pesquisadora em Comunicação Política Fernanda Sarkis, ambos da Universidade do Porto, em Portugal. Nas eleições brasileiras de 2022, os dois participaram da desarticulação de milícias digitais no Brasil, a partir do conceito de “cartografias da controvérsia”.

Jornada pela democracia
Pesquisadores apresentaram sua pesquisa e o conceito de cartografias da controvérsia (Fotos: Wesley Menezes)

“A desinformação é um assunto que povoa nossa comunidade e tem criado uma realidade desafiadora”, apontou o sociólogo. Os pesquisadores utilizam um conceito do antropólogo e sociólogo francês Bruno Latour – a fórmula formiga –, que propõe um conjunto metodológico que captura e analisa rastros deixados em torno de uma controvérsia nas redes sociais. Controvérsia, segundo Marcus, é quando dois atores não podem mais se ignorar sobre um tema. Ele citou, por exemplo, a questão do aborto. A proposta dessa cartografia da controvérsia é desenhar a rede de interesses e os perfis que giram em torno de uma determinada questão.

O espaço nas redes sociais é aberto a todos, mas a constatação do pesquisador é: o campo antiprogressista é quem melhor tem utilizado as redes sociais. Como ele destacou, a comunicação de massa não é nova, a novidade é essa articulação nas redes. “Vivemos uma disputa de agendamento o tempo inteiro”, afirmou.

Jornada pela democracia
Marcus Nogueira contextualizou historicamente a articulação dessas redes e como controem suas narrativas

Ele mostrou em sua fala uma linha do tempo de como, ao longo dos anos, esses grupos se articularam até os dias de hoje. Segundo ele, a ideia liberal na economia e conservadora nos costumes foi criando corpo desde a Sociedade Mont Pelerin, criada em 1947, e que pregava a promoção do liberalismo, passando pelo surgimento de institutos chamados think-tank, que são unidades de difusão dessas ideias. Marcus abordou como primeiro esses institutos abordaram os intelectuais e, na sequência, os políticos, passando então para a sociedade. Nessa articulação, algumas ideias-chave se repetem, como o foco dado à religião e o capitalismo priorizando os pobres. Marcus abordou como as lideranças políticas têm sido moldadas e formadas dentro desses sistemas. “Há uma narrativa com histórias emocionalmente envolventes que envelhecem as esquerdas e disputam a pobreza; as histórias mobilizam e criam identidade comunitária”.

Marcus usa a analogia do jogo Escravos de Jó. Ele explicou que, assim como o jogo, não importa o que aconteça na realidade, eles continuam articulando o envio de informações em um ritmo constante e inabalável. Não por acaso, os alvos de ataque desses grupos são a universidade como produtora de conhecimento, o jornalismo que se baseia em técnicas que funcionam como referência para estabelecer critérios de verdade e a ciência. “Esses grupos envelhecem e desconstroem todo o processo civilizatório. É uma disputa de padrão civilizatório”. 

Jornada pela democracia
Fernanda Sarkis explica que a surdez do campo progressista não auxilia estratégias de combate à desinformação

Durante a palestra, os pesquisadores mostraram uma cartografia da trama do Foro de São Paulo. Fernanda Sarkis lembrou que as pesquisas mostram que a população brasileira realmente acredita na implantação do comunismo, mas muito mais como uma ideia conservadora e cultural do que sobre o conceito real de comunismo que articulamos na universidade. Nessa cartografia, eles identificaram um grupo fechado de ideias que permeiam as mensagens de desinformação e que se articulam no arco narrativo compartilhado dessa ideia do Foro de São Paulo. Eles mostraram que as ideias são as mesmas e se reproduzem em outros países como a Argentina, os Estados Unidos e países da Europa, mudando apenas os agentes envolvidos, inclusive se interconectando internacionalmente e criando narrativas que ligam um país ao outro.

“O sucesso dessa comunicação é possível porque integra diferentes atores que conversam com diferentes públicos e espalham essa informação”, detalhou Fernanda. Por outro lado, há uma surdez absoluta do lado progressista que não entende e nem quer entender o que eles dizem. Esse público constrói uma realidade e o outro lado não tem uma proposta de ocupação desse ambiente. “A desinformação é mais um conteúdo baseado em uma visão de mundo que, nesse caso, não é desinformação, mas uma visão extremamente tradicionalista e que impacta o mundo à sua volta”. O diferencial desses grupos é gerar organicidade e presença genuína nas redes por meio do afeto e do emocional.

Jornada pela democracia
A reitora da UFG, Angelita Pereira de Lima, e o vice-reitor, Jesiel Carvalho, participaram do evento no dia 4 de outubro

Comunicação da ciência
Ao ser questionada sobre como melhorar a capilarização do discurso da ciência, Fernanda Sarkis ressaltou que é preciso ocupar as redes, enchê-las de conteúdo e articular esse conteúdo. “Temos poucas reservas de espaço nas redes para a divulgação da ciência. Se não aceitarmos que o papel do cientista é se comunicar, não sairemos do lugar”, afirmou. Marcus também apontou a extensão como um dos caminhos possíveis para a articulação dessa comunicação. “A comunicação precisa traduzir a universidade para o público”, ressaltou.

Ele explicou que não há, na universidade, a cultura de estar na rede. “É preciso criar uma cultura de estar na rede. Essa cultura de rede exige um debate de regras e normas, mas também articulação dos entes dessa universidade nas redes sociais. Quando um reitor compartilha uma informação e outro reitor faz isso coordenadamente, além de seus pró-reitores e demais entes, fazendo base para um projeto de chão de fábrica, a gente começa então a se comunicar”, recomendou o pesquisador. Ele afirmou ainda que é preciso perceber essa conjuntura e organizar essas redes, e a universidade tem uma imensa capacidade de fazer isso.

Para finalizar, Marcus Nogueira explicou que esses atores da direita são poucos e não têm o tamanho e a articulação tão grandes quanto parecem, e que os entes das universidades, por exemplo, têm uma capacidade de articulação nas redes muito maior. Para isso, basta organizar esse trabalho.

Evento
As “Jornadas pela prevalência das ideias democráticas e progressistas” é uma série de eventos organizada por oito instituições promotoras da ação: Universidade Federal de Goiás (UFG); Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg-Sindicato); Instituto Federal Goiano (IF Goiano);  Instituto Federal de Goiás (IFG); Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO); Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego); Universidade Federal de Catalão (UFCat); Universidade Federal de Jataí (UFJ).

Fonte: Jornal UFG

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