Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, mostra documento com a evolução da ocupação dos territórios palestinos a delegados da ONU — Foto: Shannon Stapleton/Reuters

Por Osvaldo Bertolino

Esses dois artigos da Tribuna Popular, jornal do Partido Comunista do Brasil, de 1947, revelam a origem do atual conflito na Palestina, fomentado pelo expansionismo do regime imperialista dos Estados Unidos, apoiado pela Inglaterra. São uma espécie de crônica do papel do que viria a ser a Doutrina Truman (proclamada pelo presidente norte-americano Harry Truman) na região, concretizada pela denominada “cortina de ferro” para isolar a União Soviética e a influência de suas ideias progressistas no chamado “mundo ocidental”, um cerco militar que resultou na ocupação do Japão depois das bombas atômicas em Hiroshima e Nagazaki, nas guerras da Coreia e do Vietnã, no banho de sangue anticomunista que dizimou meio milhão de pessoas na Indonésia, na cadeia de golpes na América Latina – inclusive o do Brasil – e na imposição da política de saques e controle pela violação da democracia e do direito internacional.    

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Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e o problema da Palestina

Tribuna Popular, 8 de março de 1947

Por A. Romanov – Copyright da INTER PRESS

“Só na luta comum contra a política tanto inglesa como americana, podem os árabes e judeus obter a independência da Palestina”, afirma um conhecido jornalista soviético – A história e uma interpretação do discutido caso da Terra Santa.

Foi em abril de 1920 que a Inglaterra conseguiu o “mandato” que lhe conferia a administração da Palestina. Para o conseguir, soube aproveitar habilmente as pretensões que tinham os sionistas de povoar de hebreus aquele país. Ao apolar o movimento sionista, o imperialismo britânico procurava utilizar os judeus para jogá-los contra as ânsias de independência dos árabes e manter, assim, o seu domínio na Palestina. Em 1939, os árabes se sublevaram.

A situação internacional daquele momento e o desejo de sufocar as chamas da insurreição, obrigaram o governo inglês a prometer aos árabes: 1°) examinar a possibilidade de conceder à Palestina a Independência em 1949, isto é, daquela data a dez anos; 2°) restringir a emigração hebraica; 3°) limitar a venda de terras aos judeus. Os sionistas se pronunciaram contra essas promessas do governo britânico, afirmando que era uma traição aos interesses do movimento unificador dos hebreus.

Depois da Segunda Guerra Mundial, teve-se de analisar o problema judeu levando em conta a necessidade de oferecer um lar a centenas de hebreus vítimas das tendências chauvinistas de vários países. O presidente Truman deu a público uma mensagem segundo a qual propunha a transferência de cem mil judeus para a Palestina. Em novembro de 1945, Bevin (ministro dos Negócios Estrangeiros no governo Winston Churchill) anunciou na Câmara dos Comuns que iria ser constituída uma comissão anglo-americana para resolver a questão da Palestina. Oficialmente, declarou-se que essa comissão se destinava a “estudar as condições políticas e sociais da Palestina e a sua influência sobre o problema da imigração judaica e a distribuição desta”.

O princípio que inspirava as atividades da referida comissão e a sua própria origem suscitaram viva criticada na imprensa mundial. A realidade obrigava a refletir sobre o verdadeiro estado de coisas, bem como sobre a conveniência de ser criada tal comissão em um momento em que havia começado a funcionar a ONU. As tentativas de decidir a sorte de outros povos pelas costas da ONU, além de entrar em contradição com os princípios do direito internacional e com os Estatutos das Nações Unidas, abala as raízes da solidariedade entre os Estados e a segurança universal.

O propósito das potências que constituíram a citada comissão de burlar os compromissos contraídos, determinou o caráter da atividade dessa comissão e de suas recomendações. O seu extensíssimo informe foi abundante em declarações altissonantes e em vagas promessas. Porém, no fundo, a comissão – depois de resolver o ponto concernente à necessidade de transferir os cem mil judeus – nada decidiu sobre o principal: a necessidade de conceder imediatamente independência à Palestina, arma da rivalidade anglo-americana no Próximo Oriente.

As recomendações da comissão encarregada dos problemas econômicos e agrários foram ditadas totalmente pela tendência de manter, por largos anos, o regime colonial no país, coisa que concorda de todos os modos com os interesses de ambas as pretorias representadas na comissão. Não é, pois, de estranhar que as decisões e recomendações da comissão tenham provocado irados protestos tanto entre os árabes como entre os judeus.

Quando se soube que a comissão não havia dado nenhum passo no sentido da constituição de um Estado hebraico, os judeus puseram em movimento todas as forças, exortando abertamente que se empunhassem as armas. Comentando o informe da comissão, o senador americano (Owen) Brewster observou: “O fato de que ambas as partes – tanto os árabes quanto os judeus – protestem contra as decisões da comissão, indica que não se resolveu o problema da Palestina.”

Por conseguinte, não poderia causar estranheza o fato de que o informe da comissão, após ter sido dado à publicidade, haja aguçado a situação política no Próximo Oriente. Os árabes ameaçam com insurreição, os hebreus fazem pressão sobre o governo britânico e cometem atos de terror e sabotagem. A Grã-Bretanha embarca novas tropas para a Palestina e converte este país em um Estado policial, com acordo tácito dos Estados Unidos, os quais aproveitam a situação para consolidar as posições no Próximo Oriente. Tal foi o resultado das “sábias” descrições da prestigiosa comissão.

Por que estalar, assim, em torno da Palestina, conflitos políticos que chamam a atenção do mundo inteiro? Por que a Inglaterra e os Estados Unidos lutam pela posse desse pequeno país? A Palestina se encontra no coração do Oriente Próximo, e o seu valor estratégico é enorme. Atravessam-na as rotas aéreas entre a Europa e a Ásia. Acha-se nas imediações do Canal de Suez, ponto central das comunicações marítimas mundiais.

A Arábia Saudita, o Irã e a Síria, que circundam a Palestina, dispõem de riquíssimas jazidas de Petróleo. Os Estados Unidos começaram a mostrar particular interesse pela Palestina, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, depois que o truste petrolífero norte-americano da Standard Oil obteve concessões para explorar ricas jazidas de petróleo da Arábia. O governo dos Estados Unidos apoiou com mão forte a atividade febril com que os monopólios americanos empreenderam a busca de novas fontes de petróleo.

A luta pelo domínio econômico e político, por parte dos Estados Unidos, sobre o Oriente Próximo se encontra agora senão em sua fase inicial, uma vez que, durante a repartição das esferas de influência, o imperialismo norte-americano demonstrou preferência pelo Extremo Oriente, abandonando o Oriente Próximo à política militar da Inglaterra. Mas essa repartição das esferas de influência não faz senão exacerbar a luta dentro do bloco anglo-saxão. A vítima dessa luta aconteceu ser um país que durante 25 anos foi foco de grandes distúrbios e derramamento de sangue.

A agudeza singular do problema da Palestina consiste em que o imperialismo anglo-americano exacerba intencionalmente a situação no Oriente Próximo, com o objetivo de sujeitar – de modo mais definitivo e firme – a seus interesses, os Estados árabes. Os imperialistas norte-americanos se lançaram pelo caminho do avassalamento econômico dos países do Próximo Oriente, enquanto a Inglaterra desempenha as funções de Estado policial que inunda de tropas os países árabes, tentando afogar por todos os meios o crescente movimento em favor da independência nacional e a soberania dos Estados.

Por fim, qual a solução do problema da Palestina que merece o apoio dos meios progressistas? Desde o princípio, esse problema não pode ser resolvido pela aspiração dos árabes e constituir na Palestina um Estado próprio, como tampouco pela tendência sionista de formar ali um Estado hebraico. Só na luta comum contra a política tanto inglesa como americana podem ambos esses povos obter a independência da Palestina.

Os métodos imperialistas são incapazes de resolver o problema. A paz nacional reinará na Palestina somente quando os próprios povos que a habitam se encarregarem de decidir a sua sorte. Não poderá se constituir um Estado árabe-hebraico enquanto a Palestina continuar sendo um quintal do imperialismo britânico, ou um cenário da rivalidade deste com o dos Estados Unidos.

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Pela completa independência da Palestina

Da Tribuna Popular, 28 de fevereiro de 1947

Unidos, árabes e judeus contra o imperialismo anglo-americano. A política de Bevin visa auxiliar um banho de sangue anticomunista que dizimou meio milhão de pessoas as companhias petrolíferas.

LONDRES, 27 (A.P) – Dois comunistas da Palestina, um judeu e um árabe, se uniram no ataque ao papel do sionismo na Terra Santa e ao “imperialismo” anglo-americano no Oriente Médio. Falando na Conferência dos Partidos Comunistas do Império Britânico, Samuel Mikunis, delegado judaico, declarou que a política de Bevin tem por fim auxiliar as companhias petrolíferas e os “judeus e árabes reacionários”, acrescentando:

“O imperialismo tem a ajuda dos círculos chauvinistas e sionistas, que fecham os olhos ante a existência do povo árabe e proclamam que a Palestina deve se tornar um Estado judaico. O imperialismo britânico e americano está tentando converter a Palestina numa base militar para a terceira guerra mundial contra a União Soviética.”

O delegado árabe Emil Touma exigiu a completa independência da Palestina, declarando que o “imperialismo britânico e americano” estava exigindo uma grande imigração para a Palestina “a fim de tornar o país um Estado judaico, que seria um bastião do imperialismo”.

Emil Touma, um dos líderes da Liga Nacional de Libertação da Palestina, manifestou o ponto de vista dos esquerdistas árabes (…), pedindo que os comunistas façam uma campanha mundial para desacreditar o sionismo – especialmente nos Estados Unidos, como “aliado do imperialismo”. Apontou a entrega do caso da Palestina às Nações Unidas pela Grã-Bretanha como uma simples manobra dilatória, visando “conservar a Palestina como base militar contra a União Soviética e os movimentos de libertação árabe”.