Debate critica concepção punitiva da política de segurança pública no Brasil
Evento foi organizado pela Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania São Paulo (ADJC-SP)
Por Joanne Mota
Em debate realizado nesta quarta (18), na Câmara de Vereadores de São Paulo, a Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania São Paulo (ADJC-SP) refletiu sobre a atual política de segurança pública no país, a ampliação do poder das polícias, os efeitos dessa ampliação para o Estado Democrático de Direito, e sobre a necessidade de se pensar uma política de segurança com foco na cidadania plena e na paz social.
“O objetivo da ADJC São Paulo é realizar uma série de ações na capital e interior do estado que revolva o tema e construa caminhos para a elaboração de uma proposta de política de segurança pública conectada com a defesa da cidadania e da democracia. Além disso, buscamos ligar esse movimento ao processo de reestruturação tecnológica, pensando a tecnologia como ferramentário importante para o fortalecimento desta cidadania e da paz social”, externou um dos moderadores e membro da executiva da ADJC São Paulo, José Carlos Pires, ao abrir debate.
A atividade contou com a participação dos palestrantes Gustavo Junqueira, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da PUC-SP; Jacqueline Muniz, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF); e Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que realizaram importantes reflexões sobre os desafios de se pensar uma nova política de segurança no país.
Durante suas falas, os convidados destacaram os problemas graves do sistema de segurança no Brasil, as debilidades das políticas aplicadas e como isso fortalece o avanço da violência.
Presente na atividade, o Ouvidor das Polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, comentou a importância da realização do debate: “uma importante iniciativa que precisa ser levada aos territórios mais vulneráveis, que são os que mais sofrem com a atual política segurança que defende a ideia do inimigo comum, uma política carregada pelos ideais da Ditadura Militar. Debates como esse reforçam nossa atuação para a mudança e pela implementação de política de segurança que rompa com essa lógica. E a Ouvidoria será parceira nesse processo”, afirmou o Ouvidor.
Romper com sistema punitivo
Ao apresentar suas impressões sobre os desafios de se pensar uma nova política de segurança pública, o professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da PUC-SP Gustavo Junqueira fez ampla explanação sobre a atual situação da segurança no país e destacou entre os diversos problemas a concepção de um sistema penal punitivo que não só potencializa a violência e opressão no interior do sistema, como também amplia e mascara as violações dos direitos.
“É urgente pensar mecanismos de combate à violência e isso passa por uma reflexão do sistema penal vigente, que hoje tem como premissa um sistema punitivo. Precisamos pensar a segurança pública nos moldes com que pensamos serviços como o de saúde e saneamento, por exemplo. Uma política de segurança que enfrente a violência a partir da mediação dos conflitos”, afirmou o professor.
Ele ainda indicou que a ideia de sistema punitivo alimenta o discurso da eliminação, esse que esconde a desumanização do outro. “Esse discurso fomenta uma política que induz a se pensar que segurança pública se resume a apenas punir quem praticou algum crime”, alertou Junqueira.
Sistema disfuncional
Na mesma linha, a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, ressaltou que o modelo de segurança pública vigente no país é disfuncional. Segundo ela, para mudar essa realidade “é preciso uma modernização do sistema, tanto em âmbito institucional como de infraestrutura, que dê conta da infinidade dos conflitos existentes. E qualquer mudança passa por uma reforma institucional e no padrão organizacional do campo”.
Bueno ainda frisou que nunca houve uma prioridade dos governos, sejam eles de esquerda ou de direita, de se pensar uma política que remodelasse a cultura organização da segurança pública do país com foco na cidadania e na paz social efetiva.
“A gente passa de um modelo de forças policiais que trabalhavam na lógica repressiva [herança da ditadura militar], para uma excessiva autonomia das forças policiais. Essa lógica alimenta um sistema disfuncional, e um exemplo disso é o que ocorre hoje no Rio de Janeiro e na Bahia”, denunciou ela.
Autonomização predatória
Ao criticar a atual política de segurança, a professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jacqueline Muniz atestou que tanto a o modelo Militar de polícia como o Civil são falidos em termos de governabilidade e controle da ação policial.
“O modelo Militar sofre e excesso de verticalização impedindo o desenvolvimento de uma cadeia de controle daqueles que usam a arma. No modelo civil, as delegacias são vaticanos dentro de Roma. Elas sofrem de horizontalidade excessiva. Tanto o primeiro como o segundo produzem o que chamamos de autonomização predatória.
Nesta lógica, Muniz destaca que a cidadania passa a ser uma espécie de “programa de milhagem”, viabilizado pelo Estado numa concepção do “faça por merecer”. Ou seja, essa concepção, nas palavras da pesquisadora, esconde “a real função da segurança pública que é garantir estabilidade, previsibilidade e regularidade do exercício do poder”.
Ao opinar sobre o avanço da ampliação do poder da polícia, ela salientou: “segurança pública não é igual a polícia. Nenhuma polícia nunca produziu solução permanente no mundo. Porque quando a polícia atua ela não muda consciência, mas as oportunidades nas quais as coisas acontecem”.
Para Muniz, ao invés de se controlar o poder de polícia, a sociedade e os governos ampliam esse poder. “Ninguém quer colocar a mão nesse vespeiro, que passa pelo controle dos dispositivos de força”, provocou a pesquisadora.
Como caminho para enfrentar essa realidade e pensar uma política de segurança pública com foco na cidadania e na garantia do estado democrático de direito, Muniz propôs um diálogo entre o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), Sistema Único de Saúde (SUS), Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), das políticas de Cultura e de Educação com o objetivo de fortalecer uma política em âmbito federativo.
“Esses cinco sistemas federativos, cada um com uma maturidade diferente, mostram que é possível fazer política em âmbito federativo. Quando confrontarmos esses setores, iremos trazer para o debate ferramentas que poderão nos ajudar em pontos como participação, descentralização orçamentária, modos de controle e de consulta direta da população”, concluiu a pesquisadora.