Pela paz, professores da USP defendem devolução dos territórios palestinos
Um grupo de professores da Universidade de São Paulo escreveu em artigo na Folha de São Paulo: não é aceitável a existência de um povo apátrida, vivendo segregado e em condições de um apartheid
TER CORAGEM PARA EVITAR O PIOR
Somente a devolução dos territórios palestinos trará compromisso com a paz
24.out.2023
VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)
Enquanto assistimos horrorizados à intolerável perda de milhares de vidas e ao enorme sofrimento do povo palestino, vemos com grande preocupação o assédio e a tentativa de silenciamento das opiniões divergentes que fazem parte do debate público. Associar a defesa da causa palestina —o direito inalienável deste povo de viver em seu próprio território, respeitando todas as resoluções da ONU— ao antissemitismo e apoio ao terrorismo é operação sumamente desonesta e afronta aos direitos humanos.
Não é aceitável, sob nenhum argumento, a existência de um povo apátrida, vivendo segregado e em condições de um apartheid. Menos aceitável é a ausência de indignação internacional e de pressão institucional contra o governo israelense para que respeite a norma internacional, cumprindo as exigências da ONU sem subterfúgios.
Qualquer análise honesta de como chegamos a esse ponto de violência extremada deve começar lembrando que os palestinos que optaram por uma saída diplomática para o conflito com Israel foram traídos. A narrativa que não parta das razões do fracasso histórico dos acordos de Oslo e da total inação da comunidade internacional é falsa e enviesada. A falta de respeito a acordos internacionais de paz sempre produziu as piores consequências.
A tolerância da comunidade internacional com o desrespeito por Israel dos compromissos assumidos permitiu que ali se consolidasse um regime de apartheid contra os palestinos com o intuito de manter a dominação de um único grupo étnico e nacional. Não obstante 20% da população de Israel ser formada por palestinos, em 2018 foi aprovada a Lei Básica do Estado-Nação, afirmando que “o direito ao exercício da autodeterminação nacional no Estado de Israel é exclusivo ao povo judeu”. Consolidava-se, assim, um sistema de segregação e desigualdade institucionalizada por leis e políticas em toda a Palestina histórica.
Neste momento, é incontornável enfrentar corajosamente o problema que afeta o mundo inteiro: a paz no Oriente Médio depende do fim da ocupação ilegal dos territórios palestinos e do apartheid. A circulação de discursos sobre a “enorme complexidade” da situação é falaciosa e tem como objetivo ocultar a continuidade da limpeza étnica do povo palestino.
A única resposta à tal dissimulação da realidade é a exigência de que finalmente os direitos inalienáveis do povo palestino sejam respeitados por Israel com a devolução dos territórios da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental, da Faixa de Gaza e das colinas de Golã.
O sistema de segregação e discriminação contra o povo palestino, na sua própria terra, precisa dar lugar a um regime de respeito universal a todos que ali vivem. Somente o compromisso com a paz real, com soluções duradouras ancoradas no direito internacional e com o respeito à liberdade de expressão, pode produzir a consciência mundial capaz de eliminar as supremas injustiças a que os palestinos continuam submetidos.
Caso contrário, como disse José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura: “Um dia se fará a história do sofrimento do povo palestino e ela será um monumento à indignidade e covardia dos povos”.
Arlene Clemesha – Professora de história árabe (USP)
Marilena Chaui – Professora emérita de filosofia (FFLCH-USP)
Leda Paulani – Professora titular da Faculdade de Economia e Administração da USP
Carlos Augusto Calil – Professor da Escola de Comunicação e Artes da USP
Paulo Sérgio Pinheiro – Professor de ciência política (FFLCH-USP) e ex-ministro de Direitos Humanos (governo FHC)
Vladimir Safatle – Professor de filosofia (FFLCH-USP)
* Os autores escrevem em nome de um grupo maior de docentes da Universidade de São Paulo