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Lançamento do livro “Domenico Losurdo: crítico do nosso tempo”

31 de outubro de 2023

Livro sobre o marxista italiano Domenico Losurdo foi organizado por Diego Pautasso, João Quartim de Moraes e Marcos Aurélio da Silva

Referência internacional da luta anti-imperialista, o marxista italiano Domenico Losurdo criticou com rigor analítico as hipocrisias do pensamento liberal, as falácias do seu pretenso universalismo e os crimes da máquina de guerra da OTAN. Defensor consequente do legado da Revolução de 1917, propôs um balanço objetivo e historicamente rigoroso das experiências socialistas, mostrando seus limites, mas também a importância do seu legado.

Para lembrar de seu legado, Diego Pautasso, João Quartim de Moraes e Marcos Aurélio da Silva acabam de lançar o livro “Domenico Losurdo: crítico do nosso tempo”, pela editora Ideias e letras.

Leia abaixo a introdução do livro na íntegra.

Introdução

A presente coletânea apresenta um panorama abrangente dos grandes temas da obra de Domenico Losurdo. Antes de se tornar uma das maiores referências internacionais da luta anti-imperialista e do marxismo de nosso tempo, ele obtivera reconhecimento acadêmico por seus estudos de filosofia e de história político-cultural alemã (Kant e principalmente Hegel), publicados entre 1983 e 1989. Sem deixar de seguir com estas pesquisas, como nos mostra o alentado volume Nietzsche, il ribelle aristocratico. Biografia intellettuale e bilancio critico, publicado em 2002, nos anos seguintes, perante o desmantelamento do bloco soviético, Losurdo projetou-se no firmamento das ideias re-volucionárias assumindo a defesa da Revolução de Outubro de 1917.

Na contramão das longas colunas de desertores que se apressavam em aderir à “democracy” e à “globalization” “made in USA”, ele escreveu, a partir de 1991, uma série de artigos que desmistificaram a contra-revolução capitalista de Boris Iéltsin. No final de 1993, ele publicou o notável estudo histórico-crítico Da Revolução de Outubro à Nova ordem internacional, em que pôs em evidência o colossal retrocesso histórico acarretado pela extinção da URSS.A versão brasileira desse estudo foi publicada em 1997-1998 nos números 4-5-6 da revista Crítica Marxista e reproduzida no portal Vermelho em 7/11/2015; em 1999, a mesma revista publicou o artigo “Panamá, Iraque, Iugoslávia: os Estados Unidos e as guerras coloniais do século XXI”.

Em 2000, foi a vez da revista Princípios(n. 58) apresentar o estudo “A esquerda, a China e o imperialismo”. Os três escritos contribuíram decisivamente para tornar Losurdo conhecido e admirado entre os mais lúcidos lutadores de nossa esquerda, que compreenderam o alcance de sua visão original das grandes questões de nosso tempo. Já então ele iniciara suas visitas ao Brasil, que prosseguiriam até o final de sua vida. Os primeiros convites foram acadêmicos. Em agosto de 1995, notadamente, ele deu um curso de duas semanas no IFCH/Unicamp sobre os dilemas da democracia e desenvolveu, num seminário sobre os grandes temas da política internacional, uma contundente e bem fundamentada crítica à hipocrisia do libe-ral-imperialismo e às agressões bélicas da Otan visando destruir os bastiões de resistência ao “pensamento único” neoliberal. Nos anos seguintes, cresceu o reconhecimento da excepcional importância de sua militância intelectual.

Transcendendo os meios acadêmicos, sua influência estendeu-se pela esquerda brasileira, particularmente entre os anti-imperialistas e comunistas. Ampliaram-se as traduções de seus escritos e o número de editoras progressistas interessadas em publicá-las. Sempre que possível, ele para cá retornava, transformando o lançamento das edições brasileiras de seus livros em acontecimentos político-intelectuais de forte impacto. Ele sempre observou e acompanhou com muito interesse a situação brasileira; encarando-a com a responsabilidade de grande intelectual marxista, ele se abstinha de emitir teses sobre questões que considerava não conhecer suficientemente; não se furtava, porém, de tomar posição em momentos decisivos.

Em 2006, declarou ao portal Vermelho: “Creio que a vitória de Lula reforçará o movimento anti-imperialista que está se desenvolvendo na América Latina e no mundo. […] eu desejo de todo o coração a vitória de Lula […]”. Nos colóquios, debates, congressos e seminários de que participou, do norte ao sul de nosso país, Losurdo pôs em evidência com insuperável clareza a manipulação imperialista da ideologia liberal. Defendendo com lucidez e audácia teórica o legado da revolução de Outubro de 1917, primeira grande tentativa concreta de ultrapassagem da dominação do capital sobre a sociedade, ele mostrou quão decisivamente a União Soviética contribuiu para superar as “três grandes discriminações” que afetavam a condição humana: a sexual, a censitária e a racial. Com efeito, como ele insistiu pertinentemente, o alcance dos conceitos fundamentais do materialismo histórico, como o de luta de classes, não se restringe ao confronto entre operários e capitalistas. O mais antigo antagonismo de classes, como Engels já havia mostrado em seu célebre estudo sobre a origem da família, da propriedade privada e do Estado, foi a opressão das mulheres pelos homens nas sociedades patriarcais. O antagonismo mais amplo da era moderna é o que opõe um punhado de potências imperialistas aos povos da Ásia, África e América Latina submetidos ao jugo colonial.

O balanço crítico do século XX, tema central de seu pensamento militante, oferece uma avaliação bem documentada e aprofundada da evolução desse complexo de antagonismos. As guerras mundiais, o terror nazifascista e as armas nucleares desfizeram as ilusões otimistas acalentadas pelos círculos progressistas da inteligência europeia a respeito dos efeitos civilizatórios dos conheci-mentos técnicos e científicos. Não obstante, ao longo do século, registraram-se avanços substanciais do movimento das mulheres e vitórias decisivas das grandes lutas de libertação nacional dos povos agredidos e subjugados pelo colonialismo e pelo racismo. O enorme retrocesso trazido pela derrocada do bloco socialista do Leste Europeu não impediu os comunistas chineses, seguindo uma via original de construção do socialismo, de promoverem um colossal desenvolvimento das forças produtivas.

O século XXI se abriu com o sinistro espetáculo da série de guerras neocoloniais empreendidas pelo cartel bélico da Otan, que já havia destruído a Iugoslávia na última década do milênio anterior. Losurdo consagrou alguns de seus mais importantes escritos militantes à denúncia das covardes agressões bélicas contra povos e governos que recusavam o jugo colonial. No último de seus livros publicados em vida, ele discerniu no ocultamento da questão colonial a causa principal da deliquescência do “marxismo ocidental”. Encastelados nas metrópoles imperialistas e adjacências, os marxistas europeus foram perdendo de vista as implacáveis condições que pesavam sobre as lutas de libertação nacional e as imensas dificuldades que seus protagonistas tiveram de enfrentar para erradicar a pobreza extrema e promover com escassos recursos o desenvolvimento econômico e social. Contra este eurocentrismo desmobilizador, o grande pensador cuja morte, em 2018, abriu um vasto claro na inteligência comunista de nosso tempo, nos legou uma lição imprescindível: os longos e dolorosos combates dos revolucionários da Ásia, África e América Latina constituem uma etapa indispensável da luta pela construção histórica de uma humanidade libertada das discriminações que negam sua efetiva universalização.

O livro que o leitor tem em mãos reúne uma série de artigos de pesquisadores italianos e brasileiros que têm se dedicado ao estudo da vasta obra do filósofo italiano Domenico Losurdo.

O livro está dividido em dois grandes blocos. O primeiro aborda as raízes filosóficas do pensamento de Losurdo, enquanto o segundo se volta aos estudos mais diretamente ligados à história política dos séculos XVIII, XIX e XX, que interessaram grandemente ao filósofo italiano. Nos dois blocos estão presentes importantes reflexões acerca da atualidade dos estudos de Losurdo para a crítica política e filosófica do nosso tempo. Os artigos que compõem o primeiro bloco contam com os estudos de Emiliano Alessandroni, “Ordem lógica e ordem histórica na filosofia de Domenico Losurdo. Questão de método”; Emanuela Susca, “O conceito de homem enquanto tal e o difícil caminho do universal”; Gianni Fresu, “A dialética entre ‘velho e novo’. Gramsci e a marcha da universalidade nas notas de Domenico Losurdo”; e Marcos Aurélio da Silva, “Losurdo e a crítica da imagem de Hegel (e da Alemanha): repensando as relações entre filosofia hegeliana e geografia política”. Eles se voltam para a discussão das bases filosóficas do pensamento de Losurdo e do marxismo por ele sustentado, cuja principal característica consiste em estar fortemente escoltado pela filosofia clássica alemã e especialmente pelo pensamento de Hegel, o pai da dialética moderna. Também no âmbito das raízes filosóficas do autor se coloca o artigo de Giorgio Grimaldi, “Heidegger e a modernidade: uma leitura a partir do pensamento de Domenico Losurdo”, voltado ao debate crítico que o hegelo-marxismo de Losurdo estabeleceu com um dos expoentes da filosofia do século XX e crítico ferrenho do pensamento socialista, Martin Heidegger.

Entre os artigos do segundo bloco estão os de João Quartim de Moraes, “Liberalismo, escravidão, abolição. Contradições do ‘humano’ e do ‘desumano’”, que discute a prática contraditória das sociedades liberais na passagem para o mundo moderno, e o de Rita Matos Coitinho, intitulado “Imperialismo e opressão racial na metrópole. Ensaio de interpretação sociológica”, também voltado ao tema das contradições do mundo liberal, enredado na sustentação da opressão racial interna às suas próprias formações sociais e no âmbito das relações imperialistas. Diego Pautasso e Tiago Soares Nogara, com o artigo “O socialismo real na obra de Losurdo: da autofobia à autocrítica”, e Ruggero Giacomini, “Losurdo e o debate sobre Stalin”, voltam-se para a leitura inovadora de Losurdo, nem apologética e nem liquidacionista, acerca das sociedades socialistas realmente existentes. Esta temática continua a ser discutida no artigo de Marcelo Fernandes, “Desenvolvimento das forças produtivas e populismo: a crítica de Domenico Losurdo”, dedicado ao debate acerca da dimensão econômica do progresso histórico nos fundadores do marxismo e nas experiências soviética e chinesa, destacando nestas últimas a experiência da NEP leniniana, notadamente enfatizada nos estudos de Losurdo. A atualidade do caso chinês conduz a pensar, por sua vez, no alcance do marxismo enquanto uma teoria transformadora da realidade em nossos dias. Este é o tema desenvolvido por Stefano G. Azzarà no artigo “Sobre o marxismo do século XXI: recordando Domenico Losurdo”, que explora a crítica de Losurdo às debilidades do chamado marxismo ocidental. Por fim, a obra presenteia o leitor com um artigo do próprio Losurdo de grande atualidade, intitulado “A Geopolítica da internet”. Sem que se possa definir o filósofo italiano como um “geopolítico”, categoria redutora diante da abrangência dos seus estudos filosóficos, o artigo mostra o grande interesse de Losurdo pelas questões internacionais do nosso tempo, pondo em evidência o uso político − e sobretudo da política imperialista – ao qual estão sujeitas as tecnologias digitais em emergência. Estamos diante de apenas uma das facetas do pensador italiano: tão rigoroso teoricamente quanto versátil em seus assuntos abordados.

Enfim, trata-se de um livro que prestigia um crítico do nosso tempo, um homem de ideias e de luta, crucial para enfrentarmos os desafios de uma quadra história prenhe de contradições. Por fim, mas não menos importante, esta obra contou com apoio financeiro decisivo para sua viabilização. Agradecemos, pois, a duas entidades que apostaram nesse projeto: a Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), por intermédio do advogado Oscar José Plentz Neto; e a Fundação Maurício Grabois (FMG), por Adalberto Monteiro.