A terceira morte do PTB
Nesta quinta-feira (09/11), o TSE aprovou a criação do PRD como resultado da fusão do PTB com o Patriota. Na foto, o histórico momento em que Leonel Brizola rasgou o papel com as três letras que formavam a sigla PTB em 1980.
Por Theófilo Rodrigues
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou nesta quinta-feira (09/11) a criação do Partido Renovação Democrática (PRD), resultado da fusão entre o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Patriota. Com a decisão, o histórico PTB deixou de existir. Trata-se da terceira morte do PTB.
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O PTB nasceu em 1945 sob a liderança do então presidente Getúlio Vargas. Com a redemocratização do país naquele ano, abriram-se as portas para o pluripartidarismo. Com um forte vínculo com o movimento sindical, e traços socialdemocratas, o PTB surgiu como um partido de centro-esquerda articulador do projeto representado por Vargas.
O PTB foi o grande partido daquele sistema político que vigorou entre 1945 e 1964. O partido elegeu Vargas como presidente da República em 1950 e João Goulart como vice-presidente em 1955 e 1960. Com a renúncia de Jânio Quadros em 1961, Jango trouxe o PTB de volta para a presidência do país.
Mas, como sabemos, o golpe militar de 1964 atingiu o coração do PTB ao derrubar Jango da presidência. Assim, em 1965, com o Ato Institucional n. 2, a sua morte foi atestada pela primeira vez. A ditadura militar legalizou apenas dois partidos para o regime que se iniciava: a ARENA para os apoiadores do governo e o MDB para a oposição. Como consequência, a maior parte dos filiados do PTB migrou para o MDB.
Com a redemocratização no início da década de 1980 e a volta do pluripartidarismo, o PTB teve uma nova chance. Mas não foi exatamente a chance que os herdeiros do trabalhismo queriam. Para evitar que o legado do trabalhismo e do getulismo fosse reunificado em torno de um único partido sob a liderança de Leonel Brizola, o governo militar conseguiu, por meio do Tribunal Superior Eleitoral, que a legenda do PTB permanecesse com o grupo moderado liderado por Ivete Vargas. Muitos ex-arenistas transferiram-se para o PTB. Resignado, coube a Brizola fundar um novo partido, o PDT.
A poesia de Carlos Drummond de Andrade talvez tenha sido a que melhor traduziu aquele momento:
“Vi um homem chorar porque lhe negaram o direito de usar três letras do alfabeto para fins políticos. Vi uma mulher beber champanha porque lhe deram esse direito negado ao outro. Vi um homem rasgar o papel em que estavam escritas as três letras, que ele tanto amava. Como já vi amantes rasgarem retratos de suas amadas, na impossibilidade de rasgarem as próprias amadas”.
Essa foi a segunda morte do PTB.
O PTB que emerge daí é bem diferente do velho partido de Vargas. Na direita do espectro político, sob a liderança de Roberto Jefferson, o partido caminhou ao longo da Nova República cada vez mais para a direção do conservadorismo. O ápice dessa caminhada para a extrema-direita foi a sua participação no governo de Jair Bolsonaro. Estudos mostram que o PTB foi o partido mais governista na legislatura 2019-2022. A bancada seguiu a orientação do líder do governo Bolsonaro em 96% das votações.
Ao fim desse processo, em 2022, o seu líder Roberto Jefferson foi preso e o partido não elegeu nenhum deputado federal na eleição daquele ano. A solução dos poucos que restaram na legenda foi buscar uma alternativa burocrática, a fusão com uma outra pequena legenda de direita. Assim, a união entre PTB e Patriota registrou o surgimento do Partido Renovação Democrática (PRD). Mas também marcou a terceira morte do PTB.
Theófilo Rodrigues é cientista político, autor do livro “Partidos, classes e sociedade civil no Brasil contemporâneo”.