Por Osvaldo Bertolino

Em 23 de novembro de 1935, em Natal, Rio Grande do Norte, teve início um dos mais importantes acontecimentos da luta popular da história do Brasil

Capítulo 1 do livro Rio Vermelho – raízes potiguares do Brasil democrático e progressista desde o Levante de 1935

Um partido nascido para lutar. Guerrilha de Mossoró projeta lideranças comunistas e impulsiona o Partido Comunista do Brasil

Ninguém fazia a menor ideia de quem era aquele casal andando pelas ruas de Mossoró, Oeste do Rio Grande do Norte. Ele um cego e ela sua guia, uma mulher de barriga volumosa, aparentemente perto de dar à luz. Os disfarces escondiam o professor Raimundo Reginaldo da Rocha e sua filha, Amélia, de dezoito anos de idade, com a roupa com enchimento de pano, fingindo-se grávida. Fugiam das perseguições desencadeadas em Natal, onde participaram do Levante, de armas nas mãos.

As ideias marxista-leninistas foram lançadas em Mossoró por Raimundo, que iniciou a organização do Partido Comunista do Brasil — então com a sigla PCB — na região em 1928. Incentivou os irmãos a entrarem para o Partido, formando o grupo que ficou conhecido como irmãos Reginaldo. Ingressaram no Partido, além de Raimundo, Lauro Reginaldo – que ficaria conhecido como Bangu –, Jonas Reginaldo, Antônio Reginaldo e Glicério Reginaldo.

Raimundo fora professor da Escola Paulo Albuquerque e um dos fundadores da Liga Operária de Mossoró, em 10 de abril de 1921. Em 1926, um texto assinado por José Alves – possivelmente pseudônimo – n’A Classe Operária, informava que o movimento social no Rio Grande do Norte “sempre foi dos melhores que encontramos no norte do país”. “As associações operárias existentes na capital e no interior tem como preocupação primordial dar a necessária educação intelectual aos seus associados e aos filhos destes, cujo benefício abrange também as crianças pobres que procuram frequentar as suas escolas”.

Não menciona a Liga Operária de Mossoró, mas fala da Liga Artística Operária, que seria a decana das associações existentes e sempre formou na vanguarda associativa, comparecendo a todos os certames nacionais. Num Congresso sindical, realizado no Rio de Janeiro entre 7 e 15 de novembro de 1912, foi a Liga Artística Operária norte-rio-grandense, entre as setenta e cinco aderentes, a que melhor tese apresentou reivindicando direitos para os trabalhadores.

Meninos traquinas

Os irmãos Reginaldo tomaram contato com o marxismo-leninismo por intermédio da professora Celina Guimarães Viana – a primeira mulher a votar no Brasil e na América Latina, nas eleições de 1928 –, que tinha chegado de Natal com o marido Eliseu para lecionar no Grupo Escolar 30 de Setembro.

No livro Eliseu Viana – o educador, o jornalista e escritor Walter Wanderley relata o que seria a versão de Celina. Estudara Marx e Lênin e decidira se desfazer da sua coleção de livros. A professora teria chegado à conclusão de que as ideias socialistas não dariam certo no Brasil. Juntou num pacote obras como O Capital, A ideologia alemã, A luta de classes na França, A sagrada família, Manifesto Comunista, O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, A teoria do Estado, Função dos sovietes, Carta aos camaradas e entregou ao menino Lauro Reginaldo.

Quando o casal de professores chegou em Mossoró, foi morar perto da casa de dona Luiza Reginaldo, mãe de “meninos briguentos, atrevidos, rebeldes”. Celina foi chamada para ajudar dona Luiza numa situação de doença que exigia cuidados especiais. Providenciou-lhe remédios e boa alimentação, e em uma semana a saúde estava restabelecida. Assim nasceu uma amizade que permitiu a dona Luiza contar a história dos filhos, expulsos do Grupo Escolar.

Não havia motivo para aquela atitude drástica contra meninos apenas traquinas, como toda criança. Seus nove filhos – oito meninos e uma menina –, todos inteligentes e com vocação para as artes, disse dona Luiza, gostavam de ler, mas estavam proibidos de estudar. Esperava que os professores vindos de Natal compreendessem a situação e reconsiderassem a expulsão.

Celina se disse revoltada e compadecida. Prometeu conversar com o marido. Ficasse tranquila. Todos voltariam ao Grupo. Reeducar era também encargo deles, professores. Os meninos tomariam jeito. Assim foi feito, no relato de Walter Wanderley. Raimundo, o mais velho, Jonas, Rochinha, Glicério, Antônio, João da Mata, Luis, Lauro e Maria de fato demonstraram muita inteligência.

Bangu conta, em sua autobiografia Memória de um militante, organizada por Brasília Carlos Ferreira, que os irmãos Reginaldo criaram a primeira célula da Juventude Comunista “em fins de 1924 ou começo de 1925”. Em Mossoró surgiu também, no final dos anos 1920, o primeiro Comitê Regional do PCB do Rio Grande do Norte, por iniciativa de Antônio Reginaldo.

Na mesma época, Celina e o marido optaram por voltar para a capital, numa decisão combinada com o governador (presidente, à época) do Rio Grande Norte, Juvenal Lamartine. E, em 25 de junho de 1928, a transferência foi oficializada. Ambos deixaram a Escola Normal Primária de Mossoró para ingressar na Escola Normal de Natal. Deixaram também, mesmo que involuntariamente, as ideias marxista-leninistas assumidas pelos irmãos Reginaldo.

União Feminina

A influência de Raimundo Reginaldo logo chegaria a Natal, com a formação de um grupo de quatro sapateiros – José Praxedes, Aristides Galvão, José Pereira e Pedro Marinho – que se propunha a conhecer a Revolução Russa de 1917 e a estudar o maximalismo (termo usado na imprensa operária brasileira a partir do início da Revolução), na verdade o marxismo.

Foi a primeira célula comunista organizada em Natal, segundo Praxedes. Em abril de 1935, realizou-se a I Conferência Estadual do PCB. Marco fundante da história do Partido no Rio Grande do Norte, elegeu a primeira direção estadual, formada por José Praxedes (sapateiro), Lauro Lago (diretor da Casa de Detenção), Francisco Moreira (sindicalista), Raimundo Reginaldo (sindicalista), Aristides Galvão (sapateiro) e Lauro Reginaldo “Bangu” (sindicalista).

A direção eleita deu impulso à organização do PCB no estado. Sob severa clandestinidade, as reuniões ocorriam em residências dos militantes, sempre à noite, com mais frequência na casa do jovem João Galvão Filho, também natural de Mossoró, que seria um dos principais líderes do Levante em Natal.

Às vezes as reuniões aconteciam na padaria Palmeiras, propriedade do militante comunista João Fagundes, sempre tarde da noite, no sótão. Ou nas ruas, à noite, sob a iluminação pública, com no máximo três pessoas; um sistema que ficou conhecido como “grupos dos postes”. E assim as decisões chegavam às células de base.

Outro ponto de apoio era a União Feminina Brasileira (UFB), à época organizada clandestinamente em várias cidades do país, que chegou a Natal também sob orientação do professor Raimundo, incumbência que teria recebido de representantes da Aliança Nacional Libertadora (ANL) que foram ao Rio Grande do Norte tomar pulso da situação e incentivar a organização aliancista. Núcleos da UFB se espalharam pela cidade, organizados por homens e mulheres comunistas. Na residência de Raimundo, ocorreram as primeiras reuniões, quando foram debatidas as ideias da ANL.

O PCB, que expandia sua organização no Nordeste, recebeu em Natal dirigentes nacionais, entre eles um conhecido por Maranhão, enviado pelo Comitê Central, e Vicente dos Santos, responsável pela ligação entre os comitês regionais do Nordeste e a direção nacional.

Os dirigentes da ANL, João Cabanas – que teria sido preso em uma praia de Natal ao tentar organizar uma reunião e deportado para o Rio de Janeiro –, e Roberto Sisson também estiveram na capital e em Mossoró, em abril de 1935, quando a organização foi oficialmente criada no estado. Sisson voltou a Natal em junho, então acompanhado do jornalista Horácio Valladares, ligado ao Comitê Central do PCB, encarregado de ficar na cidade como assessor do Comitê Regional.

Na formação da União Feminina Brasileira local, Raimundo Reginaldo, conhecido por Tomé – seu nome clandestino –, foi auxiliado pela esposa, Luiza Gomes, e a filha, Amélia Gomes, com o nome clandestino de Clotilde. A organização teria papel de destaque no Levante. Mas outra luta já se desenvolvia de forma dramática na região de Mossoró.  

Revolvimento político

O que parecia ser um episódio isolado fez dezesseis homens percorrerem a Várzea do Assu, região de terras férteis e injustiças sociais, a pouco mais de duzentos quilômetros a Oeste de Natal, conclamando a população à luta armada. Um latifundiário expulsou o camponês conhecido por José Fumeiro, homem idoso, de suas terras, reempossado por duzentos trabalhadores que se organizaram para reparar a injustiça. A base foi o movimento dos carnaubeiros, reunidos num sindicato camponês com mais de seiscentos associados.  

Logo apareceu a polícia e desencadeou a repressão. Os camponeses, reunidos na casa de Cândido Benedito, membro do sindicato dos trabalhadores rurais, foram surpreendidos pelo assalto policial. O líder do grupo, Manoel Torquato, acabou preso. Conseguiu fugir, reorganizou os camponeses e iniciou a luta armada.

Assim nasceu um movimento guerrilheiro na região, que lutaria por quase um ano, evolução dos confrontos iniciados com a organização dos trabalhadores para combater a opressão no campo e nas salinas de Mossoró – a principal cidade da região, distante de Assu quase setenta quilômetros – e da vizinha Areia Branca. As conquistas salariais, resultado da forte organização sindical, levaram ânimo à luta dos camponeses. A reação do patronato e dos latifundiários causou choques violentos e consequente reforço da organização dos trabalhadores.

Quando o grupo liderado por Manoel Torquato iniciou a guerrilha, a região já havia passado por dois pontos altos de luta – a “passeata da fome”, que percorreu Mossoró e saqueou o Mercado Municipal, e uma greve geral que paralisou a cidade, puxada pelo sindicato dos operários das salinas de Mossoró, conhecido como “sindicato do garrancho”, assim chamado por ter nascido em reuniões no emaranhado da mata intensa, distante dos olhos da polícia. Grupos de autodefesa foram organizados, uma proteção aos que sofriam perseguição. Muitos passaram à clandestinidade. 

Em meados de 1935, uma reunião, realizada na casa do sindicalista e militante comunista Francisco Guilherme, debateu a situação de mais de trinta lideranças sindicais ameaçadas pelas forças policiais do governo do estado, que se intensificou após o episódio do posseiro José Fumeiro. As constantes refregas deram experiência aos trabalhadores na tática de autodefesa. Organizaram os mais fortes e experientes para impedir agressões policiais, que às vezes resultavam em confrontos armados.

O estado estava envolto em uma contenda que vinha do revolvimento político da Revolução de 1930. Mário Câmara, indicado interventor em agosto de 1933 pelo presidente Getúlio Vargas, tentou apaziguar os ânimos ao dar guarida a setores das oligarquias locais que haviam perdido poder com a mudança de regime, mas não obteve sucesso.

João Café Filho, importante personagem da política local malvisto pelas oligarquias, foi logo afastado da chefia de polícia “para que se criasse em torno do novo interventor uma atmosfera de grande simpatia e confiança”, segundo mensagem escrita por Mário Câmara a Getúlio Vargas.

Os oligarcas recuperaram força nas eleições de 1934, para deputado estadual e federal, além de governador, em um processo regido pela violência. Fraudes motivaram a intervenção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aumentando o clima de tensão.

Os comunistas organizaram o Partido da União Operária Camponesa do Brasil e participaram das eleições, numa ação ousada para marcar presença e driblar o anticomunismo e a ilegalidade do PCB. Compuseram a chapa cinco nomes para a Câmara Federal – entre eles, Luiza Gomes, esposa de Raimundo Reginaldo, e Lauro Reginaldo, o Bangu – e vinte e quatro para a Constituinte estadual.

O PCB vinha de uma trajetória de relativo sucesso com a política de se inserir no cenário político local, projetado por sua influência entre os trabalhadores. No governo do interventor Herculino Cascardo – ex-oficial da Marinha e ex-membro da Coluna Prestes, que seria o presidente da ANL –, iniciado em julho de 1931, os comunistas atuaram com certa liberdade. O sucessor, Mário Câmara, manteve a boa relação com o PCB, de olho nos votos dos trabalhadores para as eleições de 1934.

Havia rumores de que o capitão Otacílio Lima, membro da ANL, estaria preparando uma conspiração; acusação que partira de Mário Câmara. Silo Meirelles, também capitão e dirigente aliancista, esteve em Natal no mês de agosto de 1935 para tratar do assunto. Informou o Partido sobre os rumores, o que motivou a divulgação de um Manifesto contrário à precipitação do Levante e a designação de um representante, o dirigente João Lopes – conhecido como Santa –, para manter contatos com lideranças militares.

Santa explicou a posição do PCB ao sargento Quintino Clementino de Barros – músico do Exército – e ao cabo Giocondo Dias, principais lideranças do 21º Batalhão de Caçadores, que passaram a organizar o Partido e a ANL entre os militares. Havia sido enviado pelo Comitê Central, no início de l935, com orientações sobre a nova fase dos comunistas. Voltou para o Rio de Janeiro e retornou a Natal para auxiliar Horácio Valladares, outro enviado pela direção do Partido em junho.

Depois que a Assembleia Constituinte local elegeu Rafael Fernandes governador – uma derrota para o governo Vargas –, em outubro de 1935, os comunistas intensificaram o trabalho entre os militares. Ligado às oligarquias, assim que tomou posse o novo governador fez uma limpa, demitindo funcionários e, na antevéspera do Levante, extinguiu a Guarda Civil – criada por Café Filho quando fora chefe de polícia na interventoria de Bertino Dutra –, acusada de abrigar cangaceiros e arruaceiros a serviço do interventor Mário Câmara.

Valendo-se da Lei de Segurança Nacional, logo batizada de “Lei Monstro”, promulgada por Vargas em abril de 1935, o governo Rafael Fernandes intensificou a repressão, atingindo fortemente a região de Mossoró e do Vale do Assu.

Manifesto aos camponeses

Em agosto, a guerrilha declarou-se em ação e só terminaria depois de 16 de julho de 1936, quando seu comandante militar, Manoel Torquato, foi assassinado à traição por um de seus homens de confiança, chamado Feliciano Cardoso, que pretendia, com o crime, escapar das represálias dos inimigos da guerrilha. O golpe não deu certo e Feliciano Cardoso acabou preso. 

Dezessete dias antes, a guerrilha distribuiu à população local a seguinte carta:

Acampamento das Forças Libertadoras

29/06/36

Ilmo. Sr.

Mossoró

Como é sabido, nós nos achamos em armas, dando início à Revolução Nacional Libertadora, que, como v.s. não ignora, é uma fatalidade histórica e tem por fim libertar o Brasil da influência nefasta do imperialismo estrangeiro, que tão miseravelmente nos explora e oprime, dentro da nossa casa; acabar com o latifúndio, que é a grande propriedade territorial; proteger e desenvolver a pequena propriedade e o pequeno comércio; assegurar a independência e o bem-estar dos brasileiros.

O Brasil é um país escravizado ao estrangeiro, pelas dívidas imperialistas, que montam neste momento a 28 milhões de contos de réis, o que consome, só de juros, mais de um milhão de contos de réis anualmente, e onera cada brasileiro com uma dívida de 700$000! Mais de três milhões de contos de réis, são exportados anualmente do Brasil para o estrangeiro, como pagamento dos juros e amortização dos empréstimos – já três vezes pagos – e gordos dividendos das empresas imperialistas no país! E só a Revolução poderá fazê-lo!

Sabemos que o senhor, como bom brasileiro, não é nosso inimigo, nem tão pouco da Revolução. Pelo que lhe dirigimos a presente, para pedir-lhe, em nome da Revolução, um auxílio. Sabemos que o sr. não é um grande rico, mas a importância pedida não vai além das suas possibilidades. Apesar das calúnias dos nossos inimigos, nós até hoje não praticamos o saque e pedimos aos que simpatizam com a Revolução que há de libertar o Brasil de todas as mazelas que nos afligem. O sigilo da presente e a segurança pessoal do portador são da máxima conveniência para v.s.

Sem mais, saudações revolucionárias.

Pela Comissão Executiva das Forças Libertadoras, Miguel Moreira, Marcelino Pereira, Manoel Torquato.

Nem o reforço policial enviado pelo governador Rafael Fernandes conseguiu derrotar a guerrilha, que só seria vencida por forças numericamente muito superiores, após o assassinato de Manoel Torquato. Com ele estava, no comando dos insurretos, Miguel Moreira, considerado o líder político do grupo, que sobreviveu a um brutal cerco policial, em 21 de julho de 1936, na localidade chamada Cigano e se tornou importante dirigente do PCB.

Acabou preso, mas antes divulgou um manifesto aos camponeses, com a esperança de que a guerrilha seria retomada. “Os guerrilheiros são os grupos do exército revolucionário em formação”, proclamou. Sua prisão no município de Angicos pelo destacamento policial comandado pelo capitão Joaquim Moura foi comemorada pelo jornal Diário de Notícias, na edição de 31 de julho de 1936, numa página específica para atos criminais e policiais, cuja chamada dizia: Extinto o último grupo de extremistas no Rio Grande Norte. Foram presos os chefes Miguel Moreira e Marcelino Pereira.

A matéria, em tom editorial e carregada de epítetos para caracterizar a ação policial como um grande feito contra a “ação destruidora dos elementos extremistas aliados a conhecidos bandoleiros, que o faccionismo partidário atraíra de outros estados”, lembrou os “apelos” do jornal para que providências fossem tomadas, “acentuando os futuros e gravíssimos perigos para a população do sertão nordestino”. “Nossos apelos, infelizmente, porém, não foram ouvidos”, lamentou o jornal.

Miguel Moreira, “um indivíduo inteligente, professor e rábula (pessoa que advogava sem formação em Direito, autorizada pela Justiça a exercer a função) do interior”, orientava “a ação do extremismo cangaceiro”. “A prisão dos dois perigosos agitadores representa um decisivo golpe contra o extremismo no Rio Grande do Norte, e é um fato que muito exalta a capacidade das autoridades policiais norte riograndense”, asseverou o Diário de Notícias.    

O prefeito de Mossoró, Padre Luiz Ferreira da Motta – conhecido como Padre Motta –, nomeado por Rafael Fernandes, enviou ao interventor os seguintes telegramas:

Polícia prendeu em Angicos os chefes extremistas Miguel Moreira e Marcelino Pereira, os quais foram recambiados para Mossoró.

Abraços, monsenhor Motta

Tenho prazer comunicar vossência que bandidos Miguel Moreira e Marcelino Pereira, abandonaram, ontem, as armas no sítio Umbuzeiro, no município de Assu, seguindo em direção àquela cidade. Armas recebidas estão aqui em exposição pública, com respectiva munição.

Devemos a ação eficiente do destemido e bravo capitão Moura, seus colegas e demais soldados, o desbarato completo do banditismo que infestava nosso município.

Agradecemos ao governo a solicitude que empregou na defesa do regime, tranquilizando nossa zona.

Cordiais saudações, Padre Luiz Motta, prefeito.       

Em quase um ano de combates, a guerrilha venceu batalhas heroicas, como o ataque de tropas da 7ª Região Militar, sediadas em Recife. Adaptados às condições locais, os guerrilheiros atacavam com audácia, pegando o inimigo de surpresa. Foi assim que combateram em várias localidades. Numa delas, chamada Canto Comprido, entrincheirados em um açude, fizeram debandar mais de duzentos capangas de um latifundiário chamado Arthur Felipe, morto no tiroteio.

Miguel Moreira liderou outra ação de bravura ao organizar um comando guerrilheiro que libertou mulheres de revolucionários que estavam em poder de uma escolta policial e seriam torturadas. A Associação das mulheres trabalhadoras de Mossoró e a Associação de empregadas domésticas, organizadas pelo PCB, eram apoio fundamental à guerrilha.

As mulheres revelavam aos guerrilheiros conversas dos patrões e até a existência de armas escondidas. Destacavam-se entre elas Francisca Clara de Souza e Anita, respectivas esposas de Francisco Guilherme e Joel Paulista, lideranças sindicais dos trabalhadores das salinas de Mossoró. A cidade tinha a tradição de mulheres combatentes, marca que viera da revolta de 4 de setembro de 1875, quando saíram às ruas e fizeram uma guerra contra a obrigatoriedade do alistamento militar feminino.

Líderes militares

Enquanto a guerrilha avançava no oeste do estado, a guerra estourou em Natal. Foi uma iniciativa própria dos revoltosos, sem aval da ANL – pouco organizada no Rio Grande do Norte, dirigida pelo militante comunista Adamastor Pinto –, antecipando em quatro dias a data prevista para o Levante. Aproveitaram as condições propícias de 23 de novembro de 1935, um sábado, quando sargentos, cabos e soldados se viram em condições favoráveis para a revolta no 21º Batalhão de Caçadores.

A direção local do PCB estava reunida, à tarde, com o enviado do Comitê Central João Lopes, o Santa, quando Giocondo Dias e Quintino Clementino de Barros chegaram com informações de que a tropa preparava uma rebelião. A direção, inicialmente hesitante, após intenso debate, decidiu apoiar a revolta.

A versão é de Giocondo Dias. Santa diz que estavam com Quintino dois jovens sargentos, dizendo que levantariam o movimento às quatro horas da tarde. “Eu combati muito esta atitude deles, dizendo que esperassem mais dois dias, ao menos. Eles não aceitaram a minha proposta e me informaram que (hoje) na parada da manhã tinham sido desincorporados vinte e oito militares, inclusive sargentos, cabos e soldados, todos da confiança dele”, relatou em uma carta ao Comitê Central.

Aceitaram postergar o início da revolta por duas horas, enquanto a direção do Partido decidiu enviar um emissário a Recife, sede do Secretariado do Nordeste, de avião. E seguiram tentando demover os líderes militares da ideia da revolta precipitada. Não houve acordo e acertaram o início do Levante para as oito horas da noite. Mobilizaram mais de cento e cinquenta homens e mulheres, orientados por ele, Santa, e Quintino deflagrou a rebelião às sete horas e quarenta e cinto minutos.      

Giocondo informa que quando retornaram ao Batalhão, ele e Raimundo Tarol – codinome do sargento Raimundo Francisco de Lima, também músico, que recebera a denominação de Tarol em alusão ao nome do instrumento que tocava, uma espécie de tambor – dominaram os oficiais governistas e prenderam-nos, chamando os soldados a ingressar no Levante. Além dos soldados, participaram ex-membros da extinta Guarda Civil, demitidos pelo governo Rafael Fernandes, e civis.

José Praxedes, então o principal dirigente do PCB no estado, havia retornado a Natal fazia dez meses. Passara os últimos dois anos no Rio de Janeiro, para onde fora deportado após ser preso em Natal. Na chegada à então capital federal, com ajuda de marinheiros comunistas, conseguiu ludibriar a polícia e fugiu. Depois seria enviado pelo Partido a São Paulo para participar de um curso com duração de seis meses. Terminado o curso, recebeu orientação de retornar ao Rio de Janeiro para reunir-se com Lauro Reginaldo, o Bangu, e Antônio Maciel Bonfim, o “Miranda”, dirigentes do PCB. Soube que o Levante estava em preparação no Rio Grande do Norte. Fosse correndo pegar o navio para Natal. Partiu em 6 de janeiro de 1935 e desembarcou oito dias depois.

Interesses do povo

A forma como o Levante foi deflagrado permitiu a resistência mais prolongada em relação aos demais pontos da insurreição. Os ânimos estavam tão calmos em Natal naquele dia que o governador Rafael Fernandes participava de um evento no Teatro Carlos Gomes quanto tomou conhecimento da rebelião e refugiou-se na residência do cônsul italiano, Guilherme Letiére, próxima de onde estava.

O novo governo foi anunciado no primeiro decreto do Comitê Revolucionário, “aclamado demoradamente em praça pública” às dez horas de 25 de novembro. Determinou a demissão do governador, por não ser encontrado em parte alguma, e destituiu a Assembleia Constituinte “por não consultar mais aos interesses do povo”.

O passo seguinte seria a formação da junta governativa, segundo Praxedes presidida por Santa. Com ele, compuseram o governo revolucionário Lauro Cortez Lago, ex-diretor da Casa de Detenção, secretário de Interior e Justiça; José Macedo, funcionário dos Correios e Telégrafos, secretário de Finanças; Quintino Clementino de Barros, secretário de Defesa; José Praxedes de Andrade, secretário de Abastecimento; e João Baptista Galvão, poeta, advogado, secretário do Colégio Estadual do Atheneu, secretário de Viação.

A proclamação oficial do novo governo foi lida por Praxedes na Praça do Mercado, em frente ao 21º Batalhão de Caçadores.

Ao povo

O Rio Grande do Norte, desafrontado dos dias amargos em que viveu tiranizado por um governante forjado na prostituição dos princípios republicanos de outrora, hasteia-se soberbo, como flâmula redentora no setentrião brasileiro, abrindo caminho largo no solo abençoado da Pátria à entrada triunfal do Cavaleiro da Esperança – Luiz Carlos Prestes.

Ao seu lado, erguem-se, até agora, como mais duas esplêndidas victórias já conquistadas com sangue, como dois gigantes invencíveis – Pernambuco e Parayba. Pão, Terra e Liberdade é o nosso lema. É a victória do socialismo sobre a decantada Liberal-Democracia dos políticos profissionais; é a victória da Aliança Nacional Libertadora; é a victória de Carlos Prestes; é a victória do direito do mais fraco, que nunca terá direito! Direito ao que é seu, usurpado pelo mais forte; direito ao Pão com suficiência; direito às terras; direito à liberdade.

E com este postulado, com estas trez palavras escritas com fogo na grandeza do nosso idealismo – Pão, Terra e Liberdade, com essa bravura comprovada no antemanhã esplendente de hoje, marcharemos confiantes para o abraço fraternal dos irmãos do Sul. Nas nossas pegadas, seguindo o nosso passo e o nosso exemplo, virão a legendária Amazônia, o valente Grão-Pará, o Maranhão da inteligência, o Piauhy heroico, o Ceará escaldante de sol e de idealismo.

Soldados, cabos e sargentos do 21º BC, que fostes valentes com as vossas próprias armas no início edificante da derrubada de um regime que apodreceu de todo, o Rio Grande do Norte tudo espera de vossa bravura.

Mulheres operárias, trabalhadores, gente simples e boa que experimentastes, hontem e hoje, a vossa resistência na barricada, continua como indômitas sentinelas na defesa santa das reivindicações nacionais.

Povo! Conquistastes com sangue um direito; Rio Grande do Norte, sois o marco iniciante, a fé, o orgulho de uma geração redimida.

A Aliança Nacional Libertadora assegura garantias plenas a todos os cidadãos, sem distinção de credo político ou religioso, recebendo de braços abertos a todo aquele que deseje de boa fé cooperar na grande obra reconstrutiva que se alicerça.

Natal, 24 de novembro de 1935

Por meio de boletins, a população tomava conhecimento da existência do novo governo. “Acham-se no interior do estado forças do 21º Batalhão de Caçadores, mantendo a ordem. Viva o general Luiz Carlos Prestes, chefe da nação”, dizia um deles. Um Comunicado do Comitê Revolucionário alertou que “alguns elementos terroristas, a serviço dos inimigos do povo, andam espalhando pela cidade boatos alarmantes no intento de atemorizarem as famílias, e nos incompatibilizar com o povo”.

Diante do fato, prosseguiu o Comunicado, algumas medidas estavam sendo tomadas, como punição “com o máximo rigor” a todos que fossem pegos espalhando boatos. Atos “atentatórios à moral e ao decoro público” também seriam severamente punidos. “Será preso todo e qualquer indivíduo que transite pelas ruas em visível estado de embriaguez”, alertou.

Os comerciantes foram igualmente advertidos para que normalizassem suas atividades, “a fim de que o povo não sofra mais tempo a falta de gêneros de primeira necessidade”. Sob o título Aos senhores comerciantes e assinado por José Praxedes, o panfleto dizia que o Comitê esperava ser atendido “neste apelo, mesmo porque, de outro modo, nós nos sentiríamos impotentes para conter o povo nos assaltos que porventura tenha necessidade de fazer ao comércio para munir-se do necessário à sua vida”.

O “apelo” vinha acompanhado de garantias de livre funcionamento de todo o comércio, caso fosse atendido, e de diminuição de impostos “de comum acordo com os senhores comerciantes, que oportunamente convidaremos para nos dar sugestões sobre o assunto”.

Em 26 de novembro, outro Boletim informativo, intitulado A marcha da revolução libertadora, dizia que cumpria “o grato dever de, com alegria verdadeiramente revolucionária, comunicar ao povo deste estado a marcha ascensiva da revolução”. Podiam fazer aquele comunicado porque estavam de posse do telégrafo e dos rádios, controlando todas as informações que chegavam. “Nós sabíamos que o Brasil era um imenso ‘barril de pólvora’ e que bastaria uma centelha para que ele explodisse; nós fomos essa centelha”, prosseguia.

Sem vaidade e sem orgulho, que os rio-grandenses do Norte não tinham, informava o Boletim, podiam dizer ao Brasil, extasiados, que foram eles “a primeira pedra desse grande edifício que vai ser o governo popular”. “Ao eco da nossa metralha já responderam os companheiros da Paraíba do Norte, Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo”, exaltava. Rio de Janeiro e Maranhão já estavam “nas mãos dos nacionais libertadores”.

São Paulo estaria insurrecionado, “com o povo em armas e o proletariado em greve revolucionária, tudo indicando que o governo não se sustentará por muitas horas”. Mais para o Sul, “o proletariado se atira a greves combativas, aclamando o nome de Luiz Carlos Prestes”. “A gloriosa Marinha brasileira também já virou seus canhões contra a tirania, estando revoltada na Bahia e Guanabara e bem assim no Pará. Santa Catarina levantou-se há poucos minutos, sob o comando do valente companheiro Herculino Cascardo (o ex-interventor que presidia a ANL)”, concluiu.

A participação das mulheres no Levante foi marcante. Em panfleto com o título Convite, o diretório da União Feminina do Brasil, com “seção no Rio Grande do Norte”, convidou as excelentíssimas famílias “a tomarem parte na União Feminina, a única que luta por Pão, Terra e Liberdade”, o lema da insurreição. Como todos os boletins, o Convite terminou com proclamações de “viva” a Luiz Carlos Prestes, à Aliança Nacional Libertadora, ao 21º Batalhão de Caçadores “e ao povo em armas” – além, é claro, à União Feminina.

Leonila Felix – segundo Graciliano Ramos, na obra Memórias do cárcere, uma mulher branca, nova, bonita –, esposa de Epifânio Guilhermino, motorista de táxi responsável por reunir carros e caminhões para os revoltosos, participou do Levante fardada e portando arma. Outra participante ativa, Amélia Gomes, a filha do professor Raimundo Reginaldo, também fardada, assumiu a importante função de coordenadora da correspondência com as demais cidades insurretas – Rio de Janeiro e Recife –, falando em nome do Comitê Revolucionário, que havia se instalado na Vila Cincinato, sede do governo.     

De acordo com a denúncia do procurador criminal da República no Rio Grande do Norte, Carlos Gomes de Freitas, Amélia e outras mulheres invadiram o 21º Batalhão de Caçadores fardadas e portando armas pesadas. Como secretária do Comitê Popular Revolucionário, contribuiu na edição do jornal A Liberdade, o órgão oficial do Levante. Foi a única condenada, das mulheres que participaram do Levante, e recebeu pena de cinco anos de reclusão. Sua prisão foi decretada em 4 de setembro de 1936.

Jornal católico

Os boletins foram impressos nas oficinas do jornal A Ordem, pertencente à União dos moços católicos – tomado pelos revolucionários –, que se dizia “propriedade” de um tal “centro de imprensa”. Passou a se chamar A Liberdade, sob a direção do professor Raimundo Reginaldo e participação dos redatores da Imprensa Oficial Othoniel Menezes e Gastão Corrêa da Costa, além de Horácio Valladares, o jornalista enviado pelo Comitê Central do PCB. Mas teve só uma edição, de três mil exemplares, que circulou em 27 de novembro como “órgão oficial do governo popular revolucionário”. Sob a aleluia nacional da liberdade e Delenda fascismo! eram as manchetes principais.

Trouxe comunicados e informes. Um deles, com o título Proclamação do Comitê Revolucionário do Rio Grande do Norte sobre o direito à reunião e associação, dizia:

Ao proletariado e ao povo revolucionário.

Nascidos da revolução, apoiados na massa trabalhadora e nossos irmãos fardados, os soldados, fugiríamos ao cumprimento de nossa palavra empenhada nos comícios, manifestações e em todo o material de propaganda dos nossos ideais se não concretizássemos na prática aquilo que teoricamente oferecíamos.

Neste sentido, queremos dar ao proletariado e ao povo revolucionário aquilo a que têm direito, direito este conquistado à custa de ingentes sacrifícios, arriscando a própria vida, pela conquista da liberdade.

A liberdade é a vida, sem aquela esta nada vale e por isso é que nós jogamos esta nas ruas para conquistar aquela… ou a morte.

Pensando assim, resolvemos dar amplo direito de reunião e manifestação do pensamento falado ou escrito a todas as organizações estritamente trabalhistas e às organizações de massa verdadeiras e reconhecidamente revolucionárias.

Assim, convidamos os trabalhadores em geral para que se reúnam livremente nas suas organizações de classe ou nas praças públicas se mais lhes convier, enviando a este Comitê todas as suas reclamações para que sejam atendidas de conformidade com seus desejos e na medida que por eles forem defendidas.

A todas as organizações verdadeiramente revolucionárias será também garantido o livre funcionamento e o inconteste direito de sugerir medidas acauteladoras dos interesses do povo e do Estado.

Esta liberdade se estende a todos os cultos e religiões que podem livremente funcionar desde que seus chefes ou representantes não se sirvam delas para fazer campanha derrotista contra esse movimento que é do povo e para o povo.

O formato imitava o jornal A República, órgão oficial do governo deposto.

Dizia o cabeçalho:

Enfim, pelo esforço invencível dos oprimidos de ontem, pela colaboração decidida e unânime do povo, legitimamente representado por soldados, marinheiros, operários e camponeses, inaugura-se no Brasil a era da liberdade, sonhada por tantos mártires, centralizada e corporificada na figura legendária onipresente no amor e na confiança divinatória dos humildes – de Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”.

A tomada do jornal foi uma ação ousada. A Ordem, ligada à fascista Ação Integralista Brasileira, liderada nacionalmente por Plínio Salgado, pregava sistematicamente contra o “comunismo”.

Quando os donos retomaram o jornal, disseram que “os comunistas tiveram a ousadia de transformar essa folha em órgão da Aliança Nacional Libertadora, pretendendo humilhar a população católica do estado, que viu seu jornal transformado, de momento para outro, em centro de irradiação vermelha”. “Aqueles tipos e aquelas máquinas, sempre por nós utilizados em defesa de Jesus Cristo e de sua Igreja”, passaram a ser cinicamente empregados “pelos agentes de Moscou”, para divulgar ideias “comunistas”, “contra as quais tivemos assestados as nossas baterias”, protestou.

Os “invasores”, diz a matéria, queimaram a edição de domingo, quando consolidaram a tomada do poder, que trazia “o Evangelho de São Matheus (24,15-35) referente aos ‘falsos profetas que farão prodígios e coisas espantosas, a ponto de seduzir os próprios escolhidos”. “Falsos profetas, sim, porque vêm anunciando um paraíso irreal, na terra, para os operários e pequenos”. A apostasia se agravou com a atitude dos revolucionários, nos primeiros instantes do domingo, “distribuindo com os proletários custosas iguarias, vinhos caros, cédulas e moedas de valor”.

Segundo A ordem, a ocupação ocorreu às cinco horas da madrugada de 24 de novembro, quando operários da oficina foram conduzidos ao 21º Batalhão de Caçadores, juntamente com o chefe do serviço de revisão. “Mudados os dísticos e emblemas das nossas placas para ‘Tipografia da Aliança Nacional Libertadora’ com a ‘foice e o martelo’ do comunismo, os rebeldes fizeram funcionar as nossas máquinas, publicando centenas de milhares de boletins extremistas.”        

Assim que retomaram o jornal, os antigos donos distribuíram um boletim anunciando que o A Ordem fora ocupado por “um grupo armado a fuzil”. “Podemos antecipar a nossa condenação ao golpe dos extremistas, sem esquecer que o fenômeno comunista é uma resultante de erros que diariamente combatemos, dos quais participam também os defensores das chamadas ‘liberdades modernas’. O erro é geral e só se salvará quem ouvir a palavra sempre nova e eterna da Igreja de Jesus Cristo”, pregou.

Segundo o boletim, para comemorar a retomada até o governador Rafael Fernandes esteve no jornal, assim como o monsenhor João da Matha Paiva, presidente da Assembleia Constituinte, que fora vigário-geral da Diocese de Natal.

Vapor Santos

Após o fim do Levante, circularam nos jornais do Rio de Janeiro informações de que o vapor Santos, do Lloyd Brasileiro, fundeado no porto de Natal, teria sido ocupado pelas forças rebeldes. O almirante Graça Aranha, diretor do Lloyd no Ministério da Marinha, emitiu ordens por rádio para que os cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul saíssem à caça do navio. Aviões da Força Aérea da região também receberam ordens para vasculhar a costa em busca do Santos.

A informação fora passada por Getúlio Vargas, por telegrama, revelado pelo governador paulista, Armando de Sales Oliveira, para anunciar o fim do Levante. “Os revoltosos do Rio Grande do Norte abandonaram a capital do estado, onde a ordem foi restabelecida. Diante da impossibilidade de oferecer resistência às forças que se aproximavam, embarcaram no vapor ‘Santos’, em número de quinhentos, mais ou menos, seguindo rumo ignorado”, dizia o texto. 

Na madrugada de 28 de novembro, uma comunicação emitida pelo diretor regional dos Telégrafos em Recife dizia: “O major Flávio, chefe do Estado-Maior da região, acaba de informar-me que o vapor ‘Santos’ continua ancorado no porto de Natal, à disposição da região. Assim, quem tiver família a bordo tranquilize-se”. Alguns revolucionários que conseguiram fugir, na verdade, usaram recursos bem mais simples, como fizeram o professor Reginaldo e sua filha Amélia.