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Economista contesta PEC 65/2023 que dá autonomia financeira ao Banco Central

14 de junho de 2024

Segundo Diogo Santos, a PEC 65/2023 é “mais um passo na criação de um poder paralelo do mercado financeiro dentro do Estado brasileiro”

Por Murilo da Silva, no Portal Vermelho

Nas próximas semanas a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado pode analisar a PEC 65/2023, que estabelece autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central (BC). Este é um passo que amplia o que foi estabelecido pela Lei Complementar 179 ao oferecer uma maior desvinculação junto ao Estado. Na proposta do relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM), o BC passaria de autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda para uma empresa pública, com natureza especial e personalidade jurídica de direito privado.

A proposta tem gerado fortes contestações. Os trabalhadores organizados pelo Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (SINAL), Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) e Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Distrito Federal, Sindsep/DF, promoveram uma forte mobilização contra a PEC em frente ao Senado, na última quarta-feira (12), com apoio de Centrais Sindicais, como a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), da Federação Nacional Dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe), entre outras entidades.

Para explicar as falácias que os apoiadores da PEC tentam justificar e o engodo que o projeto é para o povo brasileiro, o Portal Vermelho falou com o economista e doutorando em Economia pela UFMG, com período de pesquisa na Universidade de Leeds na Inglaterra, Diogo Santos. Confira!

‘BC distante do poder instituído pelo voto’

De acordo com o economista Diogo Santos, ampliar ainda mais a desvinculação do Banco Central ao poder Executivo “não é uma boa coisa” e não é uma situação meramente técnica, como os apoiadores da medida tentam naturalizar.

“A PEC 65/2023 cria uma apropriação pelo BC de recursos que são do Estado brasileiro. Além disso, amplia o risco de pressão externa de agentes econômicos sobre a condução de suas funções. Também blinda o BC das restrições fiscais impostas ao Executivo com o apoio das últimas gestões do próprio banco. Essa proposta também abre brechas para mudanças futuras, como a terceirização da administração das reservas internacionais e da conta única do Tesouro”, explica Santos.

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Segundo o economista, no fundo a proposta é “mais um passo na criação de um poder paralelo do mercado financeiro dentro do Estado brasileiro”, pois visa apartar o voto popular que está amparado na atual representação da presidência da República.

Diogo Santos. Foto: Arquivo Pessoal

“Não devemos imaginar que esse seria o último passo. Na obsessão de copiar as instituições norte-americanas, em algum momento alguém poderá propor a privatização do BC. Outra proposta que pode surgir no futuro é o próprio BC escolher a meta de inflação que deverá seguir, e não mais o Conselho Monetário Nacional (CMN), como é hoje”, alerta.

Santos – que realiza sua pesquisa principalmente sobre financiamento do desenvolvimento, economia política da política monetária e política industrial – chama a atenção para o quadro que está sendo gerado no Brasil.

“Um Banco Central mais distante do poder instituído pelo voto, um Congresso Nacional com mais poderes sobre o orçamento, por meio de emendas de execução obrigatória, e um regime fiscal recessivo e antipovo imposto ao Executivo, é tudo, menos uma institucionalidade que favoreça o desenvolvimento nacional”, afirma.

O que muda para a população?

A distância que o Banco Central possa parecer ter com o dia a dia da população fica só no imaginário. As decisões tomaras por sua diretoria tem reflexo direto na vida do povo, uma vez que é pelo banco que a taxa básica de juros (Selic) é definida. Uma Selic mais alta do que deveria estar (como hoje) encarece a oferta de crédito e inibe o consumo, ou seja, atravanca o desenvolvimento quando não corresponde ao que a realidade econômico-social requer.

“Para a população o que muda é que ela terá ainda menos poder de influenciar a política monetária, ou seja, é mais uma regressão democrática. A população influencia a política monetária, principalmente, por meio da escolha do presidente da república e de seu programa de governo, que deveria se refletir na condução da política monetária. Um Banco Central ainda mais desconectado da escolha popular, significa, por exemplo, que a grande maioria da população estará mais afastada da decisão de quanto o governo, as empresas e as pessoas entregaram de suas rendas para o mercado financeiro na forma de juros”, coloca Santos.

Um dos alertas feitos sobre a possibilidade de desvinculação total do BC é que a instituição, no controle completo de seu orçamento, poderá ter um incentivo a buscar novas formas de receita e rentabilizar serviços, ou passando a cobrar por serviços gratuitos como o PIX ou aumento valores dos já cobrados.

‘Senhoriagem’

Nesse sentido os sindicatos que reúnem os trabalhadores e as categorias afins fazem uma alerta sobre o sustento do Banco Central com recursos próprios. Como apontam, o BC passaria a ter como principal fonte de recursos a senhoriagem, que é a receita ou o lucro proveniente do monopólio de emissão de moeda.

Assim, o conflito de interesses estaria posto, porque os ganhos com emissão de moeda são puxados, principalmente, pela inflação – e a taxa básica de juros é definida pelo banco.

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Conforme explica Diogo Santos, o uso de receitas de senhoriagem está na justificativa da PEC 65/2023, que estabelece como centro da proposta para cobrir despesas a senhoriagem. No entanto, pondera que a justificativa na PEC é confusa quanto ao conceito de senhoriagem e às fontes de receitas do Banco Central, mas indica outro sentido nessa preocupação.

“O BC passaria a se apropriar de uma receita que decorre de suas funções de Estado, que são emitir a moeda, gerir as reservas internacionais, administrar o sistema brasileiro de pagamentos e a conta única do Tesouro. Ou seja, são receitas do Estado brasileiro e não do BC. Uma coisa é uma empresa pública como a Petrobras que aufere receitas próprias de sua atividade econômica, ou mesmo uma agência reguladora que tem receitas próprias com as taxas e multas que aplica aos setores regulados. Outra coisa, são receitas do BC que somente existem porque o BC está desempenhando uma função de Estado”, critica o economista ao dizer que estes recursos não podem ser privatizados pelo Banco de forma alguma.

Entre estes recursos constam os rendimentos dos títulos do Tesouro de propriedade do Banco Central que rendem juros de acordo com a Taxa Selic (de forma geral).

Estabilidade em xeque

O doutorando pela UFMG ainda contesta a argumentação utilizada por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central e defensor da PEC 65/2023, de que a medida é devida pelos anos de perda do poder de compra na remuneração dos servidores.

“É uma forma de tirar o BC do teto de gastos imposto ao poder executivo desde o governo Temer e não alterado pelo novo arcabouço fiscal. É semelhante ao que a Câmara tem feito na última década ao impor ao Executivo a execução obrigatória de emendas parlamentares e que não podem ser alvo de contingenciamento. Veja o acinte: o mercado financeiro impõe ao país um regime fiscal antidemocrático e recessivo, com o apoio decisivo das últimas gestões do BC e agora o próprio BC busca uma forma de se livrar das consequências negativas decorrentes dos limites orçamentários gerados pela regra fiscal imposta ao Executivo. Pimenta nos olhos dos outros é refresco”, condena Diogo Santos.

A argumentação de Campos Neto, atiçando funcionários com um possível aumento salarial oriundo da desvinculação econômica do Banco é tão falacioso que os próprios servidores têm se mobilizado em protesto contra a PEC.

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Isto porque a mudança para empresa pública, uma das principais contestações dos servidores do Banco, alteraria o status de servidor do Regime Jurídico Único (estatutário) para celetista, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A condição faria com que a estabilidade, tão almejada por funcionário públicos, fosse perdida. Em votação interna com os servidores realizada pelo Sindicato SINAL em abril, 74% de um total de 4.505 se mostraram contrários à PEC.

“A estabilidade, ainda que não suficiente, é um dos pilares da garantia que a sociedade possui de que os servidores públicos estarão resguardados de tentativas de desvio da função pública. O BC tem um papel chave em regular o sistema bancário. É, portanto, imprescindível que os seus servidores estejam protegidos de pressões externas que busquem direcionar sua ação para objetivos particulares. Menor estabilidade aumenta o incentivo para que agentes privados busquem canais para pressionar os servidores a tomarem decisões que lhes favoreçam”, elucida Santos.

“Não vejo ponto positivo”

Além de Roberto Campos Neto (que se ofereceu abertamente para compor com Tarcísio de Freitas em uma futura candidatura contra Lula em 2026, abrindo claramente mais um óbice sobre sua gestão no BC), apoiam a PEC 65/2023 senadores como Damares Alves (Republicanos-DF), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Eduardo Girão (Novo-CE), Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Marcos do Val (Podemos-ES), Cleitinho (Republicanos-MG), entre outros.

Questionado se enxerga algo de positivo na autonomia total do Banco Central, Diogo Santos é categórico: “Não vejo ponto positivo”.

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Para ele, as mudanças propostas são antirrepublicanas e antidemocráticas e “aumentam o fosso entre a soberania popular para a condução de uma instituição chave para o desenvolvimento do país”.

Nesse sentido, a função do BC deveria buscar o desenvolvimento do país em conformidade com os desejos do povo, exatamente o contrário do que ocorre.

“O Brasil é um país subdesenvolvido e em regressão econômica. O Banco Central deveria estar conectado ao esforço de reverter esse quadro e não buscar se comparar e mimetizar os bancos centrais de países ricos do centro do capitalismo, que possuem estruturas econômicas e financeiras muito distintas da nossa”, conclui o economista.

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